Uh, lá lá !

Paris é sempre bom. Melhor com céu azul e temperatura amena, como em meados de agosto, quando passei uma semana lá. Já fui a Paris com algum dinheiro, com muito pouco dinheiro, apaixonada e também curtindo a maior dor de cotovelo, mas nunca me diverti tanto quanto dessa última vez, graças a ele..., que é alegre, popular, tem consciência ecológica e ainda faz bem à saúde. Quer mais? Apesar de muito jovem é confiável, nunca deixa você na mão, funciona noite e dia e ainda leva a gente pra dançar. Sacou? É ele mesmo, o “Vélib”, sistema público de bicicletas de aluguel, de iniciativa privada, lançado há um ano pelo prefeito parisiense.
Quase tudo o que está aí em cima, você provavelmente já sabe; se não conferiu in loco, leu alguma das inúmeras reportagens veiculadas nos meios de comunicação de todo o mundo. E dizer que o “Vélib” leva a gente pra dançar, foi apenas um estratagema para atrair a sua atenção. A verdade, porém, é que, como o sistema público de aluguel de bicicleta leva o usuário vinte e quatro horas por dia a qualquer lugar dentro da cidade, leva também para as margens do Sena, onde, nas noites de verão, funcionam espaços de dança a céu aberto.
Nas três arenas construídas rentes ao rio, com arquibancada em forma de anfiteatro, a prefeitura promove bailes gratuitos de salsa, dança de salão e tango. O anfiteatro do tango é bem em frente ao ponto onde o Bateau Mouche faz a volta de 180 graus para retornar ao cais. Então, de repente, você está dançando e, entre um compasso e outro, leva um banho da água levantada pela manobra radical do barco de turistas. Aí, todos gritam “Uh, lá lá”. E Paris fica ainda mais Paris.
Mas o melhor da festa é ao final, pouco depois da meia-noite, quando a maioria dos freqüentadores monta em suas bicicletas e, numa alegria contagiante, vai embora pedalando pelas ruas da cidade. Pensei na hora como pegaria bem no Rio de Janeiro, onde é verão quase o ano inteiro, investir na possibilidade de substituir cada vez mais o carro pela bicicleta. E promover recreação gratuita em locais estratégicos a fim de incentivar o movimento noturno ao longo de toda a ciclovia.
É claro que existe a questão da segurança, que passa por um acordo entre governo estadual, poder judiciário e administração municipal, no sentido de depurar a polícia do Rio de Janeiro, pra começar. Por enquanto, é possível fortalecer o efetivo da Guarda Municipal e investir num código de conduta cidadã de respeito às leis que os próprios usuários de bicicleta divulgariam promovendo campanhas, maratonas e passeios coletivos. Além disso, a prefeitura poderia desenvolver um projeto para levar a ciclovia até a Central do Brasil e de lá adaptar uma linha de trem para uso exclusivo e permanente de ciclistas, atendendo a todo subúrbio carioca. Em Bogotá foi feito um esforço nesse sentido e hoje a cidade conta com 300 quilômetros de ciclovias, usadas principalmente por estudantes e trabalhadores.
Declarar guerra aos automóveis é tendência globalizada contra a poluição e o trânsito caótico das grandes cidades. Economizar fontes de energia hoje é questão, no mínimo, de boa educação. Governar para a maioria é uma imposição da atualidade. E como proporcionar diversão ao ar livre sempre foi vocação da Cidade Maravilhosa, não vejo porque perder a oportunidade nestas eleições de exigir que os candidatos a prefeito apresentem idéias e soluções para elevar a qualidade de vida da população e apurar o ar que o carioca respira. Assim, como os parisienses fazem agora, acabaríamos por recuperar nosso bom humor e, quem sabe, voltaríamos a saudar até os percalços da vida. Ou não é essa a nossa verdadeira índole?




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Uma correção: o Mar Morto está a 412m abaixo do nivel do mar.

