Para não virar a página

Está em circuito comercial no Rio e em São Paulo o filme Condor. Aproveito a ocasião para reproduzir aqui a análise crítica que fiz do documentário de Roberto Mader, publicada no livro O que o cinema vê, o que vemos no cinema; uma coletânea de depoimentos de diretores e análises críticas para estimular o debade dos filmes do
35º Festival de Cinema de Gramado.

********

As ditaduras militares marcaram a ferro a história da América Latina na última metade do século passado. Sustentadas pelo interesse dos Estados Unidos em manter a hegemonia política e econômica na região, em plena guerra fria, constituíram regimes de exceção, amordaçando a imprensa, imobilizando parlamentos, rasgando constituições e cooptando a justiça e parte da igreja.

Foi um período marcado pela violência contra vozes dissonantes; pessoas eram presas, torturadas e mortas. No campo das idéias, a regra era manter o controle sobre o imaginário popular com hinos e slogans de cunho fascista. Até mesmo a semântica foi violentada no Brasil para chamar de revolução o golpe militar de 64. Ora, em uma sociedade submetida à força da repressão, só o reconhecimento da história oral possibilitaria a investigação legítima sobre o tema, suplantando o obscurantismo desejado pelas forças reacionárias.

Recuperar o passado sombrio e construir a memória dos anos de chumbo para as gerações que não tiveram relação direta com a dolorosa experiência das ditaduras militares foi a tarefa seguinte. A ela se entregaram intelectuais, escritores, jornalistas e cineastas. Nesse contexto, surgem filmes antológicos como A História Oficial, de Luiz Puenzo, e Batalha do Chile, de Patrício Guzmán, entre outros não menos importantes.

O documentário de Roberto Mader, Condor, é mais uma obra determinada a cumprir essa missão. Por muitos anos contestada pelas forças da direita, a parceria sinistra firmada entre os governos de exceção da Argentina, Uruguai, Chile e Brasil para esmagar a mais tênue articulação de esquerda no Cone Sul – sob os auspícios dos Estados Unidos, sabe-se hoje – foi confirmada quando parte da documentação da CIA sobre o assunto tornou-se pública. Com esse material e um cuidadoso trabalho de pesquisa, o escritor norte-americano John Dinges escreveu o livro The Condor Years.

O escritor é um dos depoentes do documentário, assim como políticos, militares e ex-militantes dos dois lados, garantindo o mínimo de isenção a que se pode chegar numa questão política. Isso é bom. Pode-se conferir, por exemplo, o cacoete de apropriação indébita nas hostes direitistas em uma fala de Jarbas Passarinho. A certa altura de seu depoimento, o ex-senador fala de “nossos mortos” referindo-se às vítimas da Operação. Nossos de quem? Podemos perguntar ao lado da avó de duas crianças contrabandeadas e dadas para adoção no Chile, depois de verem seus pais serem assassinados no apartamento onde moravam na Argentina.

Esse e outros episódios trágicos relacionados à Operação Condor são contados no documentário pelas próprias vítimas, em depoimentos contundentes e cheios de humanidade. Mader junta ainda provas e documentos para montar um painel do que foi aquele teatro do absurdo, onde as evidências eram desqualificadas e somente a persistência das famílias atingidas e a diligência dos comprometidos com a verdade permitiu trazer à luz fatos por tanto tempo recalcados, contribuindo grandemente para a reconstrução da memória dos países envolvidos.

Essa é uma página da história mundial, como tantas outras, de crimes contra a humanidade, que não se deve virar: ao contrário, são episódios que devemos pesquisar, que devemos perscrutar até onde preciso para por fim às dúvidas sobre fatos e responsabilidades. E depois lembrar o que não deve ser esquecido para que não se repitam os mesmos erros. Essa função cabe cada vez mais ao cinema com a capacidade que tem de envolver corações e mentes. E, sejamos justos, neste sentido, a chamada sétima arte tem dado uma contribuição de valor inestimável também para a história da humanidade.

Leila Richers

Realidade X Ficção

Mergulhada em trabalhos com prazo em vias de vencer, ando impedida de ir ao teatro, ao cinema ou a qualquer outro evento que me proporcione assunto para este blog. Leio todos os dias o jornal, mas ali também não encontro inspiração para um artigo relevante neste final de ano com jeito de retrospectiva requentada. Então, para não desapontar meus leitores, decidi inverter novamente os gêneros neste espaço - reservado para comentar o factual, e publicar uma peça da minha pobre imaginação, inspirada no mais recentemente divulgado patrimonio cultural da Venezuela:

Suíte Zona Sul

"Que merda! A gota de vinho caiu no debrum de renda chantilly do penhoar de seda branca. Bebia a segunda garrafa do melhor vinho da adega. A boca anestesiada, a cabeça ainda a mil. Filho da puta! De caso com uma cantora, nova musa do verão. As amigas insinuaram; no Country o assunto da ruiva hype ou cool ou qualquer porra dessas foi mais do que indireta. Procurou, encontrou o fio de cabelo longo e cobreado na dobra do paletó. Canalha! Se esbaldando nas sardas da plebéia alazã enquanto ela, terceira geração de mulheres lindas e lânguidas, em baixo da barraca, sem uma manchinha de sol.
Sentiu a onda de tesão irradiar do estômago para o púbis e dali por entre as pernas... Dava agora mesmo pro porteiro mulato, e dava no elevador pra fazer escândalo na Vieira Soto. Bebeu mais vinho e acendeu outro cigarro. Abandonada nunca! Até hoje nenhum caso na família, clã da aristocracia carioca. Matava o safado primeiro. Foi do salão pro escritório, abriu a gaveta da escrivaninha e pegou a arma. Mirou na foto do marido, com os pais no dia da formatura. Patife também tem mãe! Caiu em prantos e foi tropeçando nos soluços assoar o nariz no banheiro da suíte. Passou pelo quarto e ouviu o som alto da televisão. Sentou-se na beira da cama para ver a apresentadora. Olhando nos seus olhos a loura da madrugada anunciou a notícia do próximo bloco: SOCIALITE MATA O MARIDO POR CIÚMES
Acendeu três cigarros na seqüência deixando todos pela metade. Na volta dos comerciais soube do caso em São Paulo. Foi pra janela e escancarou a vidraça. Encarou o vão negro do oceano assustador. Sentiu a maresia lamber o seu rosto, na boca o gosto de sal... Repetir a perua paulista, nem morta, que mico maior ninguém pode pagar. Suspirou fundo e planejou investir numa boa chantagem."

Internet, praia e empadinhas...

Caros leitores, peço desculpas pela longa ausência e ainda por não ter dado satisfação alguma do motivo que me afastou tanto tempo deste blog. Acontece que por conta de uma infiltração resultante das chuvas de meados de novembro, fiquei sem internet, e isso na véspera de uma viagem à Florianópolis onde passei uma semana em Canasvieiras, uma praia de areia branquinha e mar listado de azul e verde... E quando a vida real é sombra e água fresca, só um tarado vai pensar em realidade virtual. Agora, de volta ao mundo cruel e com o problema da rede resolvido, publico aqui um conto, torcendo para que caia no agrado de vocês:

A Empadinha

O que eu menos gosto em ser velha é andar assim curvada, com a cabeça lançada pra frente, feito esganada pra abocanhar o tanto de vida que me resta. E o corpo vindo atrás, remanchando, como que apegado demais aos escassos últimos gostos.
Um pouco de sol de manhã, o sono pesado depois do almoço, lembranças ao entardecer, e a televisão no fim do dia. No meio da novela eu cochilo e muitas vezes até durmo, e aí eu ronco que só vendo. Mas ninguém vê, eu moro só. Sozinha eu vou para a cama, sozinha durmo e acordo, sozinha passo meus dias entre os quatro cantos deste apartamento. Às vezes abro a janela, mas fecho logo depois. Tenho medo do que possa entrar por ela. Um golpe de ar, uma bala perdida, o mosquito da dengue. Um ladrão só se for voando porque é andar alto, mas se vê cada coisa hoje em dia...
A janela só fica aberta quando o meu filho vem. Se não, ele reclama, diz que está abafado, que é preciso deixar ventilar, que ar fresco é bom pra saúde, e isso e aquilo. Eu não concordo com nada disso, mas finjo que sim para não perder tempo, não o meu que tenho de sobra, mas o dele que fica menos de uma hora.
Quando vem me visitar, o meu filho traz uma empadinha de palmito, a minha preferida. Só uma, porque mais o médico proíbe. Eu não acredito que possa fazer mal uma coisa tão boa como a empadinha que o meu filho traz pra mim todas as semanas, só finjo que sim porque esse é o nosso segredo, ele nos torna cúmplices na travessura de me fazer mal à saúde. E isso me faz bem ao coração.
Quando o meu filho chega, abro a porta de casa já procurando a prenda. Ele, com o braço levantado, sacode o pulso no ar fazendo balançar o saquinho de papel lustroso que segura pela ponta da dobra comprimida entre o indicador e o polegar. Então, olhamos um para o outro, e trocamos um sorriso gêmeo.
Depois, ele me beija o rosto e entra pela casa, perfumando o ambiente com o cheiro do salgado. De vez em quando eu sonho com esse cheiro e sinto na ponta da língua o farelo da farinha desmanchar, sinto a boca encerada de gordura e o gosto quente do recheio. Os pedaços moles de palmito, eu os engulo bem devagar. A azeitona eu não como, nem mesmo quando estou acordada.
É na mesinha da sala que fazemos a partilha. Lá , quando o meu filho chega, já estão os copos, a jarra de água, o prato limpo, e a faquinha bem afiada. Primeiro eu abro o saquinho, depois, com cuidado, coloco a empadinha sobre o prato e, então, corto a guloseima em dois pedaços iguais. O pedaço com a azeitona é do meu filho, o outro é para mim. Sentados comemos, bebemos, e ficamos assim quietos, olhando um para o outro, esperando o tempo passar.

Bukowiski em cena

Pão com Mortadela, a adaptação para o teatro do romance Misto Quente de Charles Bukowski, entra hoje nas duas últimas semanas em cartaz, no Rio de Janeiro. Confesso que passei a temporada toda deles no Espaço Sesc, um teatro que gosto e costumo freqüentar, desdenhando a montagem do diretor João Fonseca. Tinha cá com meus botões que uma companhia com atores em torno de vinte anos de idade não poderia se aventurar pelo território devasso do “mosca de bar” a ponto de poder representá-lo em cena.
Bukowiski foi um dos heróis dos anos 70 e 80, com suas histórias autobiográficas de bebedeiras, trepadas, brigas e vadiagem. Conseguiu transformar em literatura os fatos mais corriqueiros da sua vida. Fez da adversidade o leitmotiv de sua poesia. Tratou angustias e dramas pessoais com tal crueza de imagens que logrou converter desventuras em aventuras muito engraçadas, cheias de bobagens geniais.
Como essa garotada de hoje – do mundo pós-aids, submetido à ditadura do politicamente correto – poderia entender o universo depravado e desbocado do “velho safado”, era a pergunta subjacente ao pouco crédito que eu dava ao espetáculo.
Na verdade, só aceitei o convite para ir à Casa da Gávea, às oito da noite do domingo passado, debaixo de chuva forte, porque a proposta era, depois da peça, dividir uma picanha no Hipódromo que fica em baixo do teatro e é para mim um dos melhores bares/restaurantes da cidade. Pra resumir a estória, fui ao teatro com o estômago e saí da peça de cabeça feita.
O elenco dá conta do recado; transita pelo universo do autor com desenvoltura e acerta quando opta por uma interpretação histriônica em algumas passagens, que levam a platéia a boas gargalhadas. O cenário é funcional e elegante. O figurino é agradável e eficiente, na medida em que dá suporte discreto a interpretação sucessiva de muitos personagens.
A dramaturgia de João Fonseca é feliz ao transpor para o palco as agruras da infância e adolescência de Henry Chinaski (alter ego de Bukowski, presente em quase toda a sua obra) em esquetes bem construídos, com equivalência cênica, respeitando a ordem cronológica da narrativa e dando o destaque devido a cada personagem na construção da história. Com isso e com o bom desempenho das interpretações em conjunto, a montagem de Pão com Mortadela garante a unidade do espetáculo e o prazer do espectador, do início ao fim.

