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Saudade é uma idéia interessante..., pode ser a falta que se sente de alguém ou de alguma coisa, a nostalgia de um tempo que já foi ou a saudade do que deixou de ser depois de ser um dia. A saudade do que teria sido é ainda mais estranha, mas na verdade sentimo-la, sem nem mesmo saber se o que teria sido teria sido bom. E aí não é a saudade da coisa ou do tempo, mas simplesmente a saudade do que teria sido se assim o fora. O fato é que pensamos que tudo o que não pôde ser seria melhor se tivesse sido. E seguimos nessa marcha louca idealizando até pessoas. Ou o outro não é tão somente a idéia que fazemos dele? Mas o outro também é uma idéia interessante...
Pregou nela um par de olhos negros, olhos de jabuticaba. Chegou mais perto e convidou-a pra dançar. Seus corpos deslizaram compatíveis. Falou baixinho, ela sorriu e afastou os dentes; beijaram-se demoradamente... E foram nessa marcha louca enlaçados na trança da vida: andam juntos por caminhos separados, sequer falam a mesma língua...
Seguem os dois abismados.

Vale Tudo

Ando meio relapsa com este blog, é verdade. Mas quem consegue render bem nesse tempo louco do Rio de Janeiro? Semana passada, mal se conseguia respirar de tão quente e abafado, veio uma epidemia de gripe e esta semana a temperatura desceu a 16 graus, com garoa e o diabo. Fala sério, ninguém pode ser muito normal num clima desses. Acho até que por conta do tropical úmido quase tudo no Rio acontece de modo tão peculiar, e surpreendente. Foi assim no domingo passado, no propalado Bailinho, no novo Mistura Fina.
O programa era pra ser quase naive; a cada semana (sempre aos domingos) duas celebridades são convidadas para dar uma de DJ na festa que começa ao pôr-do-sol do Arpoador. Uma verdadeira domingueira dançante, como as de antigamente, que se derramavam pelos clubes da cidade, do Country, em Ipanema, ao Democráticos, no Lins de Vasconcellos, na tentativa de alongar ao último segundo as possibilidades do fim de semana. E muito namoro bom começava ali, onde a esperança era renovada a cada gole de cuba-libre enquanto durasse a prorrogação.
O lugar não podia ser mais simpático; o sobrado do Barril 1800, antigo Jazz Mania, onde grandes feras da música instrumental brasileira fizeram apresentações inesquecíveis e aonde as maiores atrações do Free Jazz Festival eram levadas ao fim do seu show, no teatro do Hotel Nacional, para uma esticada na noite. Só que, tarados por música, acabavam dando longas canjas, até o povo se cansar e ir embora dizendo “Ai, não agüento mais esse tal de Wynton Marsalis", ou Herbie Hancock, ou o fera da vez. É que o carioca é assim, só faz a corte de si mesmo e a tudo se acostuma.
Não foi diferente no Bailinho. A cantora Daúde e o dramaturgo e cineasta João Falcão eram os DJs convidados e uma parte do público presente era, por sua vez, de seus convidados (eu inclusive), o que só fazia aumentar a sensação nostálgica de domingueira dançante. Tinha gente de todas as idades a partir de 25 anos e mesas de 5 e 6 casais de meia idade também. Eis que, no meio dessa inquietante normalidade, começam a aparecer mulheres em pares, e de todos os tipos, uns díspares, outros afins. Duas quarentonas magras e altas aqui. Uma senhora já bem passada com uma muito jovem acolá. Uma baixinha bem mulherzinha no seu vestido rodado dançando de mãozinha dada com uma alta de coturno e tatuagens. E duas louras quase gêmeas quase se esfregando no salão. Cruzes! Eu vi, ninguém me contou. É claro que a princípio fiquei chocada pelo inusitado e inesperado da situação. Mas, assim como a vista se acostuma ao escuro, eu me acostumei àquela novidade e senti o ambiente desobrigado e me senti mais livre e fui, sem par, dançar com minhas amigas e meus amigos. E, sabe, fiquei contente de morar no Rio de Janeiro onde vale tudo, vale o que quiser, vale inclusive dançar mulher com mulher.