Mar Morto

O Mar Morto povoou meu imaginário de criança desde os filmes bíblicos que via na televisão, nas tardes mornas de Semana Santa. Eram histórias impressionantes, cheias de malícia – talvez até impróprias para menores, se inseridas em contexto mais mundano – como as de Sodoma e Gomorra, cidades que teriam existido naquela região e desapareceram, punidas com a ira divina pela corrupção moral e perversão sexual de seus habitantes.

Assim, quando me convidaram para o Festival de Cinema Brasileiro em Israel, vibrei, acima de tudo, com a possibilidade de conhecer o mar da antiga Galiléia. Depois, fui correndo acessar o Google Earth para ver a exata localização do acidente geográfico na crosta do globo terrestre. E lá estava ele, um grande e misterioso retângulo negro encravado na divisa entre Israel e Jordânia. Cliquei na descrição técnica e li que o Mar Morto é na verdade um lago de 80 quilômetros de comprimento por 18 de largura, e fica a 280 metros abaixo do nível do Mediterrâneo. É extremamente salgado ao ponto de matar instantaneamente peixes e outras formas de vida que chegam a ele pelo rio Jordão; daí o nome sinistro e o motivo de ninguém afundar nas águas que cobrem o ponto mais baixo do planeta Terra.

Mas, ao contrário do que possa parecer, a crueza das informações prévias não diminuiu o impacto de estar lá, em carne e osso, alguns dias depois. Ao vivo, a visão do Mar Morto correspondeu inteiramente às minhas expectativas infantis, ao revelar-se uma das paisagens mais bonitas que já vi; cercada de penhascos escarpados, mesclados em tons derivados do branquíssimo calcário ao vermelho do arenito, surge a imensa superfície lisa, rivalizando em azul com um céu pleno de luz e vazio de nuvens.

E para melhorar o que já estava bom, ali perto fica o Parque Nacional Qumran, uma antiga colônia essênia, onde foram encontrados, entre 1947 e 1956, os manuscritos do Mar Morto. Passeando pelas escavações arqueológicas, penetrando grutas e cavernas, onde pastores beduínos acharam os primeiros pergaminhos escondidos em jarras de barro por quase dois mil anos, minha fantasia de criança foi superada e, como não há interferência de civilização ao redor das escavações, acabei por fazer, em pleno deserto da Judéia, uma fantástica viagem no tempo, imaginando no cenário épico ações em Cinemascope.

Delírios turísticos à parte, o passeio acabou por despertar minha curiosidade sobre a descoberta fantástica, no Mar Morto, de cerca de 850 documentos, inclusive textos do Antigo Testamento. Pesquisando, aprendi que eles têm valor inestimável para os israelenses. Escritos em hebraico, entre o século II a.C. e o primeiro século da era cristã, os pergaminhos são praticamente os únicos documentos bíblicos judaicos existentes daquela época. E, além de explicar o contexto político e religioso do início do cristianismo, revelam a validade do esforço de um grupo de judeus para resgatar a língua de seus antepassados.

O “Great Isaiah Scroll”, o mais bem preservado e completo manuscrito bíblico do Mar Morto, está em exibição especial, neste verão, no Museu de Israel, pela primeira vez em 40 anos. “Nação não deve levantar a espada contra nação, e ninguém mais deve aprender a guerrear”, diz uma passagem do texto de 2.100 anos, que pode ser lido por gente comum que visita o “Santuário do Livro”, salão do museu onde os documentos estão expostos.

Dois séculos depois dessa mensagem de paz ser escrita, a história judaica se dispersou, os judeus foram para o exílio, e o hebraico deixou de ser falado nos mil e setecentos anos seguintes. Seu renascimento representa um dos maiores feitos do sionismo e foi capitaneado por Eliezer Bem-Yehuda, um lituano que emigrou para a Palestina em 1881. As escrituras clássicas continham palavras para conceitos como justiça, perdão, amor e ódio, mas foi Bem-Yehuda que começou a atualizar o hebraico, inventando palavras novas - como meias e escritório, por exemplo – colhidas de raízes bíblicas e padrão arcaico.