...é melhor ser alegre que ser triste

Um feriadão com muita chuva, como o que passou, até que é bom, de vez em quando, pra gente colocar em dia alguma coisa pendente como uma leitura determinada, um texto devido, a organização de gavetas, enfim, qualquer tarefa corriqueiramente menosprezada, basta fazer tempo bom. E no Rio de Janeiro, faz sol quase que o ano inteiro. Então, por mais disciplinada que seja a pessoa, convenhamos, esta cidade é um convite à gazeta, no mínimo à dispersão.
Lembrei-me, à propósito (pois foi justamente o dolce fa niente do final de semana que me levou a revê-lo), do documentário Vinícius, de Miguel Faria Jr., onde ouvi que o João Cabral de Melo Neto costumava dizer que um escritor com a sua disciplina e o talento de Vinicius de Morais seria, sem dúvida, o maior poeta do século. Se Vinícius não levou esse título, outro ninguém pode lhe negar: o poetinha ( sem menosprezo, por favor) foi, sem dúvida, o mais carioca dos cariocas de todos os tempos. Pois, que outros versos traduzem mais precisamente o estado de espírito do povo desta cidade do que “é melhor ser alegre que ser triste, a alegria é a melhor coisa que existe”
Eu sei que muitos vão discordar, com argumentos procedentes até certo ponto: “... o Rio não é mais o mesmo do tempo do Vinícius de Morais”, “...o carioca vive num bode só ”, “...a violência acabou com o Rio boêmio” e etc. Eu continuo achando que o carioca antes de mais nada quer se divertir, aposta quase todas as fichas no prazer imediato, é um otimista por índole, um cordial por mentalidade e um azarador por cacoete. Mas pra você que, antes de tudo é meu leitor, e que também é saudosista como os nortistas, melancólico como os paranaenses e nostálgico como os paulistas, vai aí um brinde dos tempos áureos da verdadeira Cidade Maravilhosa, e aquele abraço!
(http://www.oglobo.com.br/blogs/largman/post.asp?cod_post=79049)

Marilyn, O Mito

Fui hoje ao Museu de Arte Moderna ver a exposição de fotos de Marilyn Monroe, uma das mulheres mais desejadas de todos os tempos, um ícone de Hollywood, um mito universal... Por que uma atriz mediana conquistou títulos assim superlativos em tão breve existência (ela morreu aos 36 anos), é possível descobrir dedicando às fotografias de Bert Stern parcimoniosa atenção. Sim, não é necessário e não se deve mesmo vasculhar a Marilyn deste último ensaio, feito num hotel de Los Angeles para a revista Vogue. Basta lançar um olhar sobre a loura figura diáfana e seminua e a retina guardará renitente a impressão da própria sensualidade, transformando em concreto o que era abstrato.
De todas as fotos a minha preferida é a de Marilyn nua deitada de bruços sobre os lençóis, um braço solto pra fora da cama, o queixo apoiado na outra mão. No rosto, o eterno sorriso maroto, prenhe de ambigüidade, meio criança, meio mulher. Essa marca da diva, poderosa e sutil, de conjugar um jeito ingênuo com a malícia do olhar sincopado em fortuitas piscadelas, está registrada em todas as fotos da exposição Marilyn Monroe, o Mito, que de resto é deliciosa de ver e fica até o dia 25 de novembro no MAM. Programa imperdível para quem vai ficar o feriado na cidade.


*****************

Pelos comentários de dois leitores no blog anterior, percebi que não dei conta do recado, ou seja, não ficou claro o que eu queria dizer: que o povo brasileiro, inclusive a maioria da população carioca, que mora fora da restrita área da zona sul, tem um otimismo exacerbado porque mesmo sendo maltratado, como foi naquela semana pelo secretário de segurança e pelo governador, não se revolta, continua a ir trabalhar todos os dias, e quase todos levando um sorriso no olhar. Lembra da sua diarista, do acessorista, do porteiro, do boy, do garagista...

Saldo Semanal

“O ser humano é otimista por natureza”, foi uma das matérias em destaque nos jornais da semana que passou. Em estudo publicado na revista “Nature”, pesquisadores da Universidade de Nova York conseguiram através de ressonância magnética relacionar a tendência ao pensamento positivo a determinadas áreas do cérebro, responsáveis pela sensação de bem-estar. O estudo revela que grandes níveis de ativação na amígdala e no córtex cingulado anterior combinam com as tendências individuais ao otimismo. Tais mecanismos explicariam, portanto, a inclinação natural dos seres humanos a projetar eventos positivos para o futuro. Por outro lado, problemas de mau funcionamento nessas áreas do cérebro já foram relacionados, em estudos anteriores, a problemas de depressão ligados ao pessimismo.
A divulgação dessa pesquisa foi não apenas uma surpresa para mim, como talvez a oportunidade de elucidar um mistério com o qual venho há tempos matutando. Será que, por causa da alimentação ou talvez de herança genética, quem nasce no Brasil tem essas regiões cerebrais mais desenvolvidas que o normal? Ou o quê mais explicaria o fato de a maioria esmagadora dos brasileiros, de cidadãos cumpridores de seus deveres, acordar todos os dias, levantar e sair de casa para trabalhar? Convenhamos que viver neste país pode ser uma experiência de alto risco, pelo menos para os excluído do seleto grupo de privilegiados que vive amparado pela rede de proteção que o estado e o sistema garantem aos endinheirados e aos formadores de opinião.
Se não, vejamos o que dizem outras matérias em destaque na semana que passou:
“Neurocirurgiões abrem crânio a marteladas” A utilização de furadeiras de marcenaria em neurocirurgias é apenas um dos problemas dos hospitais públicos do Rio, onde se utilizam instrumentos ainda mais rudimentares como martelos e goivas para abrir a cabeça de pacientes com lesões cerebrais...
“Leite longa vida é adulterado até com soda cáustica” A fraude foi descoberta em cooperativas de Minas Gerais que, para ter mais lucro, misturavam soda cáustica, água oxigenada e citrato de sódio ao leite. Setenta e seis por cento do leite líquido consumido pelos brasileiros é longa vida. A Nestlé e a Parmalat teriam comprado o produto adulterado e agora a Polícia Federal fará coleta de amostras de leite em todo o país...
“Um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na favela da Coréia, no Alemão, é outra” diz secretário de segurança do Rio em entrevista à rádio CBN: “Buscar os traficantes na Zona Sul, no Dona Marta, no Pavão- Pavãozinho, estou muito próximo da população. É difícil a polícia entrar ali. Porque um tiro em Copacabana é uma coisa...
“Cabral defende aborto para frear fábrica de marginais na Rocinha” O governador Sérgio Cabral afirmou que as altas taxas de natalidade em localidades pobres, como a Rocinha, são verdadeiras fábricas de marginais...

Quer dizer, se a natureza do ser humano é ser otimista, o brasileiro comum é, dos seres humanos, o mais natural. E, se ser otimista é uma questão de ativação na amígdala e no córtex cingulado anterior, o carioca médio sofre de hiperatividade nessa região cerebral.

Razão e Sensibilidade

Embora desconfie de que ninguém agüenta mais discutir Tropa de Elite, peço licença aos meus eventuais leitores para cometer alguma inconveniência e voltar ao assunto uma última vez. Acontece que só agora consegui assistir ao filme. Então, mesmo atrasada, sinto a necessidade de tecer considerações a respeito, caso contrário fica o blog sem razão de ser, pois blog é justamente o espaço que inventaram na internet para quem quiser dizer o que pensa, é a mídia de cada um, sem censura, sem mercado, sem patrão...
Portanto, este é o lugar para contar que tentei ver o filme em casa, no aconchego do lar, e que não consegui. Não por falta de opção, mas porque meu velho aparelho de DVD é elitista e rejeitou todas as cópias piratas que comprei ou tomei emprestadas dos amigos, os quais não vou dedurar, pois se blog tem regra é a de que cada qual faz a sua, e a minha é manter a discrição.
Então, pra encurtar assunto, sou a favor da pirataria por acreditar no princípio da livre iniciativa, pois se é economia de mercado, ele, mercado, que encontre a solução para fazer chegar um produto ao maior número de pessoas, de maneira tal que a coisa se pague por essa via e ainda agregue algum valor. E produtores e distribuidores que briguem com o governo contra o imposto de 47,5%
sobre DVDs, taxa a meu ver exorbitante para produtos culturais, ainda mais num país onde o salário mínimo não passa de 250 dólares.
Dito isso, vamos ao assunto principal: em minha opinião, Tropa de Elite é uma obra reacionária e até fascista na medida em que, no roteiro, no enquadramento e na fotografia, dá ao capitão Nascimento tratamento de herói (e não é à toa que o protagonista é galã de televisão). Tropa de Elite é também um filme muito bem feito e bem dirigido, ironicamente pelos mesmos motivos que o tornam eficiente ao reeditar a velha dicotomia entre o bem e o mal, sem nuances, sutilezas, sem razão e sensibilidade. Mas o pior é que neste caso, trata-se da luta entre o péssimo e o ruim. E, para mim, o mal nunca é a melhor solução, ainda mais quando se trata de ponto de vista numa cidade partida.
Ora, no filme, se de um lado está o tráfico,sem dúvida, fora da lei, do outro está uma patrulha violenta, arbitrária, torturadora e assassina que se arvora o direito de agir em nome da “lei”. No meio da ação, que ocorre à margem do direito formal, infiltra-se a mensagem totalitária de que ou você está do meu lado, ou está contra mim. E o filme se exime, ainda, de qualquer dimensão psicológica ou social ao condenar sumariamente, por exemplo, um adolescente morador da favela por não resistir ao desejo de possuir um tênis importado. Desta forma, defende a tese do livre arbítrio e se engaja numa estética maniqueísta que em nada contribui para aproximar os dois lados partidos desta cidade. É lamentável.

Rio Messiânico

O único detalhe negativo de uma viagem ao México, a meu ver – além de ter que voltar, claro –, é ter que ficar mofando no aeroporto de Guarulhos por mais de seis horas na ida e na volta. A tortura é conseqüência da ausência de vôo direto entre o Rio de Janeiro e a capital mexicana e da falta de ponte aérea entre Rio e São Paulo no aeroporto paulista, em horários mais próximos aos do vôo internacional. Se atentarmos para o fato de que desde os primórdios da aviação comercial no Brasil os vôos internacionais tinham início no Rio de Janeiro, dar-nos-emos conta de mais uma entre as inúmeras vantagens que a cidade perdeu por conta do vertiginoso esvaziamento econômico que sofre desde os anos 80.

Mas lá se vão quase trinta anos e o carioca continua o mesmo. Depois da praia, vai fazer hora na esquina ou na mesa de um bar. Ali, entre umas e outras, vocifera contra todos, malha governantes do presente e do passado, transita com fluência pelos assuntos mais quentes das esferas federal, estadual e municipal e, de repente, pára tudo para ver uma garota gostosa passar. Então, distraído, muda de assunto para futebol e volta pra casa, satisfeito, em estado de catarse quase total. E dessa forma, docemente, vai entregando de bandeja qualidade de vida para o sumidouro das mazelas que engolfam a sua cidade. Todas já tão nossas conhecidas que nem vale a pena listar.

É verdade que de vez em quando pinta um movimento de resistência, de indignação. Mas começa vago e acaba anêmico. Aconteceu como muitos “bastas” que já vimos por aqui. É que o carioca adora uma moda, mas tem por costume abandoná-la tão logo a novidade pegue, para estigmatizá-la em seguida como aquilo que “já era”. E como por essas bandas ninguém quer “pagar um mico”, fica tudo como está, até que um novo e dramático evento catalise as atenções para mais conversa de bar e, quem sabe, um novo esboço de reação.

Já ouvi dizer que se a capital federal ainda fosse no Rio, ninguém segurava um governo assolado pelo mensalão, muito menos um presidente do Congresso Nacional afundado em escândalo de corrupção. Com perdão da rima, não sei não...
Vejo o carioca de hoje ainda mais contaminado pelo vírus do messianismo do que sempre foi o conformado nordestino. Percebi isso nas conversas sobre o filme Tropa de Elite que, segundo o entendimento de um bom número de pessoas, e para a euforia geral da cidade, oferece ao público a hipótese de um salvador, um Herói Nacional, espécie de D. Sebastião tupiniquim que, se replicado em série, devolveria ao Rio os anos dourados que não voltam mais. É mais um assunto animado pra morrer afogado nos copos de um bar.