Programa Tupinambá

A posse do novo secretário do audiovisual, Silvio Da-Rin, com as respectivas promessas e empenhos por parte das autoridades presentes foi amplamente divulgada nos jornais de sábado passado que comentaram inclusive a presença maciça da classe cinematográfica brasileira na solenidade seguida de coquetel no Palácio Gustavo Capanema, sede carioca do Minc. Portanto, vou restringir esse artigo às minhas impressões e experiência pessoais naquela tarde luminosa no Rio de Janeiro.
E viva esse Rio que tem no seu patrimônio um monumento ícone da arquitetura moderna brasileira e mundial, projetado por um grupo de feras como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy, entre outros, sob a supervisão de Lê Courbusier. O prédio oferece ainda um grande número de obras de arte para a fruição do visitante, a começar pelos painéis de azulejos de Portinari com motivos marinhos dispostos do lado interno e externo do térreo sobre pilotis. Isto quer dizer que um quarteirão inteiro no centro do rio se transforma em praça pública permitindo a passagem de pedestres em todas as direções, e uma notável circulação de ar que faz do logradouro um verdadeiro oásis de frescor em meio à canícula do carioca.
Por essas e outras – como a abertura das amplas portas de vidro do salão onde estávamos para um lindo jardim suspenso projetado por Roberto Burle Marx – é que um compromisso social ou profissional que a princípio parece mais um “programa de índio”, no Rio de tamoios e tupinambás pode até se transformar em boa pedida para matar uma tarde de trabalho.
E foi exatamente o que me aconteceu, pois o celular tocou e era um amigo convidando para assistir a um filme da Mostra Helena Ignez na recém inaugurada Caixa Cultural. Dei um beijo nos mais próximos e saí. Fui andando em direção à esquina da Rio Branco com Almirante Barroso, onde fica o centro cultural com mais de 6.000 m2 distribuídos entre três galerias, dois cinemas, um teatro de arena, uma livraria e um café que deixa a gente pasmada de tão bonito. E o silêncio... e o ar refrigerado... Não resisti e tirei uma fotografia:


Nesse espaço deslumbrante aí de cima, eu e meu amigo tomamos um corretíssimo expresso duplo e fomos assistir A Grande Feira, de Roberto Pires. O filme, de 1961, manifesta a influência do neorealismo italiano no Cinema Novo. Nele, o diretor conta –com longos planos seqüência em tomadas externas de registro documental - a história dos feirantes de Água dos Meninos, em Salvador, ameaçados de despejo por uma empresa imobiliária. Helena Ignez faz o papel de uma dondoca, desprezada pelo marido rico, em busca de aventuras pelos cabarés dos arredores da feira. Quando se apaixona pelo marinheiro(Geraldo Del Rey), está formado o triangulo amoroso que, junto à luta dos moradores para conservar o terreno, representa a estrutura social brasileira dividida entre os ricos e o povo marginalizado.
O filme é bom e o trabalho de Helena Ignez é estupendo. A atriz, aos dezenove anos na época, já demonstra todo o potencial do seu talento de se apropriar dos personagens, como poucas vezes se viu no cinema mundial. Os outros personagens têm nomes: Maria, Chico Diabo, Tonho, Lalá, etc. Helena Ignez é sempre Helena Ignez, porém em perfeita simbiose com a figura dramática que representa.
Com a exibição de 25 filmes em que atuou, o público pode conferir o trabalho autoral desta atriz que inaugurou um estilo de interpretação cinematográfica personalíssimo, de vanguarda mesmo. Um bom exemplo é a sua construção da loura fatal em A Mulher de Todos, de Rogério Sganzerla. Quem viu sua atuação deliciosa dançando por quase dez minutos com uma JunkBox nunca se esquece e pode rever a cena agora nesta programação da Caixa Cultural. Quem não viu, não deve perder a oportunidade na mostra que vai até o dia 20 de Janero, num dos espaços mais bonitos da cidade. Por tudo isso, pego carona na propaganda e faço agora um convite irrecusável ao querido leitor: "Vem pro centro você também!"