O projeto de reviver a língua da Torah despontou, então, rapidamente na Palestina e, em 1914, pioneiros sionistas tomaram a decisão de adotar somente o hebraico nas escolas judaicas. Quando o estado de Israel foi fundado, em 1948, uma geração inteira de israelenses já falava o hebraico como língua nativa.

Hoje, o moderno hebraico é a primeira língua de milhões de israelenses que entendem o valor inestimável da conexão lingüística com o passado para o sentimento de identidade nacional. Não é pouco, num país que vive em estado constante de insegurança quanto a sua sobrevivência.


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México Urgente

A tarde estava quente como tarde de verão. Apesar do vento seco que levantava a poeira nas ruas do centro da cidade, o clima era ameno entre as pessoas que formavam grupinhos para conversar, na esquina da Alfândega com a Primeiro de Março, enquanto aguardavam a última notícia do palestrante que estava quase quarenta minutos atrasado e, àquela altura, já teria chegado ao aeroporto Santos Dumont.
Do lado de dentro do prédio, no auditório da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, filmes de alunos eram projetados para uma platéia formada pelos poucos que resolveram esperar sentados pela chegada do escritor e roteirista Guillermo Arriaga. Entre eles, alunos e ex-alunos, cineastas, produtores, atores e atrizes.
Zanzando de um lado para o outro – empunhando o celular, e atenta para o movimento na entrada do lobby – só Irene Ferraz, a diretora da escola e responsável pelo evento; indispensável, em sua opinião, para a formação dos alunos de cinema. Porque Irene é assim, mais beneditina do que jesuíta, investe mais na formação do que na excelência. E por conta disso, está sempre empenhada em trazer para a escola tudo o que contribua para dilatar a sensibilidade dos alunos e estimular seu potencial artístico.
O roteirista de “21 gramas” chegou com uma hora de atraso, acompanhado pelo colega Marçal Aquino, mediador do debate. Depois das desculpas devidas e aceitas, o brasileiro fez a apresentação do colega mexicano e contou que Arriaga estava no Brasil para divulgar seu novo livro, O Esquadrão Guilhotina, editado pela Gryphus, a mesma de seus outros dois romances, O Búfalo da Noite e Um Doce Aroma de Morte.
Na conversa que se seguiu, o tema principal foi o novo trabalho de Arriaga como diretor de cinema (“The Burning Plain”, com Charlize Theron e Kim Basinger). Isso ensejou o papo sobre a relação, em Hollywood, entre diretores e produtores. Esses últimos, segundo Arriaga, sempre presentes em duas ocasiões: “a de ajudar o diretor a fazer um filme melhor e a de não deixar o diretor fazer uma besteira.”
Quanto à diferença entre o trabalho solitário do roteirista e a atividade no set de filmagem, ele disse que não há nada mais divertido do que dirigir um filme “com uma grande equipe, mais de 150 pessoas, e muitas mulheres bonitas”.
Quando perguntado até que ponto um diretor autoral é respeitado pela indústria cinematográfica norte-americana, o roteirista de “ Os Três Enterros de Melquiades” foi taxativo:
_ Tudo em Hollywood depende de como você se vende. Se você se vender como diretor autor, vão te comprar como tal e respeitar seu trabalho autoral.
Nessa altura, eu perguntei a Arriaga se era verdade que seu roteiro de “Amores Brutos” havia sido reescrito 27 vezes antes de ser filmado. Ele não só confirmou a informação como disse que costuma reescrever até 50 vezes uma página de roteiro, e confidenciou ao público ali presente que a primeira página do seu primeiro romance foi reescrita OITOCENTAS vezes.
Exagero ou não, o fato é que essa declaração valorizou ainda mais, em minha opinião, a pessoa e a literatura de Gullermo Arriaga; por ele declarar, dessa forma, que não se considera um “gênio da raça”, mas um dedicado operário da arte de escrever.
Ao fim do debate, bem impressionada, levei ao escritor meu exemplar de seu novo romance para ser autografado. Quando me vi frente a frente com o roteirista de “Babel”, contei-lhe da viagem maravilhosa que fiz à Cidade do México no ano passado e conversamos um pouco sobre as diferenças e semelhanças entre nossos dois países. Poucos minutos depois, despedi-me de Guillermo Arriaga ainda mais bem impressionada. Nem tanto pelo dedo de prosa agradável que ele me dedicara, quanto pela beleza singular de seus grandes olhos azuis.