Sem dó, nem piedade.

É caminhanhando pelas ruas de uma cidade que se descobrem suas peculiaridades e as características mais aparentes de sua gente. Mesmo na cosmopolita Nova Yorque pode-se perceber a vocação da cidade para fazer com que todos sintam-se cidadãos do mundo sem precisar abrir mão de tradições e costumes originais. Assim é no Rio de Janeiro, onde Mick Jagger observou que as pessoas mais dançam do que propriamente andam nas calçadas. Assim é em todo o mundo, acredito, pois conheço menos do nosso planeta do que gostaria e deveria conhecer. E na cidade do México não é diferente. Em andanças por entre ruas e praças ensolaradas, vou colhendo as impressões mais genuínas, colecionando as lembranças mais duradouras.
Apesar de saber que passeio a pé pelas ruas da maior capital da América Latina, tenho quase sempre a sensação de estar numa cidade menor, com menos gente e menos poluída do que indicam os números oficiais. Aqui, há muito céu à vista, há sempre uma brisa no ar mechendo de leve com as folhas das árvores e a sensação do pedestre não é de calor sufocante, apesar do sol forte dessas manhãs de outono.

Observando melhor percebi que a sensação agradável de amplitude e frescor deve-se à grande maioria dos prédios da capital mexicana ser de no máximo seis andares, enquanto em qualquer outra metrópole o mesmo terreno abrigaria um edifício muito maior. É que além de contar com um amplo território para crescer ao seu próprio redor, a cidade do México está sujeita à terremotos e em 1985 sofeu um de mais de 9 graus na escala Richter, o qual destruiu grande parte da cidade, levando abaixo casas, edifícios e prédios públicos, matando milhares de moradores. Com um solo instável, os prédios altos têm construção caríssima, pois precisam estar estruturados em engrenagens hidráulicas de engenharia sofisticada com compensação inversa no mesmo tamanho de sua altura exterior. É claro que se trata de um triste episódio na história da cidade. No entanto, é natural reconhecer as vantagens de ter no céu mais estrelas pra contar.
Outro detalhe importante para o bem estar dos moradores é a quantidade de parques no perímetro urbano. Para cada bairro há no mínimo dois, com muitas árvores, alamedas e jardins. Todos bem cuidados, limpos e desfrutáveis, com bancos confortáveis e sensação de segurança que a própria ocupação dos moradores garante. Andei em muitos deles e não vi população de rua, pedintes, menor abandonado ou menino explorado vendendo chiclete. Vi gente de todas as idades curtindo o espaço público com tranquilidade e postura cidadã, respeito ao próximo e cordialidade entre si.

Passeando por esses lugares, praticando o exercício do tempo largo, meu hobby favorito, percebi que por estas bandas há sempre um sorriso no ar... e um cheiro forte também. É o aroma das frituras, misturas e temperos das comidas feitas a granéu, e vendidas a varejo nas calçadas. São tantas as barracas e é tanta gente comendo ao ar livre, principalmente na hora do almoço, que fica difícil imaginar um meio-fio asseado em tamanha confusão. Mais é, acredite. Não há papel no chão, detritos ou restos de comida espalhados. Todos usam as cestas colocadas próximas às barracas e aproveitam os mais deliciosos quitutes comendo de pé, na mão, em pratinhos de plástico ou no próprio guardanapo. Páreo, só o tabuleiro da baiana, na querida Salvador.
Mas aqui a variedade é que faz a diferença. É um sem número de opções pra freguês nenhum botar defeito. Nos tacos, tortilhas, tortas, guisados, moles, frijoles, cremes, coberturas e recheios, chiles e etc, etc, etc as possibilidades de combinações diversas elevam a oferta a décima potência. E o povo da cidade do México se alimenta assim feliz... Sem culpa, sem dó, nem piedade.

Pro Dia Nascer Feliz

No texto anterior eu falei sobre identidade cultural e suas expressões mais populares, a dança em especial. Agora vou falar da comida mexicana que se para os que nasceram e cresceram neste país é a melhor do mundo, para os outros estaria entre as melhores se pudesse ser facilmente industrializada e exportada. Acontece que a genuína comida mexicana é toda feita com produtos naturais daqui ou processados aqui, de maneira muito original e de acordo com a tradição. E bota tradição nisso... Portanto, se, para quem sabe cozinhar, não há muita dificuldade em fazer, por exemplo, um “coc au vin” no Brasil, é quase impossível fazer um “pollo en mole” numa cozinha tupiniquim, mesmo que você tenha um cheff mexicano pilotando o fogão.
Pra começar, o mole, que é uma “salsa” ou molho de consistência firme como a do molho pardo, pode ter até sete cores diferentes, de acordo com o “chile” ou a pimenta correspontente, ou ainda por conta de ervas e outros ingredientes como o chocolate, que para mim faz o melhor dos moles, o vermelho. E são tantas as especiarias contidas nas receitas, algumas tão específicas e típicas que sequer aceitam tradução. Como é quase tudo fresco, ou você as encontra na feira, ou no mercado da esquina, ou então... esqueça, segure a água na boca até aparecer a oportunidade para visitar este país.
Se eu pudesse, levava comigo na volta para o Brasil uma torta mexicana. Pois não há sanduiche mais apropriado para uma viagem de tantas horas de avião, que alimente e dê tanto prazer. O pão para o acepipe tem origem andaluz, era de segunda, feito de trigo e dado aos trabalhadores. No méxico, as “teleras” , como são chamadas aqui , são feitas de farinha branca. Elas têm o tamanho da circunferência de uma mão e altura de quatro a cinco centímetros, são abertas horizontalmente para que, retirado o miolo, recebam camadas e camadas de recheios, os mais variados. A minha preferida é a tradicional, na qual se passa, num dos lados do pão, uma pasta de feijão amassado e frito coberta de tiras de dois tipos de pequenas pimentas em molho de escabeche. Depois vem uma camada de creme ácido como o nosso creme de leite, só que mais consistente e muitíssimo mais saboroso. Sobre isso vão várias camadas de presunto, frango, carne de porco e toucinho frito, uma camada de fatias de tomate e uma fatia grossa de qualquer queijo, ao gosto do freguês. O outro lado do pão é coberto com uma camada espessa de abacate amassado, temperado com sal a gosto. Junta’se então as duas partes do pão e come’se a torta com a mão, e uma profusão de guardanapos.
No dia seguinte, já de manhã, sentiria saudade das galletas, guloseima obrigatória no desjejum mexicano. Um misto de bolo e biscoito, são mais durinhas que o financier francês e mais crocantes que a cavaquinha portuguesa, são redondas, com aproximadamente 6 cm de diâmetro e meio centímetro de espessura. Como os biscoitos são assadas no forno e feitas de massa de farinha de trigo fermentada no levedo e muita manteiga também. Podem trazer salpicadas na massa pedacinhos de nozes, passas ou chocolate.
Experimente mergulhar uma galleta até a metade numa xícara de café bem quente, depois leve’a á boca e sinta a massa amanteigada se desmanchando na língua... Hummmmm! É a minha receita predileta para o dia nascer feliz.

A mulher e a Dança no Mexico

A forte identidade cultural mexicana não me surpreendeu, uma vez que, como quase todo o mundo, aprendi na escola o grau de desenvolvimento das civilizações pré´hispanicas e o quanto a herança do desenvolvimento social de Mayas e Astecas contribuiu para a formação desta identidade. Obviamente têm importância fundamental em tal fromação a cultura do colonizador espanhol, assim como a dos resistentes indígenas mexicanos. Há, inclusive, uma pitada da indole francesa, com a vinda do imperador Maximiliano e seu exercito de trinta mil homens, em meados século XIX. Naturalmente que esse processo é vivo, dinämico e reflete ainda as consequéncias do intercambio cultural, social, politico e economico mais recente entre paises da america latina, principlamente na segunda metade do seculo passado.

Toda essa gama de crenças, costumes e tradições, impostas ou não pelo elemento dominador de turno, tomadas ou cambiadas entre as nações vizinhas revela’se, de uma forma ou de outra, nas diferentes manifestações culturais e artisticas das quais a capital mexicana é prodiga.

Das expressões mais populares, a dança está em toda parte por aqui. Nos festejos da Independencia havia palcos com orquestra e cantores montados onde hovesse comemoração, oficial ou não. Numa tarde de sãbado, vi aulas de dança de salão ao ar livre. Eram vãrias classes espalhadas por entre as ãrvores e jardins de uma praça. Ao som de aparelhos do tipo mini’sistem portateis, professores e alunos ensaiavam coreografias bem elaboradas. Em formação, disciplinados senhores alunos esperavam a sua vez de dar a mão as mestras bailarinas. Eram vãrios grupos como esse espalhados pela praça, os sons se embricando ao ouvido do visitante flanador.

Fui a outros lugares de dança. Todos com musica ao vivo executada por ótimas bandas e orquestras, muitas de origem cubana: o que vem acrescentar ainda mais sabor e suingue ao programa. Alguns desses lugares são mais sofisticados, talvez com diferenças sutis dentro de um perfil cosmopolita. Nos mais autênticos e nos mais populares, pude perceber um traço comum no comportamento de homens e mulheres que me fez pensar ... aqui, cabe ao homem entreter a mulher. É dele o espetáculo. Sempre consiente no seu posto de conquista, ele se esmera nos passos, evolui faceiro sua coreografia, percebe o olhar de seus pares e estufa com satisfação o peito. Enquanto isso, a dama o acompanha na mais discreta performance. Náo chega a ser sisuda, mas apenas sorri levemente, aprovando, quando o espetaculo dele é excepcional. E o homem, por mais gabola que seja, estã sempre consciente da corte. Ela de ser cortejada. Confesso a vocês que, com excessão das porta’bandeiras, nunca vi mulheres com postura mais digna num salão, quase indiferentes.

A Festa em Coyoacan

A gente não parava de chegar pelos quatro cantos de Coyoacan. Muitos jovens, muita criança pequena com pais e avos ao lado, muitos casais de namorados... todos indo em direção a praça do bairro mais brejeiro da cidade para festejar o dia da independencia e dar o Grito da Liberdade. E todos, de todas as idades, de alguma forma, traziam no corpo as cores da bandeira. Fosse na roupa, no adereço ou na cara pintada, nas mascaras ou nos chapeus, o verde-branco e vermelho estava sempre aa mostra, evidente e leve, sem arrogancia, sem exagero, mas com muito bom humor. Como de resto estavam todos naquela noite, cantando distraidos os boleros que a orquestra levava com grandiloquencia no alto do coreto armado especialmente para a ocasião.
Ao redor da praça, e nas ruas de acesso ao local, perfilava’se uma autentica quermesse, com barracas de tiro ao alvo e desafios similares, os premios os mais variados pendendo do teto, inclusive os enormes sombreiros tricolores. Havia tambem um sem numero de barracas de comida, e doces de todos os tipos formavam piramides multicoloridas nos tabuleiros salpicados por entre as outras atrações.
De todas as coisas da festa, não sei dizer o que havia de mais atraente, se as cores, os aromas os sabores... so sei que tudo isso junto me inebriou ao ponto de me fazer, aos berros, dar vivas ao Mexico, aa sua independencia, aa liberdade da nação e vivas mais eu daria, ate mesmo ao diabo se o danado ali fosse invocado. E nesse transe juvenil regressivo, trepada numa mureta, estiquei o corpo o mais que pude, ate quase cair, para ver melhor os fogos de artiificio que começavam a estourar por tras da torre da igreja.