A prostituição é mais antiga do que o ser humano

De todas as notícias dessa virada de ano a que mais me interessou foi uma pesquisa publicada na “New Scientist” demonstrando que a prostituição é mais antiga do que o ser humano. Nela, o cientista Michael Gumert, da Universidade Tecnológica de Cingapura, revela que macacos também pagam por sexo. Durante os 20 meses que estudou o comportamento de 50 indivíduos de uma espécie indonésia, ele observou que as fêmeas aceitavam se acasalar em troca de cafuné. Elas, que costumavam fazer sexo uma vez e meia por hora, depois que recebiam o carinho dos machos passavam para uma média de 3,5 vezes por hora. E mais: ficavam menos propensas a se oferecer para outros machos que não os seus parceiros. Ora, disse-me um amigo com quem comentei a notícia, isso não é prostituição, é técnica de sedução, de resto tão antiga quanto a mais antiga das profissões. Pode ser, inclusive há estudos respeitados sobre a evolução do “altruísmo recíproco” entre os macacos, no qual participantes de uma relação podem obter vantagens mutuas se cooperarem entre si. Mas a teoria do altruísmo é o resultado de estudo em comunidades confinadas. A novidade é que esta última pesquisa focalizou um grupo sujeito a movimentos migratórios no qual havendo fêmeas em número suficiente o valor do sexo é menor. Nessa circunstância, um macho poderia “comprar” uma fêmea por oito minutos de cafuné. Quando existiam poucas fêmeas, tinha que fazer o dobro do tempo de carinho para acasalar. Desta forma, o valor do negócio dependeria do contexto, como commodities em economia de mercado.
O assunto caiu como uma luva na indolência dos primeiros dias do ano e, contemplando a vista do Pão de Açúcar da varanda aqui de casa, eu e meu amigo passamos a divagar sobre todo o tipo de negociação que envolve as relações amorosas entre homens e mulheres. Foi então que eu me lembrei de um encontro com uma amiga no aeroporto Santos Dumont, numa manhã em que a forte neblina provocou um atraso de mais de três horas nos vôos da Ponte Aérea. Fomos colegas de ginástica do professor Gaspar (aquele que batia com um bastão no bumbum das alunas) por quase uma década e não nos víamos há alguns anos. Conseguimos duas cadeiras juntas no saguão lotado e tratamos de pôr o papo em dia. Sylvia logo me contou que tinha trocado de marido, estava casada com um rico empresário paulista, que mandara as duas filhas adolescentes estudar na Europa e que depois de uma longa viagem de lua de mel por países exóticos do oriente, voltou a São Paulo para uma vida nova na suntuosa mansão do casal nos Jardins. Fiquei maravilhada com a sorte da colega de malhação. Sorte sim, porque Sylvia não era exatamente uma beldade, apesar de ter a aparência agradável, um sorriso meigo e uma conversa razoável, sem muito brilho, porém plena de feminilidade. Eu sempre a admirei, lembrei-me, talvez por ela transparecer sinceridade. E foi então que lhe disse também muito francamente: “Parabéns amiga, você tirou a sorte grande”. Nesse instante, Sylvia baixou a cabeça, olhou para a mão esquerda com o anel de brilhante quase do tamanho de uma caixa de fósforos e murmurou entre os dentes: “Não é bem assim..., é tudo muito difícil.” Ainda sem fala – meio assombrada com a visão de jóia tão preciosa àquela hora da manhã – apenas ergui as sobrancelhas em sinal de indagação. "Sim", continuou, “ quando chegamos de viagem, no primeiro dia de casados, sentamos à mesa para jantar. Eu, radiante de felicidade, quis contar-lhe o meu dia e mal comecei a falar fui bruscamente interrompida. Com rispidez, ele me disse que havia trabalhado muito, estava cansado e queria silêncio na hora do jantar. Eu emudeci, e assim permaneço durante as refeições.”
Confesso que essa história sempre me comove. E ainda desta vez não consegui conter a emoção. Foi então que o meu amigo chegou bem perto de mim, segurou a minha cabeça com as mãos, passou de leve cada polegar no canto dos meus olhos e perguntou baixinho, só pra eu ouvir: "Quanto tempo você quer de cafuné?"