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Sobre Jerusalém

Jerusalém é a Disneylândia dos místicos. Foi a idéia que me ocorreu quando estive pela primeira vez na capital israelense, no mês passado. Em apenas um quilômetro quadrado, cercado pelas muralhas milenares da Cidade Velha, as três religiões monoteístas disputam corações e mentes de fiéis de todo o mundo que chegam à Terra Santa para reverenciar a memória dos principais personagens ou visitar os lugares mais sagrados da Bíblia e do Alcorão.
Localizada nas montanhas da Judéia, entre o mar Mediterrâneo e o mar Morto, Jerusalém – atualmente sob a jurisdição de Israel – tem uma história que remonta a 1004 a.C., quando foi fundada pelo rei Davi – o rapaz franzino que enfrentou e venceu o gigante Golias e depois unificou e transformou em nação as 12 tribos dos hebreus. Desde então, a cidade sofreu invasões, destruições, êxodo e retorno do povo judeu. O Muro das Lamentações é uma relíquia dessa história. Foi o que restou do Templo de Salomão – incendiado pelos romanos nos primórdios da era cristã. Para os judeus ainda há que visitar o Monte Sião, onde está o túmulo de Davi; o Monte das Oliveiras, com um antigo cemitério judaico; e o Monte do Templo, lugar em que os ortodoxos se recusam a pisar para não profanar a sua santidade.
A romaria dos cristãos à antiga Jerusalém busca percorrer o caminho do Calvário que leva à igreja do Santo Sepulcro, erguida sobre o local onde Cristo ressuscitou depois de crucificado, morto e sepultado. No Monte das Oliveiras, Jesus se reunia com os apóstolos. O salão no qual foi realizada a última ceia está intato até hoje. E os devotos ainda podem rezar sobre o túmulo da Virgem.
Terceira cidade mais sagrada para os islâmicos, depois de Meca e Medina, Jerusalém é o lugar da mítica viagem noturna de Maomé e da sua ascensão ao céu. Ali está o Pátio das Mesquitas, com a mesquita de Al-Aqsa e o Templo de Omar, além da impressionante Cúpula do Rochedo – onde reina a pedra que teria dado origem ao planeta.
Com tal concentração de monumentos e sobreposição de espaços sagrados para o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, fica difícil, mesmo para o melhor guia, evitar que o turista sem muito conhecimento das três religiões acabe por fazer na cabeça um samba do crioulo doido. Melhor seria que a cidade fosse explicada por camadas históricas em ordem cronológica, sem privilegiar uma ou outra crença. Como isso não acontece, o sucesso da visita a Jerusalém vai depender da afinidade entre a religião do grupo e do guia escolhido. Se não, o passeio vira uma batalha ideológica, com cada qual puxando a brasa para a sua sardinha. Mais ou menos o que tem acontecido na Cidade Velha, no decorrer do tempo, principalmente nos campos santos para os cristãos, onde diferentes ordens da Igreja Católica, como a dos franciscanos e beneditinos, construíram templos e capelas em lugares contíguos ou quase sobrepostos e que ainda têm que disputar o espaço exíguo com católicos ortodoxos.
Para mim, talvez fosse melhor ver os lugares santos preservados, sem a intervenção da Igreja, exatamente como aparecem nos filmes bíblicos de Cecil B. DeMille. Mas para a maioria das pessoas é diferente; elas se emocionam a cada metro quadrado, dispostas a verterem lágrimas sobressalentes quando uma simples coincidência torna a experiência de estar na Terra Santa algo quase sobrenatural.
Foi o que aconteceu com o nosso grupo que, atrasado, acabou por ficar preso na Igreja do Santo Sepulcro, exatamente às seis da tarde, quando os franciscanos vêm em procissão, de vela na mão, para a missa da Ave Maria. Neste momento as portas do templo se fecham, cai uma forte penumbra, e ninguém entra nem sai. Foi quando começou a tocar um órgão magnífico... Exaustos, decidimos nos sentar no chão e ali ficamos por um longo tempo, mergulhados em misticismo, afogados de emoção.