Batalha do Barulho

No dia do grito, sabado a noite, evitamos a praça da constituiçao, onde fica o Palãcio Nacional, a catedral e outros impotantes predios publicos, por conta de uma disputa politica que quase levou o local a ser palco de uma batalha campal. Acontece que ali montavam guarda, ha dias, os seguidores de Lopez Obrador, candidato derrotado nas eleiçõs do ano passado aa presidencia da republica. Tentaval impedir que o presidente Felipe Calderon cumprisse o ritual da celebração, dando ele mesmo o Grito de Independencia, ãs 23 horas, como reza o costume nacional.
Do lado de Calderon, que ganhou a eleições no tapetão, segundo leio nos jornais, estavam as forças da repressão, com fileiras de soldados vestidos de civis misturados aa multidão. Mas não foi isso que mais nos assustou porque, no fundo no fundo, acho que ninguem apostava no confronto generalizado. A verdadeira razão de buscarmos uma comemoração alternativa foi a batalha do som. Eh que para a festa do Grito, o governo madou vir um equipamento de som considerado o mais potente da America Latina. Do outro lado, a turma do ˜voto a voto˜, que acusa de ilegitimo o governo atual, levantou altos recursos e espalhou pela praça equipamentos que em conjunto superavam em muitos decibeis a parafernalia oficial. Dizem que o barulho era tanto que na noite anterior, quando os dois lados testavam o audio de suas respectivas artilharias, ninguem podia conversar num raio de cem metros de distancia do local.
Fomos, então, felizes da vida para Coyoacan, bairro tradicional com jeito de Santa Teresa e onde morou Frida Kallo, assistir a comemoração de independencia mais bacana que jã vi. Depois eu conto mais...

O Grito de Dolores

os mexicanos também tem seu grito de independencia, o Grito de Dolores, que como o nosso do Ipiranga faz referencia ao lugar onde ocorreu o ato. onde foi tomada a decisao de náo se submeter jamais aos designinos do colonizador. um símbolo nacional de soberania e autodeterminacáo que aqui tem identidade popular. Diferentemente do brado retumbante do portuguës, filho do rei --- äs margens de um rio palulista que ninguém sabe onde fica, e que teve como testemunha uma dúzia de soldados e seu tutor político e marqueteiro mor José bonifácio –––, o Grito de Dolores saiu da boca do povo e por ele foi ouvido. Mobilizado, é claro, por membros da elite religiosa e política da colonia, mas engajado de corpo e alma na luta pela liberdade, o mexicano fez sua independencia, e isso faz a diferenca.

Mexico Urgente

cheguei a cidade do mexico ontem de madrugada, depois de quinze horas de viagem, contando rio-são paulo e sp-mexico. ontem mesmo, a noite, levaram-me para ver o movimento no centro, onde serão realizados os festejos do dia da independencia. muita gente, a maioria familia com pais, filhos e avõs, acorria ao local das comemorações para ver a decoracção dos predios publicos, espetáculos musicais e de fogos de artificio e, principlamente, a mim pareceu, para dar expressao a um forte sentimento de patriotismo. nao impota tanto se sabem ou náo a história da independëncia e o papel de cada um dos heróis retratados em formas gigantes desenhadas por milhares de lampadas suspensas em fios presos nos vaos entre os predios em torno da praca do palácio do governo federal. mais interessante é que tenham gana em comemorar uma data que representa a conquista de sua soberania. ...

InfraErro

Aceitei um convite muito especial para assistir à festa da Independência do México. É no dia 16 de setembro, e para chegar com um mínimo de antecedência tenho que embarcar dois dias antes. Quando estava tudo certo para a partida, dei-me conta de que meu passaporte havia vencido há um mês. Tanto faz um mês ou um ano, é claro, mas nossa tendência é ser indulgente com a imprevidência de curto prazo. Então, sem muita culpa, arregacei as mangas e tratei de providenciar o documento. Com dois telefonemas descobri uma coisa boa outra ruim. Primeiro a má notícia; emissão de passaporte agora só no Galeão ou Barra da Tijuca. Como a Barra, para mim, é outra cidade, preferi ser torturada na ilha do governador. A boa nova é que todas as informações e o formulário de requerimento estão no site da Polícia Federal: http://www.dpf.gov.br/. Outra boa dica é o site da justiça eleitoral http://www.tre-rj.gov.br/. Isso porque um dos documentos necessários para renovar o passaporte é o comprovante de voto nas duas últimas eleições. Então, basta digitar nome completo e nº do título de eleitor que a declaração aparece na tela, como num passe de mágica, e já autenticada para impressão. "Show!, agora é arranjar uma boa companhia para a via crucis", pensei. Veio na hora a lembrança do melhor amigo, Noílton Nunes. Apelei para o "em caso contrário eu jamais recusaria seu pedido!". Chantagem é coisa feia, mas quase sempre funciona.
E lá fomos nós para o aeroporto internacional que continua a ser chamado de Galeão, a despeito da mudança de nome – sim, porque o saudoso Tom Jobim deu certo em tudo na vida, mas na morte, não emplacou uma. O caso da Vieira Souto foi uma desfeita e o do aeroporto é uma piada. Vinícius teve mais sorte com as homenagens, mas essa é outra história.
Continuando, o galeão é longe demais e grande demais para ser repartição pública. Anda-se muito lá dentro, e nós andamos um bocado. Primeiro foi a taxa para pagar ( tem sempre uma facadinha do governo) no banco do Brasil que fica na ponta direita do Terminal I. Dali fomos para a polícia federal que fica do lado oposto, ponta esquerda do mesmo terminal. Uma vez lá, foi a senha, a espera, a briga do fura-fila, criança chorando, perua aos gritos no celular e o etc que você imaginar... Uma hora depois, chegou a minha vez. Confiante, tirei os documentos do envelope, mostrei meu passaporte antigo e olhei orgulhosa para o agente federal. Ele examinou a papelada, me olhou friamente e me disse que a foto não prestava. Argumentei que foto de máquina é assim mesmo e que, além do mais, mulher está sempre mudando de visula, e coisa e tal... Sério, o agente Sérgio apontou a data na foto. “ Pois é, foi do carnaval deste ano, fotografia 5 por 7 recente, como indica o site da polícia federal", comentei simpática. Impassível, o agente Sérgio me disse que a norma era de no máximo seis meses, e ponto final.
Lá fomos nós atrás de uma foto na hora, para não perder a viagem. Ninguém sabia informar onde. Na própria PF disseram que tinha uma máquina no Terminal 2, quase dois quilômetros a pé por dentro do aeroporto. Fomos para o Terminal 2 e lá, no balcão de informações da Infraero, um sujeito mal encarado, com tatuagens escorrendo pelos braços em mangas de camisa, recostado debochadamente na cadeira giratória, disse-nos que fotografia só em Cocotá, um bairro da Ilha do Governador. Resultado: foi a foto mais cara da minha vida; trinta e sete reais de táxi e mais nove do instantâneo.
De volta à PF, com tudo em cima, e sem nenhuma paciência, passei a frente do próximo e entrei no reservado do agente Sérgio. Por um triz não comecei a história do zero, ele já estava em pé para ir embora, mas me atendeu. Passou de novo o olho nos papéis e me entregou o protocolo: dentro de 30 dias teria o meu novo passaporte. Nervosa, cansada, quase desmontada implorei dizendo que minha viagem era dali a quinze dias e que ainda precisava de um visto para o México. Ele foi implacável; acho que sendo hora do almoço, a fome falou mais alto... Arrasados e mortos de fome também, Noílton e eu fomos almoçar a caríssima e horrível comida do aeroporto.
O resto da história é parte da velha história que começou com Pedro Álvares Cabral: sem falso pudor, apelei para o jeitinho brasileiro. Vou para o México na próxima quinta-feira.

Cariocas X Paulistas

Não sei se foi contra ou a favor dos paulistas o comentário que ouvi ontem depois de assistir à peça Um dia, no verão, do norueguês Jon Fosse. No grupo informal, reunido no foyer do teatro Nelson Rodrigues para cumprimentar os atores, correu a opinião de que a peça, que não vai bem no Rio, terá sucesso garantido em São Paulo. E por quê? Tirem suas conclusãoes. Para mim trata-se de um bom texto a serviço de efeitos especiais duvidosos.
Para começar a trilha sonora, que deveria ter a função de sublinhar a ação e contribuir para maior percepção da subjetividade em cena, apenas distrai o espectador, roubando atenção do texto, que tem o seu maior trunfo justamente na musicalidade. Jon fosse escreve com poucas palavras e muitas repetições, “variações e silêncios” com diz o programa da peça. Ora, a música de lounge, escolhida pela diretora (que também assina a trilha sonora) tem caráter aleatório característico desse estilo, feito para “distrair”.

É também equivocada é a profusão de efeitos especiais tais como chuva, ventania, tempestade, relâmpagos e trovões. A ação se passa em dois tempos cronológicos e o tempo climático permeia a ação, deveria estar a seu serviço, não fora e competindo com ela como nesta montagem de Monique Gardenberg .

No presente, a mulher madura está presa às lembranças do dia em que, no passado, seu marido foi para o mar no pequeno barco de madeira e nunca mais voltou. A reconstrução da memória tem nas alterações da natureza, a chuva fina que no passar das horas se transforma em tempestade, a metáfora contundente do estado de espírito da mulher jovem que vive a angústia da espera.

Simples, sutil e delicada, a escrita dramática de fosse exige um alto grau de parceria do ator, chamado a usar a emoção mais para construir a ação do que para interpretá-la.
Renata Sorrah, como a mulher madura, interpreta acima de tudo. Silvia Buarque se esforça, se esforça e fica no mesmo lugar, no meio do caminho. Tem atuação insossa e por isso acaba atropelada em cena. Bia Junqueira dá à personagem da amiga a energia necessária para dinamizar a ação. Fernando Eiras tende desnecessariamente ao caricato. Dadá Maia não diz a que veio. Só Gabriel Braga Nunes demonstra, pela sua atuação precisa e minimalista, que leu e entendeu o texto em toda a sua subjetividade.

Agora, porque os paulistas, ao contrário dos cariocas, acolheriam melhor um espetáculo pretensioso como Um dia, no verão, eu não saberia dizer. Mas uma coisa é certa: quem viver, verá.

Amiga das Amigas

Posse de secretário de estado é sempre um porre. A não ser que seja de um parente e o sujeito aproveite a oportunidade para tomar-lhe um tostãozinho da honraria. Aí, pode fazer calor de até 40 graus que o cara vai com prazer, todo enfatiotado, receber parabéns por tabela. Ou então é posse de pessoa querida, daquelas que não deixam poder algum mudar-lhes o caráter afetuoso, não são de se deslumbrar, e nem se levam demais a sério. Esse é o caso da nova secretária estadual de cultura e por isso sua posse ontem, nos jardins do Palácio Guanabara, foi um programa bem legal.

O cenário era deslumbrante. Na frente do pátio, onde os convidados se juntaram para assistir à solenidade, há uma fonte com chafariz de querubins. Amplas alamedas arborizadas ladeiam os jardins dispostos entre as colunas de palmeiras imperiais que levam à uma pequena floresta tropical ao fundo. E o dia estava fresco, e o sol saía tímido. Teve ainda boa música, com o coro e instrumentistas do Teatro Municipal executando o Hino Nacional, a Bachiana nº 5, de Villa-Lobos, e o tema do filme Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore.

Adriana fez um discurso singelo, contou das muitas mensagens pessimistas que recebeu: “isso é uma loucura!”, “você não vai entrar nessa roubada!”, “secretaria de Cultura não tem dinheiro pra nada!” Contou que a todas respondia intimamente com a pergunta: “Por que não?” Foi em frente, declarou seu amor pelo Rio de janeiro e pela gente daqui, prometeu prioridade para o agonizante Teatro Municipal e disse que sonha instalar núcleos de cultura em todas as escolas da rede estadual de ensino. Terminou recitando a poesia marginal de Chacal e Cacaso. Seu tom descontraído foi seguido por Sérgio Cabral que prometeu em seu discurso “apoiar a cultura como nunca”. Aleluia, governador!

Na minha vez, na fila dos cumprimentos, recebi o habitual sorriso largo, o beijo e o abraço de Adriana, e logo nos veio a lembrança de Elenora, amiga de há muito dela, amiga de há pouco minha. Mas, amiga das amigas, não estaria a nossa querida Lelê de todo ausente nesta data. Atrevida como ela só, pediria licença à São Pedro e desceria do céu para vir estar conosco. Ela que em vida foi grande festeira, em espírito é que não iria perder ocasião como esta.

