Continuo mergulhada em livros

Continuo mergulhada em livros, mas já dando minhas braçadas e chegando sem sufoco à outra margem, que para mim significa mais um programa no ar. O bom de tudo isso são os livros, é claro. O prazo é que é exíguo. Porém, como tenho a prerrogativa de pautar o assunto e os autores, vou aproveitando para conhecer um pouco mais sobre tudo aquilo que sempre despertou minha curiosidade. Foi com esse objetivo que realizei essa semana um programa sobre crônica esportiva focada em futebol, um gênero que ajudou a construir a nossa identidade como nação e por isso mesmo me interessa. Desta forma, escolhi três livros para serem discutidos ao longo de uma hora: Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano; À sombra das chuteiras imortais, de Nelson Rodrigues e Histórias do Futebol, de João Saldanha.

Nem precisa dizer que os livros dos dois últimos são maravilhosos, por bastante conhecidos. Foi Nelson Rodrigues quem deu dimensão épica aos jogos de futebol, descrevendo as partidas como sagas, que narrava como verdadeiras aventuras de heróis salvadores da pátria. O outro, João Saldanha, foi um dos homens mais inteligentes que conheci, e aqui abro um parêntese: tive a sorte de ser contemporânea de João sem medo, como era chamado o comentarista e técnico de futebol (por enfrentar o poder da ditadura militar, mas isso já é outra história)na extinta Manchete, e chegamos a trabalhar juntos na mesma bancada de telejornal. Ele tinha uma coluna no programa no qual comentava política ou qualquer outro assunto de interesse nacional. Era uma novidade (na carreira do João) inventada por Nelson Hoineff, e que deu muito certo por pouco tempo, pois em menos de um ano o escalador do time tricampeão da copa de 70,no México, ficou doente e não pode mais trabalhar naquele horário, tarde da noite.

O livro de Eduardo Galeano foi uma dica do meu amigo Salomão Azaria, que lá de Israel, pelo Skype, sugeriu a pauta do programa. O escritor uruguaio eu já conhecia de entrevistas nos jornais e pelo Livro dos Abraços, uma espécie de leitura de cabeceira para quem curte textos curtos e geniais. Futebol ao sol e à sombra tem formato semelhante; textos de 25 a 35 linhas que passeiam pela história do futebol, de seus primórdios ao início do terceiro milênio, passando pelos grandes craques do século em todo o mundo, em prosa poética saborosíssima.

O livro também contém informações preciosas, como quem inventou o jeito brasileiro de jogar bola, por exemplo. Foi Artur Friedenreich, um atleta de “pele cor de café”, filho de alemão com uma lavadeira negra. Ele fez o gol da vitória brasileira contra o Uruguai na disputa do campeonato sul-americano de 1919; e mais gols do que Pelé em toda a sua carreira no futebol profissional. Não acredita? Pois pode pesquisar. Melhor ainda é ler o livro.

Bacana também nesse trabalho é a oportunidade de travar contato com gente inteligente e agradável. É o caso de alguns entrevistados, como Bráulio Tavares, um poeta, compositor, ensaísta e escritor desassombrado que eu conhecia de ler seus contos, aqui outro acolá; namorava a sua escrita, mas nunca havia lido por completo um de seus livros. Pois ele deu um show no estúdio, respondeu a todas as perguntas, inclusive as dos telespectadores, com uma categoria de admirar a elite de qualquer academia.

Outra surpresa agradável foi a participação do escritor Jorge Viveiros de Castro no programa. Editor, tradutor e portador de uma simpatia calma que vai se transformando, sem afetação, em carisma irresistível na medida em que o papo rola (no caso, futebol), sem nunca travar a bola, e devolvendo-a redondinha, quando ele mesmo não faz o gol.

Digo que eles são bacanas e rendem muito numa entrevista porque não são, apesar da competência, pessoas de ego descomunal. Daquelas que sempre se colocam como o centro do universo, que fazem marketing pessoal o tempo todo, e nunca estão a fim do papo descompromissado, mas de autopromover-se.

Pra mim isso é muito desagradável. Porém, como o jornalismo cultural virou mesmo meio de promoção de artistas e “artistas”, criou-se, em conseqüência, a cultura da celebridade. Resultado: a coreógrafa não quer falar de dança, mas da “sua coreografia”; não interessa ao ator falar de teatro, mas do “seu” personagem na peça que está em cartaz; e ao artista gráfico não importam os traços e cores de culturas e movimentos artísticos que não aqueles que influenciaram esse seu último trabalho, que ele quer divulgar. E por aí a coisa vai numa chatice tal que não dá espaço à reflexão alguma, nem mesmo à velha e boa conversa fiada.

Mas talvez eu esteja errada. Vai ver que a razão está mesmo com o Xangô da Mangueira, que diz (como saiu hoje na coluna do Ancelmo Gois) no samba Moro na Roça:
“Eu compro jornal da manhã / é pra saber das novidades”.
E fim de papo.