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Matéria da Gazeta Mercantil

A pedido dos que não conseguiram acessar as páginas do Caderno de Cultura da Gazeta Mercantil da última sexta-feira, vai aí a matéria publicada:


Haifa - A abertura da oitava edição do Festival de Cinema Brasileiro em Israel foi animada por um conjunto de bossa nova. O público que compareceu à Cinemateca de Tel Aviv comprou ingressos com antecedência e teve direito ao coquetel de abertura do evento, regado a caipirinha e guaraná de exportação gelado. Cinéfilos mais desinibidos chegaram a tentar alguns passos desengonçados de samba, minutos antes de ocupar os 700 lugares da sala de projeção para assistir ao filme “Tropa de Elite”. Muitos já tinham visto o trailer que apresenta o Rio de Janeiro como “a cidade mais violenta do mundo”, mas isso não diminuiu o impacto da estréia do longa-metragem de José Padilha que aqui, como em outros países onde foi exibido, dividiu opiniões. Ao final da sessão, metade da platéia aplaudia com entusiasmo a produção sobre a violenta atuação do BOPE no combate ao tráfico de drogas nas favelas cariocas, enquanto a outra parte demonstrava certa contrariedade. Yael Goren, de 22 anos, que acaba de dar baixa do serviço militar, foi à sessão com a mãe, Nimra Goren, advogada de 55 anos. Elas sabiam que o filme era violento, mas não esperavam que fosse tanto e disseram ter tido dificuldade de ficar até o final da projeção. Na saída da cinemateca, Yael declarava uma antiga vontade de conhecer o Brasil, porém, ao contrário de Israel, não acredita que se sentiria segura num lugar onde a polícia atua com tamanha truculência:
_ Aqui é diferente. Muitas vezes eu ando de ônibus ao lado de um soldado com a metralhadora encostada na minha perna, mas sei que ele é muito bem treinado e só usaria a arma para me defender.
Já Heror Cohen, estudante de cinema na Universidade de Tel Aviv, gostou do filme e fez um paralelo entre a situação do Rio de Janeiro atual e o holocausto dos judeus na Segunda Guerra Mundial:
_ Ainda é muito forte entre nós a memória de uma época, como a dos meus avós que morreram na Alemanha entre 1944 e 1945, em que a vida humana não valia nada, assim como acontece hoje com vocês.
“Tropa de Elite” também foi selecionado para abrir o festival na Cinemateca de Jerusalém, um belo prédio com quatro salas de projeção e um acervo de mais de 35 mil títulos, que vão desde as raridades dos primeiros registros de imagens em movimento do final do século XIX até os dias de hoje, cobrindo inclusive toda a história do jornalismo no século XX. O coquetel de abertura aconteceu nos jardins da cinemateca, de frente para a muralha da cidade velha, para um público mais formal que o de Tel Aviv, com menos jovens na platéia. Mesmo assim, muitos permaneceram em seus lugares depois da projeção, decididos a participar do debate com o ator André Ramiro, o tenente Matias do filme.
De tudo o que viram na tela, o que mais impressionou aos israelenses parece ter sido o fato de policiais envolvidos em corrupção e abuso de poder não ser devidamente punidos. Outros quiseram saber se no Rio de Janeiro existe um monumento para as vítimas da violência. Os brasileiros, em maioria na platéia do debate, mostravam-se indignados com a divulgação negativa que filmes com mesma temática de “Tropa de Elite” fazem do Brasil no exterior. Muitos chegaram a criticaram o apoio da embaixada brasileira ao festival.
Ao final do debate, na saída da cinemateca, ainda havia gente disposta a continuar discutindo o filme. Numa roda de amigos, Netanel, empresário de 28 anos, que não quis revelar o sobrenome, dizia ver os traficantes como terroristas que precisam ser eliminados da sociedade. Para ele, é inevitável que haja vítimas inocentes nesse tipo de guerra:
__Quando eu atuava no Exército de Israel, no combate ao terrorismo, ficava muito impressionado. Algumas vezes via o rosto de um jovem inocente morto no conflito por dois meses. Mas, você acha que podemos deixar os terroristas agirem livremente?
A pergunta pairou por alguns segundos no ar, até que o próprio Netanel continuou, desta vez contando que a coisa que mais lhe impressiona é saber que, apesar de tudo, o Brasil é um lugar de pessoas felizes. Ele disse se lembrar da dança de Ronaldinho Gaúcho para comemorar os gols no Barcelona e terminou levantando outra questão difícil de responder:
_ Como essas pessoas podem viver tão contentes rodeadas de tanta pobreza e violência? Como essas duas coisas podem vir juntas?
Em Haifa, a reação ao longa-metragem de José Padilha não foi muito diferente das outras cidades israelenses que abrigam o festival. Aqui, a platéia também ficou dividida e as questões discutidas ao final da projeção refletiam a oposição ideológica entre conservadores e progressistas na associação direta que fazem entre a luta contra os terroristas em Israel e os traficantes de drogas no Brasil. Enquanto os primeiros reiteravam o apoio à ferocidade das forças de segurança israelenses como fato inevitável do conflito com os palestinos, os outros criticavam a violência e os excessos cometidos em nome do combate ao terrorismo. Mas houve quem propusesse uma reflexão diferente. O filósofo Alon Ronit, de 60 anos, criticou o filme por supervalorizar as cenas de ação e negligenciar a condição existencial dos protagonistas:
_ O filme fica muito voltado para as coisas que acontecem do lado de fora e deixa de contar as transformações internas dos personagens, muito mais importantes para o bem-estar do homem a evolução do sentimento de humanidad