O Rio de Verdade no Cinema

Sábado passado encontrei Cristina Prochaska, no centro da cidade, no comando da produção executiva do novo filme de Bruno Barreto "174". Dona de um dos rostos mais bonitos do Brasil e de um corpo bem proporcionado que se movimenta com porte altivo de princesa croata, Cristina ficou mais conhecida por ter tido o nome envolvido numa anedota televisiva. O episódio, que todo mundo já conhece, é mesmo engraçado, ela leva na esportiva, mas há aí uma injustiça com o seu talento. Coisa que pode ser corrigida agora com a nova oportunidade de fazer um papel neste mesmo filme. Foi o próprio diretor quem me contou sobre a participação especialíssima que reservou para sua produtora doublé de atriz.

Esse papo aconteceu no set de filmagens, entre uma e outra tomada, no meio de gente muito jovem que compõe o staff de Bruno. A começar das duas assistentes de direção e da fotógrafa de still, parece uma turma saída do colegial. Isso resulta num clima alto-astral e o diretor parece extremamente contente com o andar da carruagem. Disse–me ainda, Bruno, que o elenco (na maioria, amadores moradores de comunidades carentes) estava revelando talento excepcional com a preparação de atores ministrada por Ricardo e Rogério Blat.

Quando decidi voltar às minhas obrigações de estudante, a bela Cristina me convidou para assistir às filmagens das cenas do massacre na Candelária, importantes no filme porque o sequestrador do ônibus 174 fora sobrevivente da chacina nos arredores daquela igreja. Aceitei de pronto. Trata-se de um episódio dramático da história do Rio de Janeiro e degradante para a imagem, há muito corroída, de cidade maravilhosa que insistimos em manter. É, na verdade, uma seqüência tão importante que deveria ser requerido no set o uso de tarja preta para todos, em memória das sete crianças ali executadas, em julho de 1993. Aliás, todo carioca que se preza deveria reverenciar memória tão dolorosa.

Digo isso porque penso que já é hora dos moradores desta cidade começarem a desvalorizar a tão propagada, e na mesma medida perniciosa, irreverência carioca que vem se transformando em criminosa indiferença. Já toquei nesse assunto aqui, em publicações anteriores, e repito: a flagrante indiferença de quem vive em situação privilegiada para com os que vivem em situação de risco acaba por garantir a manutenção dessa polícia corrupta e violenta, que perpetrou barbaridades como essa da Candelária, a de Vigário Geral e outras tão terríveis quanto, e agora estende seu braço paramilitar sobre 98 favelas, acossando cruelmente essas populações.

A insensibilidade moral é mais evidente nos bairros mais ricos da cidade, como o Leblon. Com o agravante de serem esses lugares divulgados, enganosamente, como exemplos do estilo de vida tipicamente carioca. E assim é exportado como padrão de bacanice o que não passa de canalhice. É ilustrativo o comentário da atriz Camilla Amado, hoje no Jornal do Brasil. Ela conta que na primeira temporada da peça O Homem Vivo, em Copacabana, 60 pessoas voltaram para casa sem ingresso numa única sessão. Já no Leblon, ela chegou a apresentar a montagem da reunião de textos de Bertold Brecht para apenas dois pagantes. É a própria Camila quem conta:
- No Leblon, pusemos uma foto bem grande dos dois trabalhadores escravizados. O pessoal passava e dizia: “Pobre eu já vejo na rua. Vou ao teatro ver pobre?”

A Volta, rescaldos 1

Ontem esqueci de contar que dentro da valise-vuiton-roubada tinha um espelho com três diferentes graus de aumento que comprei em Nova Yorque, e que foi tão caro que quando saí da joja entrei no primeiro bar e tomei um cowboy, de tão nervosa que fiquei.

Ainda bem que o sinistro foi na volta de Gramado. Pior se fosse na ida, e me deixasse desprevenida lá. Já imaginou uma mulher cumprir toda a programação de um festival de cinema, ter que aparecer em público quase doze horas por dia, almoçando e jantando com atores, produtores, diretores, músicos, críticos e etc, sem a sua maquiagem, o seu perfume, suas escovas, pentes, produtos e secador de cabelos? Até a mais despojada sentiria um baque enorme, porque todos esses ítens são persolalizados e depois de adquiridos, dão-nos a sensação de não poder viver sem eles. Não tente o homem entender, é coisa de mulher.

Gramado, a Volta

Bom de mais pra ser verdade, alegria de pobre dura pouco..., clichês assim passam pela cabeça da gente quando alguma coisa dá errada. Ainda mais quando o contraste entre tempo bom e tempo ruim é dramático, vem de súbito. É o contratempo. E é justamente contratempo porque por ele não se espera. Se nos fosse possível prevenir, se atentássemos para as possibilidades de alguma coisa dar errado quando existem as devidas condições, Murfy não seria citado a cada cinco segundos em alguma parte do planeta por ter inventado a lei mais nojenta do mundo. Ontem foi a minha vez.
Desde o primeiro dia em Gramado, deu pra perceber que o ponto fraco da organização do festival era o transporte. Lembram do assunto no blog anterior? Não sou pessoa de insistir no erro, muito menos de reclamar quando convidada. Portanto, para cumprir a agenda apertada dos jurados, sem me aborrecer, apelei para o taxi. A partir daí, foi tudo muito bom, tudo muito bem... até o dia da volta, quando me dei conta das quase três horas de estrada que separam Gramado de Porto Alegre. Caí na real, e me prontifiquei a esperar o transporte oficial do festival no saguão do hotel, às duas horas em ponto, de mala e cuia. Só que na hora marcada fui avisada que deveria estar pronta, de mala e cuia, do outro lado da cidade, no centro de eventos do festival.
Agora, com mais distanciamento crítico, penso que tudo aconteceu por conta da confusão que fazem com a física. Na forma tradicional, dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Na modalidade quântica, muito em moda ultimamente, o mesmo corpo pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Para encurtar a história, eu e outros companheiros de juri fomos de van até o novo-lugar-combinado. Chegando lá, acompanhamos o embarque das malas no ônibus que nos levaria ao aeroporto. Mas, quando entramos no ônibus, não tinha lugar para todos. Fomos, então, levados para outro ônibus que acabou passando por todos os hotéis, recolhendo outros convidados, como não fora combinado antes. Resultado: quando chegamos a Porto Alegre nossas malas haviam sido jogadas na calçada e ficaram ali expostas por um tempão, sem nenhum tipo de controle ou segurança. Foi nessa que eu dancei. Levaram minha sacola luis vuiton de estimação, comigo há mais de vinte anos, curtida, gostosa, molinha e, quer saber mais?, com todos os meus apetrechos de beleza dentro. Para você ter uma idéia do prejuizo, hoje em dia, a cada banho, a mulher minimamente vaidosa gasta mais de vinte e cinco reais em cremes. Há um produto especial obrigatório para os pés, um muito especial pros joelhos, outro mais extraordinário para o corpo, um exclusivíssimo para o colo, e aquele para o pescoço que de tão caro deve ter sido feito com diamante moído.
Agora, faça as contas, caro leitor. Eu fiz, e aí me lembrei da Angélica, aquela que vai de taxi, aquela que sabe das coisas!

De Noites e Pijamas ...

Desculpem-me caros leitores. Sei que prometi escrever ontem sobre a noite em Gramado mas o dia dos jurados foi de agenda repleta de obrigações. Juntaram votação da competição de curtas com debates, palestras e exibição de filmes da mostra oficial e o tempo era curto para cumpri-la. Ainda por cima tivemos um imprevisto. É que o carro programado para ir ao hotel nos buscar chegou atrasadíssimo por conta de um fato extravagante. O motorista pediu desculpas pela demora e ele mesmo tomou a iniciativa de justificar a falta comentando que "todos os convidados do Festival pensam que são vips, e isso é que dá problema". Imaginem que uma comediante do Zorra Total segurou a viatura oficial do evento por mais de uma hora procurando um pijama pra comprar. Seria até rápida a compra, pois há muitas lojas no centro preparadas para atender a demandas desse tipo. Só que a artista em questão pesa quase uns cem quilos, e o resto você pode imaginar ...

Mas assunto mais bacana é a noite em Gramado. São quatro ou cinco lugares bons pra dançar, com amplo espaço, boa música, serviço eficiente e apinhados, atenção!, eu disse apinhados de garotas bonitas, todas vestidas pra balada; jeans bem apertado, cós baixo, salpicados de brilhos e botas altas pra fora da calça. Sexy até não poder mais. As blusas são sempre decotadas, apesar do frio intenso que tem feito, e os cabelos muito lisos e compridos. Tem mais loiras que morenas e parecem todas ter menos de trinta anos. Os rapazes também são bacanas. São altos, fortes, bem vestidos e têm cara de cheirosos. Não vi, até agora, nenhuma baixaria nesses lugares. Todo mundo se comporta no salão. Aliás, pelo menos até as duas da manhã é mais azaração do que pegação. Depois não sei. Só sei que ali os globais passam batidos... Quem liga pra artista de novela quando há mais de vinte sosias da Gisele Bünchen no salão?

Isso nas boates porque na Rua Coberta a coisa é diferente. Ela fica em frente ao Palácio dos Festivais que, na verdade é um cinemão, com entrada imponente e desenho de estrela em mármore no chão. Da frente do Palácio sai o tapete vermelho que corre toda a Rua Coberta por estrutura de ferro com vidro . Trepadeiras enfeitam as laterais, cercadas por gradeado de um metro e meio de altura. De cada lado da passarela central, são dispostas mesas nas calçadas em frente aos cafés, bares e restaurantes. As mesas de pista são reservadas com antecedência para as famílias e grupos de turistas que vão em peso prestigiar o "gargarejo" do Festival. A primeira sessão começa às 19 horas. Fui com um colega de juri tomar um café num desses bares mais ou menos nesse horário. A espectativa era grande, todos bebendo e comendo com os olhos pregados no tapete vermelho. Pouco antes das nove horas, voltei ao mesmo lugar para ver a quantas andava o movimento. Ainda havia muita gente nos bares, mas nem todos estavam interessados no desfile de celebridades. Agora a maioria das pessoas se divertia conversando entre si. Começara a festa de verdade. Vi um grupo de senhoras idosas numa mesa redonda com um balde de champanhe no centro. Uma das vovós, em pé, servia as taças levantadas nas mãos das amigas com adolescente animação. Elas riam alto e exibiam uma alegria tão contagiante que se não fosse pelo compromisso assumido, talvez eu não voltasse para a próxima sessão.

E a Festas Continua

E a festa continua... Começou a mostra de curtas-metragens e começou bem. Em destaque uma adaptação literal de Dalton Trevisan. A Balada do Vampiro conta as andanças de Nelsinho (personagem título) pelas ruas de Curitiba. O rapaz é um ser torturado pelo desejo sexual em meio a um turbilhão de tentações personificadas nas delícias femininas: um decote, um molejo no andar, bocas, seios, bundas e pernas, muitas pernas a desfilar a sedução distrída das moças que não dão sossego ao espírito do protagonista. Muito bom. Destaque ainda para a ótima direção de arte do filme.

A surpresa da mostra competitiva foi a produção multinacional de Paul Leduc, O Cobrador, concorrente de melhor filme estrangeiro de língua latina. O diretor ( Frida) se baseou em quatro contos de Rubem Fonseca para fazer um filme sobre poder e a vilolência da sociedade capitalista. Não tem narrativa linear, ao contrário, ele usa as situações mostradas como operadores de significado. Não precisa falar muito, não é necessário muita explicação. As cenas do filme são construidas, e bem construidas, para contar uma história e a história faz sentido. Para completar, tem música de Tom Zé. Precisa dizer mais?

Hoje eu fico por aqui. Amanhã conto mais sobre filmes, a cidade, festas e eventos paralelos. Até lá.

Primeiros Filmes

Os dois primeiros filmes a concorrer no Festival de Gramado foram o documentário Castelar e Nelson Dantas no Pais dos Generais e a ficção Uma Valsa para Bruno Stein. O primeiro, uma boa montagem dos filmes da turma de cineastas que, em Minas Geras, enfrentou a ditadura militar driblando a censura com temas eróticos que de alguma forma passavam mensagens contra o autoritarismo do regime . São dessa safra Cabaré Mineiro, Luar do Sertão e Criolo Doido, entre outros. A maior virtude do filme é despertar a vontade de assistir às produções que desfilam na tela em seqüências deliciosas. O pecado é a narrativa hermética de quem fala para seus pares. O diretor Carlos Prates é o próprio Castelar, um cineasta do período em questão. Nelson Dantas é homenageado no título pela sua inestimável participação em grande parte da cinematografia brasileira do período.
Valsa, por sua vez, é produção aqui do Rio Grande. Um filme de orçamento alto, com bela fotografia e Walmor Chagas encabeçando um elenco de mediano a fraco-fraquíssimo. É baseado num conto sobre um alemão que veio para o Brasil ainda criança e guarda no coração a dureza do pós-guerra. Ele mora com a família em uma bela casa, ao lado da olaria de onde tira o sustento e do ateliê onde comete esculturas de barro. O filho é caminhoneiro e deixa a nora sozinha por longos períodos o que, associado à solidão da velhice de Bruno Stein, faz com que sogro e nora se enamorem. Estão aí fortes elementos dramáticos para um bom desenvolvimento de trama. Não é o que acontece neste caso. Uma pena porque Walmor Chagas está em ótma forma e merecia uma oportunidade melhor para mostrar seu talento em estado de maturidade.

Gramado 1

O Rio amanheceu nublado, bom para a roupa quentinha de viagem até Porto Alegre. No aeroporto foi tudo tranquilo, nem parecia tempos de apagão. O vôo saiu em ponto e três horas depois estavamos na capital gaúcha. Daí, mais duas horas subindo a serra de ônibus. Vale a pena a viagem. Gramado é mesmo tudo o que se espera dela: clima frio, céu azul austral, mais profundo a medida que avança o dia, arquitetura romântica, com casas de madeira e guirlanda nas sacadas.
Mas o tempo foi corrido, foi chegar, deixar as malas no hotel, passar na secretaria do festival para o credenciamento e ir direto para o Palácio doFestival assistir aa abertura do evento e dois filmes de longa metragem, um documentário e um de ficção. Depois dessa maratona, enfim uma refeição completa. O restaurante escolhido tem o nome sugestivo de Tarantino, o mesmo do cineasta que ensinou Hollywood a fazer filme de violência. Porem do homônimo somente o sotaque italiano e a clareza de própositos. Serviram-nos um risoto corret[issimo e um honesto vinho nacional. No mais foi muita gente bonita nas mesas, muita conversa de cinema, cansaço e alegria geral... Pensa que acabou? Festival é festa, e festa toda noite. A primeira foi no Hotel Serrano, um coquetel de boas vindas para os convidados a partir das onze da noite até, claro, o último fôlego da manhã.

Convite para Gramado

Queridos amigos, vou para Gramado participar do festival de cinema que já existe há 35 anos na bela serra gaúcha. Fui convidada para o evento por conta do artigo que escrevi sobre o documentário Operação Condor, de Roberto Mader, que está na mostra competitiva. Essa crítica foi escolhida para ser publicada no catálogo do festival e ensejou o convite para eu integrar o júri que vai premiar montagem, música, cenografia e direção de arte. Bacana, né? Embarco no próximo domingo e pretendo manter esse blog atualizado com informações sobre a mostra, jurados, convidados, diretores de longas e curtas-metragens, estrelas, agregados, bicões, festas, premiações e tudo o mais que achar interessante passar para vocês. Abraços, e até segunda.

De Bergman e Antonioni

Durante muito tempo guardei meio adormecida a vontade de assistir a Blow-up, de Antonioni. Vez por outra surgia uma oportunidade em reprises e mostras especiais e eu acabava perdendo. Primeiro porque era tempo de criar os filhos – e aí não sobrava tempo pra programação especial. Depois veio a necessidade de afirmação profissional e eu embarquei no turno da noite que, na verdade, começa todo dia às quatro da tarde sem muita hora para acabar. Aí, só dava pra pegar um cineminha de fim-de-semana, aquele que tem de ser eleito por consenso e, por isso mesmo, acaba sendo escolhido um cartaz de estréia, um lançamento. Então, a sede por novidades fazia passar na frente dos clássicos filmes absolutamente medíocres, para não se ficar para trás nas conversas de salão.
Um dia, livre das imposições de ordem prática e subjetiva, resolvi fazer o que me dava na telha e entrei para a Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Logo apareceu a oportunidade pra ver Blow-up. Ah, que delícia! O filme é baseado em As babas do diabo, um conto de Júlio Cortazar que narra a angustia de um fotógrafo envolvido com a possibilidade de interferir na realidade que retrata. Antonioni usa o texto existencialista de Cortazar como base para o seu cinema moderno, adiciona elementos do pop, e realiza um dos filmes mais charmosos de todos os tempos. Não vou entrar na viagem de falar dos “longos planos-seqüência” e coisas do gênero porque não é esse o ponto que interessa aqui. A intenção é prestar uma homenagem a um mestre do cinema mundial, morto esta semana, no mesmo dia em que morreu Ingmar Bergman, outro gênio da sétima ate. Não posso dizer que gosto mais de um que de outro, no entanto, conheço bem mais a cinematografia do mestre sueco. Mas Bergman fez mais filmes que Antonioni, tinha maior reconhecimento do público, e mesmo quem não curtia seus filmes ia vê-los para não “ficar por fora”. Além do mais, grande parte de sua obra é dos anos 70 e 80, a tal época em que eu não perdia novidades no cinema. Como se vê, nem sempre as novidades levam a gente para trás, pois existe a exceção para confirmar a regra.

Questão de Compostura

No tempo da minha mãe, havia alguma coisa de indecente em uma mulher ir sozinha ao cinema. A razão principal era porque uma mulher desacompanhada, por mais de duas horas, numa sala escura, fatalmente sofreria assédio sexual. Então, na lógica daquele tempo, as mulheres direitas não iriam desacompanhadas ao cinema para não ser alvo de tarados, e as que contrariavam a norma o faziam porque certamente o seriam. Portanto, bastava ficar em casa esperando pelo marido para a mulher se proteger do assédio ou da maledicência.

Mas, no tempo da minha mãe, a vida era outra, a família nuclear era a âncora da sociedade e o papel da mulher era muito bem definido: ou ela andava com seu homem ou andava a procura de homem. E o sexo era para garantir a geração de filhos e não para lhe proporcionar prazer. Hoje, graças à pílula e ao movimento feminista, a mulher tem livre trânsito e pode sair em busca do seu prazer sem ser estigmatizada. Aí, se algum tarado tentar o assédio, ela chama a polícia e manda prender o meliante.

Minha mãe é uma mulher inteligente, atualizada, que acompanha e aplaude os movimentos de emancipação feminina. No entanto, sentiu-se violentamente molestada com o “relaxa e goza” de Marta Suplicy. Foi ela que levantou a questão num almoço de família, no domingo passado. E destacou o quanto estamos, homens e mulheres, desamparados atualmente, “... pois quem vai chamar o guarda para autuar em flagrante a ministra do governo Lula?”

É isso aí, o mundo melhorou para a mulher, mas o Brasil piorou para ambos os sexos. Somos todos brutalizados pelos que ocupam o poder, paguemos ou não altos impostos. É só ver o dinheirão que foi gasto para realizar um PAN, na cara de um povo carente de tudo, que nem ao espetáculo pode assistir. E, diferentemente do tempo da minha mãe, que não saia sozinha para não correr risco físico ou moral, você hoje é agredido no aconchego do lar quando recebe, logo pela manhã, o jornal com os gestos pornográficos de um assessor do presidente Lula estampados na primeira página.

Tom Zé

Grande figura o Tom Zé! Eu meio que sabia, por causa das matérias que lia sobre ele. Mesmo nunca tendo visto um show ou apresentação de Tom Zé, mantenho uma certa simpatia por ele, até mesmo pelo tipo de artista que ele representa ser. Desses que, não importa o mau tempo, mantêm-se autênticos a cada expressão, artística e pessoal. Por isso, na primeira oportunidade, fui conhecer um pouco mais sobre ele no filme Fabricando Tom Zé, de Décio Mato Jr..
Se eu meio que sabia, agora sei mais, porém não o bastante. O filme acompanha a turnê de Tom Zé pela Europa em 2005 para falar sobre a carreira, a vida e a obra do baiano radicado em São Paulo desde os anos 60. Captado em vídeo digital e película super 8mm, o documentário é correto no tratamento cinematográfico e no propósito de documentar sem, no entanto, registrar alguma relevância de expressão. E isso contrasta com a importância que se quer dar ao artista. São cantores e compositores, críticos e músicos depondo sobre a genialidade musical de Tom Zé. Só que de música mesmo, mostrada do jeito que faz a gente se aficionar pelo som do cara, nada.
Mas a personalidade do Tom Zé está ali e é admirável. Ele foi tropicalista, convidado por Caetano e Gil, fez sucesso, foi deixado de lado por Caetano e Gil, ficou no ostracismo por longos anos e foi resgatado de lá por David Byrne, que o descobriu em uma loja de discos do Rio. Tom Zé passou por tudo isso sem mexer um acorde no som que se propunha fazer. Ao contrário, ele foi fundo, no âmago da questão, como no caso do CD Estudando o Samba, trabalho afinal garimpado pelo produtor Byrne.
O documentário mostra ainda um baita desentendimento de Tom Zé com a equipe de som de Montreux que o tratou com descaso, revela assim que Tom Zé é na Suíça o mesmo que nasceu em Irará. E também assistimos à vaia que o artista levou em uma apresentação na França. Sem censura, está tudo lá. Tom Zé diz que ficaria muito chato um documentário sobre um artista falando apenas bem dele. Não é pouco desapego nesses tempos de soberba, quando o presidente da república fica transtornado com uma vaia a ponto de abandonar a cena. Enquanto Lula demonstra, mais uma vez, a maior dificuldade em lidar com a crítica, o outro lhe reconhece função. Grande figura o Tom Zé!

PLÍNIO MARCOS na TV

Quando eu trabalhava em televisão, não via televisão. Na verdade, quase não via, porque assistir ao Jornal Nacional é norma nas redações de telejornalismo e assistir a um telejornal do turno contrário ao que se trabalha é obrigatório para os jornalistas. Assim, eu fazia o meu e assistia a mais dois programas de televisão por dia, e só. Nem aos domingos eu ligava a televisão, pois era ouvir as vinhetas dos programas mais populares para sentir uma angústia tremenda. Chamam a isso de angústia de domingo, e só quem sofre ou já sofreu desse mal pode entender.
Agora, sem trabalhar na tv e curada da angústia de domingo, resolvi recuperar os programas perdidos. Na primeira garimpagem, encontrei o DVD da entrevista de Plínio Marcos para o Roda Viva, da Cultura. É um colosso de bom! De saída, Plínio Marcos envereda pelo caminho da verdade com bravura. Diz que depois de ter sido o dramaturgo brasileiro mais perseguido pela ditadura militar, passou a ser censurado pela mídia quando veio a anistia. Diz que os jornais só noticiam as peças que pagam anúncios em suas páginas e que qualquer atriz bonitinha de novela tem mais destaque quando estréia do que qualquer espetáculo reconhecidamente bom pelos próprios críticos dos jornais. E por aí ele vai, descascando a imprensa, desancando a política partidária, descompondo a televisão brasileira e servindo ao espectador o mais saboroso banquete de sinceridade, humanidade, honestidade, autenticidade, inteligência e sabedoria, tudo regado a muito humor.
No programa, de 1988, o autor de Dois Perdidos Numa Noite Suja, Navalha na Carne e Barrela exalta o trabalho dos atores, incentiva a impetuosidade dos jovens, faz um libelo da liberdade de expressão, “sem a qual não haverá preservação dos direitos humanos”, e ainda diz que prefere morrer na sarjeta a fazer comercial, pois não admite a perversão de “pegar pessoas que não podem comprar e insistir para que elas comprem”. Tudo dito assim, de forma muito simples, do jeito que faz a gente gostar de ver e ouvir gente falar. Portanto, acredite, o Plínio Marcos no Roda Viva é programa para enfrentar qualquer angústia de domingo