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Ainda Tel Aviv 2

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Faltou contar que o hotel onde nos hospedamos foi o primeiro cinema de Tel Aviv, construído nos anos 30, na melhor tradição do estilo Bauhaus. O prédio foi recentemente restaurado para se transformar num charmoso hotel-butique, mas como é histórico e tombado guardou as características originais, principalmente a fachada. Também foi mantida a bonita escadaria original, com desenhos geométricos em preto e branco, os lustres e arandelas de bronze e cristal, os cartazes de filmes antigos, e até mesmo (parece coisa de Woody Allen) algumas poltronas de madeira da sala de projeção com o “histórico” chiclete grudado. Além disso, vira e mexe, ao transitar pelas dependências do hotel, o hóspede se depara com uma velha câmera de cinema apontada em sua direção. A atmosfera única criada com toda a ambientação do lugar, mais o posicionamento estratégico dessas verdadeiras relíquias cinematográficas, acaba por tornar desnecessário o alerta:
Sorria, você está sendo filmado!

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Ainda Tel Aviv

Tel Aviv tem aproximadamente trezentos e setenta mil moradores, em grande parte jovens da segunda geração de israelenses, além da moçada que vem de todo o mundo para aperfeiçoar aqui o hebraico, ajudar na construção do país, ou mesmo – os de origem mais ideológica – alistar-se no serviço militar.
A cidade nasceu no início do século passado a partir da criação do sionismo; o movimento de caráter nacionalista que instou o povo judeu a construir uma pátria na região onde viveram seus ancestrais. Portanto, a Tel Aviv já existia quando foi fundado o Estado de Israel, em 1948, e guarda características da arquitetura modernista da primeira metade do século vinte. O bairro Branco é reminiscente dessa época. Ele é cortado pelo belíssimo bulevar Rothchild, com um largo canteiro central ornamentado de tamareiras e flamboaiãns, ladeado em toda a sua extensão por prédios de até quatro andares – todos brancos – construídos no mais puro estilo Bauhaus. Muitos dos prédios estão em obras de restauração, pois a região vem passando por um processo de revitalização dede que há mais ou menos uma década foi descoberta e invadida pelos artistas seguidos de gente rica e sofisticada, agora disposta a pagar uma nota preta para morar ali. Com a valorização imobiliária vieram os investimentos em lazer e serviços que transformaram a região no mais transada da cidade. Com quiosques chiquérrimos espelhados pelos canteiros centrais do bulevar, bares e restaurantes cheios de bossa e até champanheria. E tudo na maior descontração, com muita gente relax, conversando e bebendo pelas calçadas à noite e de dia, sentada com seus laptops nos inúmeros cafés que além de ar-condicionado, oferecem wi-fi de livre acesso para os fregueses. Pra mim, é um lugar próximo do paraíso (lembrando que a praia é logo ali).