Cruz X Credo

A campanha para eleger o Cristo Redentor uma das Sete Maravilhas do Mundo tem na geração de milhares de empregos indiretos no turismo um apelo irresistível para o morador de uma cidade com a economia acachapada, como o Rio de Janeiro. Fora a injeção de auto-estima, sempre bem vinda, segundo a crença vulgar e o lugar comum das mesas de bar. E agora, que as operadoras de celular abriram mão do valor cobrado pelas mensagens de voto, virou obrigatório se engajar “nessa luta”.
Mas que luta é essa, bicho? Alguém acredita que ganhar um concurso promovido por uma ONG da Suíça é mais importante para o desenvolvimento do turismo no Brasil do que resolver o problema do apagão aéreo. Ou dá pra perceber que tudo não passa de mais um número deste grande circo eternamente montado para distrair corações e anestesiar mentes. Olha o Pam aí jogando mazelas para debaixo do tapete enquanto enche de dinheiro as burras dos poderosos da ocasião. Mas isso é a história da cartolagem no país... E se no Brasil é assim, no Rio de Janeiro, é assim e meio.
Pois não é que um dia, sem protesto das outras religiões, a igreja católica se apropriou de uma das montanhas mais bonitas do mundo e tascou-lhe no topo esse penduricalho cafona que é a estátua do Cristo Redentor. Um monumento ao kitsch, isso sim. Uma interferência desnecessária ao conjunto de montanhas que formam o extremamente belo relevo da cidade. Ainda mais escabrosa me parece essa idéia quando vejo o Corcovado virgem, numa litografia do séc. XIX, como a Vista da Montanha do Corcovado e do bairro do Catete, de Rugendas. Ou numa das muitas fotografias de paisagens do Rio de Janeiro de Marc Ferrez, como a Vista de fora da Baía de Guanabara, do lado de Niterói, de 1890.
É como diz meu namorado: Não dava para suportar o Bom?

Aqui e na Dinamarca

Descobri o myspace, uma boa da internet. Boa para mim, para você e pra todo mundo. Já sei que funciona como o orkut, mas eu não saco nada de orkut, nunca quis ter um e nunca me bateu a curiosidade de ir lá fuçar. No entanto, assim que recebi o e-mail do Eduardo Feijó contando que acabou de fazer um cd do qual era possível conhecer algumas músicas no myspace.com/eduardofeijo, eu acessei o endereço.
O Dudu foi meu colega de faculdade nos anos 80 e, apesar da gente quase nunca se encontrar, há entre nós um carinho igual ao daquele tempo. Eu sei que essas coisas legais acontecem com todo mundo. E é exatamente por isso que disse que o myspace é bom pra todo mundo, porque, ao contrário do orkut, ele pegou nos quatro cantos do planeta e não apenas no Brasil. Então, a minha melhor amiga, por exemplo, pode ouvir as músicas do novo trabalho do Vadu (myspace.com/vadu), ex-namorado dela que é cantor e compositor em Cabo Verde. Portanto, se você tem um amigo baterista na Dinamarca, dá uma pescada na rede pra ver como anda a batida dele.
Eu já entrei no myspace pra dar uma geral, e me programei para curtir o som do Eduardo Feijó no próximo domingo de manhã (meu horário relax de música, reservado inclusive para os novos cds). Agora, diferentemente da minha melhor amiga e de você que tem um amigo baterista na Dinamarca, eu vou poder ver pessoalmente o Dudu na próxima quinta-feira, num chopinho combinado com o pessoal da UFRJ. E vou conferir se a foto do myspace é daquelas antigas, ou se ele continua o mesmo gatinho da época da faculdade.

A Luz de Santa Teresa

Os jornais chegaram no fim de semana com inúmeras sugestões de programa para o dia dos namorados. Como foi difícil escolher apenas um, assim, na lata, resolvemos fazer reservas em quatro restaurantes para decidir no dia em qual iríamos jantar. O critério de seleção foi a pedida mais interessante, alguma coisa fora do lugar comum. Queríamos um programa que desse certo, é claro. Mas que não fosse careta demais. Já chega ter que enfrentar o dia dos namorados com a obrigatoriedade de comemorar, achar presente, escrever cartão, ficar bonita (o) para o outro e ainda acertar na programação. É um misto de angústia e ansiedade pra namorado nenhum botar defeito.
Chegou o dia de ontem e nos decidimos pelo Espírito Santa, por vários motivos. Dentre eles, porque sou de Santa Teresa. Não moro mais lá, porém, não paro de gostar daquele bairro. Assim que estacionamos o carro (com facilidade) no Largo dos Guimarães, fomos dar uma voltinha a pé para fazer hora. Fomos ao armazém da D. Lurdes cumprimentá-la. Que saudades! Abraços, beijos e lágrimas portuguesas com certeza.
Voltamos curtindo o silêncio, o bonde, os casais entrelaçados, o cheiro fresco da noite e a luz de Santa Teresa. Ah, a luz de Santa... sempre luz de domingo, faça chuva ou faça sol, faça frio ou calor, de noite e de dia também.
Mas o melhor foi o jantar. Eu não conhecia o restaurante, mas sabia que teria uma varanda reservada para nós. E o anúncio prometia cobertores se o frio apertasse. Quer coisa melhor? Pois teve um menu degustação do dia dos namorados como só um restaurante em Santa Teresa pode oferecer. Pra começar, um belo drinque de vodca com as frutas mais exóticas do Brasil. Uma entrada de frutos do mar com ostra e tudo o mais e duas escolhas gostosas de prato principal. A sobremesa era digna da mais pura larica. E de saideira, numa cuia cheia de gelo, para dois, um drinque chamado Viagra da Região: ... catuaba, guaraná em pó, ginseng, suco de cupuaçu, água de coco, cachaça e “nó de cachorro”. Meu Deus, o que pode ser “nó de cachorro”?, seria um foguete, uma bala de revolver, um disco voador, um super vegetal? Saímos de lá sem saber. Vai que a gente pergunta e o garçom responde que nó de cachorro é nó de cachorro mesmo.

Os Seios de Deus

Fui convidada para fazer uma participação no novo filme de Alberto Salvá, baseado no romance de Rodrigo Abi Ramia, que fala do caso de amor entre dois jovens, Rodrigo e Mariana. Eu seria a mãe da moça que só aparece na cena em que fala com o genro ao telefone enquanto a própria filha protagoniza uma cena de felação com o rapaz que goza falando com a mãe da moça do outro lado da linha. Resolvi não aceitar o papel. É coisa para profissional, acredito.

No entanto, gostei do Roteiro. Não que haja novidade na sinopse: um rapaz conhece uma garota na faculdade, os dois se apaixonam e passam a viver uma história de amor.
Acontece que Rodrigo, o protagonista, embarca numa aventura sexual desmesurada em busca de total intimidade com a namorada. Ele quer mais que o corpo, coração e mente de Mariana. Ele a quer por dentro, por fora e pelo avesso também. Ele a quer com todos os sentidos e vai ao paroxismo do prazer tátil com os excrementos da mulher amada.

O tema também não é original, eu sei. Já vimos esse filme antes... um homem embarca na perigosa expedição ao universo do amor obsessivo. Mas aí era um Bertolucci, ou ainda um Polanski. E mais, os personagens daqueles filmes são homens maduros e protegidos pela couraça do cinismo e o escudo dos recentimentos. Neste caso é diferente. Aqui, o nosso herói é um jovem de vinte e poucos anos, aparentemente desprovido de equipamentos emocionais para enfrentar as peripécias sinistras de um mergulho cego na sensibilidade do outro. Não quero dizer que desacredite no talento do diretor para levar a cabo a empreitada, repito que não aceitei o dasafio por questão de foro íntimo. Mas acabei curtindo uma imensa curiosidade a respeito deste jovem autor. Quem é ele? Seu romance é autobiográfico? Porque um homem tão jovem se embrenharia numa transa tão visceral? E mais: Rodrigo é a exceção, ou os jovens de hoje estão mesmo com essa disponibilidade toda para o amor? Vou começar pelo livro, que tem o título estranho de Os Seios de Deus.

Samba, Luzia

E o amanhã só chegou na sexta-feira. Veio junto com um céu de veludo azul- marinho arrematado pela lua amarela de botão. Veio com vento frio e trouxe maresia para a melhor roda de samba do Rio, no momento. É o “Samba, Luzia” que acontece toda semana no clube de nome da mesma santa, beirando a Baia de Guanabara, no final do parque do Flamengo, juntinho ao aeroporto Santos Dumont.
Quem comanda é o elegante Moacyr Luz. Escolho o adjetivo "elegante" por causa do estilo de Moacyr de se vestir e se relacionar com as pessoas a sua volta, já que sambista de primeira todos sabem que ele é. Antes da roda começar, Moacyr dá um giro pelas mesas, cumprimenta um e outro, joga charme para as moças do gargarejo, desfila na impecável bata branca com colar de contas coloridas... E faz sucesso também no social.
Social é o termo preciso para o ambiente do lugar. São casais de todas as idades, avulsos dos dois sexos, gente da zona norte e zona sul. Todo mundo de bem com a vida, bebendo cerveja de garrafa estupidamente gelada e curtindo na boa a festa na laje.
A música é de primeira. Tem muito samba de raiz, partido alto, um ou outro pagode, e o melhor dos maiores sambistas de todos os tempos; na voz altiva do cantor, na contagiante percussão e na correção altiva do violão e cavaquinho. Posso estar exagerando...? Então vai lá e tira a teima na sexta-feira que vem.

Ausência Prolongada

Peço desculpas pela ausência prolongada. Foi por motivo de força maior. Não há problema que supere o de saúde na família, e eu tive isso em dose dupla. Primeiro, meu filho foi hospitalizado. Aí, meu pai, ao visitá-lo, passou mal e foi atendido na emergência do mesmo hospital. Como o problema se agravara, papai foi transferido e internado em outra casa de saúde. Foram dias de vigília e muita preocupação. Fiquei todo o tempo com o meu filho, porém, tinha o coração dividido e aproveitava cada horinha livre para ver papai. No final deu tudo certo; o avô foi o primeiro a ter alta, o neto ficou mais tempo no hospital. Depois de estarem todos em casa, medicados, e prontos para voltar à vida normal... adivinhem? Eu é que pifei. Por conta do estresse, tive uma baixa de imunidade e peguei uma baita infecção. Fiquei internada até a sexta-feira passada. Volto hoje sã e salva e cheia de gás. Beijos a todos, amanhã eu conto mais.

Identidade Regional

Um amigo meu diz que quem não tem sotaque, não tem caráter. Concordei com ele desde que ouvi a afirmação pela primeira vez. Foi numa conversa que tivemos sobre a série de entrevistas de Fernanda Montenegro nos Estados Unidos, quando da campanha de “Central do Brasil” para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Fernanda falava um inglês fluente, porém com sotaque carregado, mas numa prosa cheia de humor. Um exemplo foi a resposta que deu a David Letterman quando perguntada se seria ela a verdadeira garota de Ipanema : “Posso, quando muito, ser a velha (old lady) de Ipanema.” Risos e aplausos da platéia...
Lembrei dessa passagem ao assistir à peça Café com Queijo, do grupo Lume. São conversas e estórias, colhidas pelos atores em suas andanças pelo interior do Brasil, entremeadas por canções e versos. Tem de tudo um pouco: amor, morte, saúde, trabalho, festa... E a prosa é temperada com um sotaque tão preciso dos personagens, na criação dos atores, que a gente chega a sentir cheiro e sabor. Mas ninguém sai dali com água na boca. Ao final do espetáculo, o público é convidado para a degustação de café com queijo ralado, bebida típica do interior do Tocantins. E aí o programa fica simpático à beça, com todo mundo confraternizando no foyer.
O Lume foi criado na Unicamp, em 1985, para ser um centro de estudo e pesquisa da arte de ator. Portanto, consegue manter há mais de 20 anos o projeto de trabalho dedicado à construção de um modo próprio de se pensar e fazer teatro. Café com Queijo, uma aposta na força da identidade regional, foi criado em 1999, e já se apresentou em diversas cidades do país. No Rio, fica só até o dia 6 de maio. Não dá pra perder.
Cai uma chuva balsâmica sobre o Rio de Janeiro... É pra lavar a alma!