Nosso hotel fica mais ao centro, numa área que deveria ser ainda mais valorizada, dada a proximidade com a orla de areia alva e o azul místico do Mediterrâneo. No entanto o que se vê no caminho até a praia são prédios de poucos andares em péssimo estado de conservação. À noite, durante jantar com o embaixador do Brasil em Israel, Pedro Coelho, comentei com sua esposa e secretária cultural da embaixada, Moira Coelho, o quanto aquele fato me intrigara. Ainda mais sendo esta a região dos melhores hotéis na cidade, como o Renaiscence e o Shaeraton. Moira, uma adorável carioca disposta a fazer com que a delegação brasileira tivesse a melhor acolhida em sua estada em Israel, prontamente me contou que, no início do sionismo, famílias judias da Europa compravam em quantidade pequenos terrenos nesta região para ter “pedacinhos da Terra Prometida.” Aconteceu que o Holocausto da Segunda Guerra Mundial acabou por dispersar esses proprietários e seus descendentes, os quais nunca apareceram para reclamar seu legado e dificilmente são encontrados agora pelos advogados especializados e empenhados em promover transações imobiliárias em Tel Aviv. Portanto, a maioria desses prédios é habitada por quem não tem interesse econômico no imóvel. Por um lado é uma pena, pois a região poderia ser muito mais bem conservada aproveitando o seu charme natural. Por outro, freou a especulação imobiliária que tiraria, principalmente, da avenida beira-mar a aparência adorável de uma Copacabana dos anos 50.

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Tamareiras

Tel Aviv - A viagem do Brasil para Israel é uma estirada e tanto. São mais de 24 horas, se contarmos do momento em que se chega ao Galeão até a hora do desembarque no Aeroporto Internacional de Tel Aviv, que por sinal é amplo e tem uma bela arquitetura moderna de máximo aproveitamento da luz solar. Cansadíssimos e resignados com a rigorosa revista que nos aguardava na imigração, fomos surpreendidos pelo trâmite sem demora e sem ostentação de forças de segurança nas áreas onde os passageiros transitam. O funcionário do Itamaraty que foi nos receber no início do desembarque me disse que, além dos cuidados da organização do festival para que não tivéssemos o menor transtorno em nossa chegada, o serviço de segurança israelense tem investido mais na estratégia de inteligência do que na de ação ostensiva. Assim, ainda segundo ele, agentes disfarçados se juntariam aos passageiros já na saída do avião, e seguiriam com eles, investigando qualquer atitude suspeita que imediatamente seria repassada para a segurança do aeroporto tomar as atitudes de praxe nesses casos, como a revista rigorosa e até a detenção para averiguação. Imagino que nossa bagagem também tenha passado por raio X, mas nenhum de nós quis saber mais desse assunto no caminho do aeroporto para o centro da cidade, banhado da luz dourada do entardecer e cercado em todo o trajeto pelas típicas tamareiras do oriente.

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