A Paz é Dourada

A Paz é Dourada, documentário sobre Euclides da Cunha, levou vinte anos para chegar ao seu pré-lançamento, na semana passada no teatro da Maison de France, no Rio. Foi uma noite cheia de emoção, como uma obra por tanto tempo esperada merece; o cônsul da França saudou os convidados, o presidente da Academia Brasileira de Letras fez um ótimo discurso, e Noílton Nunes, o diretor do filme, abriu seu coração para contar em poucos minutos as aventuras e desventuras porque passou, na determinação de levar à tela a vida e a obra de um dos maiores escritores da língua portuguesa de todos os tempos.
Eu estava lá, muito orgulhosa da minha participação como co-produtora da fita nesta fase de finalização. Acompanhei também a montagem, do Noílton, e fiz a narração.
Além de querer aprender cinema, meu engajamento no esforço de terminar o filme foi por acreditar na relevância de levar ao público em geral, e às escolas em particular, as idéias de alguém que conhecia e amava o Brasil, das profundezas da terra ao nível mais elevado, do homem. E, nas palavras do autor de Os Sertões, "a idéia é a moeda do futuro”.

Amigo Curitibano

Aleluia! Cai, uma chuvinha sobre o Rio de Janeiro... e molha as ruas, faz grande poças nas avenidas, lava as árvores, rega a grama... restaura, enfim, o humor do carioca que andava meio ranzinza de tanto tempo bom. É como se diz quando começa um namoro: “Tomara que dure!”

* * * * *

E por falar em ranzinza, um amigo curitibano me cobrou dar mais ênfase à violência no Rio. Disse que falta espírito crítico neste blog. Disse que eu deveria ter comentado a manifestação das mil pessoas que se deitaram, sábado, na Av. Atlântica, para protestar contra as mil mortes por violência na cidade, este ano.
Meu amigo, pode ter certeza que eu me preocupo com a segurança no Rio. Porém, minha contribuição no esforço para diminuir a violência e a desigualdade social ente nós é no sentido de juntar esta Cidade Partida. E as atividades culturais que promovem a confraternização entre os moradores apartados são, no meu entender, a melhor oportunidade para dirimir preconceitos e aproximar corações e mentes.
Eu acredito, piamente, que depois de assistir a Via Sacra da Rocinha, um morador de São Conrado não vai ficar indiferente às vítimas de bala perdida naquela favela. E então, quando eles se deram as mãos numa passeata, aí sim, eu vou acreditar que vale a pena divulgar esses atos públicos.

Feliz Páscoa!


Amanhã tem um programa imperdível para quem está na cidade neste feriado de Páscoa. Um espetáculo ao ar livre que percorre as ruas de um dos bairros mais cariocas da cidade. Bairro ou favela, ou bairro-favela, ou seja qual for o seu status oficial, o importante é constatar que quem mora lá tem a cara do Rio. Apesar de conhecer muita gente do lugar, eu só lhes percebi a carioquice assentuada quando fui assistir, há exatamente um ano, na Sexta-Feira da Paixão, a Via Sacra da Rocinha.
A Encenação acontece num cenário natural de ruas, becos, escadarias e lajes que vão do Caminho do Boiadeiro(núcleo comercial) até a Igreja de N.S. da Boa Viagem(parte central) . No percurso de quase três quilômetros, moradores, visitantes e transeuntes acompanham a vida de Cristo, do nascimento até a ressurreição. O clima do evento é de total cordialidade, muita alegria e orgulho de estar participando de uma festa criada e mantida por eles. O tempo todo moradores e atores interagem, identificam vizinhos e colegas, reconhecem personagens e se reconhecem nos personagens repletos de humanidade da história.
E o cortejo segue num movimento físico e emotivamente crescente. Pois na medida em que sobe o Caminho do Boiadeiro e vai acompanhando a vida do "Homem de Nazaré", vai também se emocionando e progressivamente se transformando num bloco, quase sólido, ligado no desejo comum e legítimo de mais conforto e oportunidades para todos.
Feliz Páscoa!

Ah..., que pena!

Leio no jornal de hoje que o segundo CD mais vendido no Brasil, em 2006, é Jovem Brasilidade, do saxofonista Caio Mesquita, de 16 anos. Além da performance prodigiosa, vejo dois fatos interessantes ali, pelo menos assim por alto, na avaliação de uma única matéria.
Caio é o primeiro representante da musica instrumental a aparecer na lista desde que a ABPD começou a divulgá-la, em 2000. E, apesar de ter vendido quase 300 mil cópias, não figura no ranking das músicas mais tocadas nas rádios.
Caio conta na entrevista que foi descoberto pelo Programa Raul Gil, de forte alcance popular, o que explica sua colocação na lista dos mais vendidos. Mas o detalhe bizarro aparece quando ele diz que agora as coisas vão melhorar porque vai participar de um CD de um “ator da Globo”: – Aí , sim, devo ir para o Faustão.
Quer dizer que um jovem e promissor instrumentista, no país da melhor música popular do mundo, que estuda saxofone desde os 5 anos, tem que se submeter a um esquema duvidoso pra conseguir seu lugar ao sol? Que pena!

A mais pura curtição...

Faz pouco mais de um ano que fui pela primeira vez ao Estúdio 260 para assistir a uma mostra de curta-metragem sobre o tema Poesia, e nunca mais deixei de freqüentar o lugar. Naquele dia, depois dos filmes, houve um debate e eu, por vício de ofício, meti-me a organizar a conversa, e acabei me transformando em mediadora informal das sessões que aconteciam ali a cada quinze dias. Informal, porque tudo o que pode ser informal no 260 o é, e eu jamais iria contrariar aquela vocação.
Pra começar, o Estúdio fica em Santa Terasa, onde você vai por curtição ou não vai. Funciona em uma casa ampla, com uma bela piscina no meio de um pátio debruçado sobre a vista deslumbrante da baia de Guanabara, com Pão de Açúcar ao fundo e tudo o mais. Uma mangueira vaidosa arremata a paisagem. O ambiente é de uma descontração irresistível, gente de todas as tribos é sempre convidada, e o pessoal confraterniza mesmo, troca idéias, experiências.
Isso aconteceu, novamente, na sexta-feira, na abertura da exposição INCLUSIVE CIDADE ALTA E MARÉ. Os artistas dessas duas comunidades, na Av. Brasil, estavam lá para mostrar e conversar sobre seus trabalhos de pintura, desenho, grafite, e foto sobre lona. Eles tiveram formação nas oficinas de arte mantidas pela ONG-Ação Comunitária do Brasil-(ACB), que atua nessas comunidades há 40 anos. Na exposição, pode ser visto o vídeo feito no dia em que os artistas desenvolveram seus projetos no próprio Estúdio. A mostra vai até o dia 6 de abril e as visitas podem ser agendadas pelos tels: 93224284, Fabiana; 91057082, Lena. Não Perca!

Da série Heróis

Quando escrevi o texto anterior, não dispunha dos nomes dos franceses assassinados no início do mês, em Copacabana. Era tarde e não consegui a informação naquele dia . Uma amiga me mandou hoje por e-mail os nomes dos saudosos Delphine, Cristian e Jerome. Eles fundaram a ONG Terra Ativa para dar oportunidades a crianças abandonadas e carentes da cidade do Rio de Janeiro.

Quem são os nossos heróis?

Outro dia, recebi por e-mail uma apresentação em power point e achei importante divulgá-la. Repassei-a para minha lista de amigos e obtive um retorno surpreendente, inclusive das pessoas que moram fora do Brasil. Isso aconteceu na semana seguinte aos assassinatos do menino João Hélio e dos franceses fundadores da ONG dedicada a atender menores carentes. Eu quis aproveitar a comoção nacional naquele momento para propor uma reflexão sobre desvios na escala de valores de uma sociedade, e as suas conseqüências.

A apresentação trazia em destaque a frase infeliz com que Pedro Bial saúda os participantes do BBB, chamando-os de heróis; questionava o internauta sobre quem, de fato, merece tal tratamento; e citava pessoas desconhecidas do grande público, mas verdadeiros heróis e heroínas por dedicar a própria vida para salvar a do próximo, e do distante também.

Um exemplo é a Drª. Vanessa Remy-Piccolo, jovem pediatra francesa de 28 anos. Ela abriu mão do seu conforto para servir na África, como voluntária do programa Médicos sem Fronteira. Outro, é Jacinta, enfermeira do Projeto Meio-fio, que atende moradores de rua no centro do Rio.



Volto ao assunto agora porque li nos jornais de hoje uma infeliz declaração do presidente Lula. Ele disse que os usineiros, um dia vistos como “bandidos do agronegócio”, se transformaram em heróis nacionais. Isso, uma semana depois de afirmar que os ministros no Brasil são verdadeiros heróis por aceitar trabalhar pelo salário de oito mil e poucos reais.

Pra mim, alguma coisa está fora de ordem... E pra você?

Viva o tempo ruim!

Hoje eu saí de casa carregando um grande guarda-chuva xadrez . Deixei o carro longe dos lugares para onde fui e, já que o tempo estava "bom", usei o acessório como se fosse bengala. Lembrei que conforto e segurança eram motivos pelos quais os senhores antigos usavam guarda-chuva como peça do vestuário (D. Pedro II , por ex.). Isso porque foram tantos os obstáculos e acidentes no meu percurso que o guarda-chuva/bengala acabou dando uma mão. Vai você andar rápido pelas ruas esburacadas do centro da cidade sem tropeçar e arriscar a integridade da sua rasteirinha-preferida...
É claro que tive que passar por pelo menos um constrangimento. Foi de noite, no curso de cinema, quando um professor sacou o exagero e me lançou um olhar desdenhoso, como quem diz: "Essa aí tá chuleando tempo ruim." "E estou mesmo", pensei na mesma moeda. Vou responder na próxima segunda-feira com meu sorriso triunfante. Tomara que continue chovendo até lá!

Praça XV

Às seis e meia da tarde de ontem, tive que dar três voltas na Praça XV para conseguir estacionar o carro numa área a cargo da prefeitura, embaixo de um viaduto, em cima de cascalhos de entulhos espalhados na pista, e ainda tive que escalar escombros para sair no beco ao lado do prédio da Bolsa de Valores. Meu destino era a escola de cinema Darcy Ribeiro, então, cruzei para outro beco e fui me embrenhando pelas ruelas coloniais, justamente na hora em que tudo ali passa por uma transformação frenética; nos dez ou doze minutos que leva o trajeto, acompanhei as mudanças no elenco, na cenografia, na luz e na atmosfera do lugar. E não é papo de sinestesia não, senti mesmo o fedor que escorria pelos paralelepípedos dos antigos logradouros ser contido pelo cheiro frio das bebidas saindo dos bares nas bandejas dos garçons desodorizados e gomalinados como manda o figurino do turno da noite; cheiravam bem também as meninas em fim de expediente, e as não tão meninas assim salpicavam de sorrisos e decotes as mesas de plástico que transbordavam das calçadas para o meio-fio. Vi um bando de jovens engravatados, todos muito parecidos, levantar tulipas de chope como se fossem troféus; vi grupos de gente de todas as cores bebendo na mesma garrafa; vi turistas muito brancos se encharcando de caipirinha; vi o garoto do amendoim conversar com o mendigo travesti, e até uma corcunda namorando agarradinha. Cheguei à primeiro de março e nem olhei pra trás..., vai que viro estátua de sal.

Tudo cansa

Tudo cansa, até o que é bom, inclusive o tempo bom. Quero as águas de março pra fechar esse verão que nunca acaba de céu azul, nuvenzinha transparente e noites coradas de eclipse interminável. Quero beber brisa fria pelo gargalo... quero chuva fina me fazendo cafuné... um pé encostado no outro, debaixo do cobertor.

Inauguração do Blog

... emergindo de um longo e escaldante verão para a temporada no ar condicionado resolvi que não vou tomar um chope, não dá para ir à praia, não fui à passeata, não quero ir ao cinema, o telefone esquenta a orelha, o sorvete aumenta a sede, a impaciência não deixa esperar por temperaturas mais amenas e humanas e, na frescura do meu escritório, inauguro este blog pra falar com você.