Um certo leão-marinho

Voltar a esse blog com algum assunto leve – depois de uma temporada ininterrupta de leitura pesada e acelerada que não me deu tempo de nada além de trabalhar – é o que me leva a escrever hoje. Porque se tivesse que tratar de coisas sérias, fatos graves, confabulações metafísicas ou qualquer questão relacionada a direitos autorais, por exemplo, não me aventuraria não. Ainda mais que antes de mais nada devo encerrar a historia do mergulho no Pacífico Sul.

Então, vamos lá. Foi em Vinha Del Mar, a cidade dos festivais de música dos meus anos dourados. Um balneário formoso e organizado, como quase tudo no Chile, com uma pitada de sofisticação nostálgica que me deu a sensação de estar em algum filme dos anos 60, com trilha sonora de Pepino di Capri.
Talvez a topografia da via litorânea que nos levou de Valparaiso a Vinha Del Mar, costeando a orla de pedras escarpadas pelo mar muito azul repicado de espuma branca, tenha feito eu voltar ao tempo das comédias românticas, nas quais casais enamorados zarpavam pela cote d’azur em seus conversíveis coloridos ao som de Sapore di Sale.

Mas acordei dessa “viagem” quando paramos num mirante e vimos um grupo de pessoas fotografando loucamente um rochedo em frente. Ao me aproximar da balaustrada, com a curiosidade aguçada pelo frenesi dos turistas, descobri uma família de leões-marinhos se esbaldando de mergulhar nas ondas revoltosas da encosta, para depois voltarem aos solavancos, cada qual ao seu lugar nas escarpas do rochedo.
Aparentemente eles fazem o maior esforço para subir, pois se jogam com todo o peso sobre as pedras e vão se arrastando para o alto em solavancos, contando apenas com o movimento ondular do corpo roliço para ajudar. Tampouco se manter ali parece fácil. A violência do mar os derruba de volta à água com frequência, e eles têm que empreender novamente, e desde o início, a maratona rochedo acima, até conseguir se firmar num lugar ao sol.

Diversão dificultosa a desses mamíferos, você diria. Qual é a graça afinal? Eu não sei bem, porque não me aventurei num mergulho naquela água gelada. Além do mais que soprava um ventinho frio e, apesar de ser verão, o clima é de sul da América do sul. Logo, uma combinação enregelante por demais.

No entanto, os leões-marinhos pareciam estar adorando o banho de mar. Posso até jurar que eles riam a valer a cada mergulho. E alguns ainda gargalhavam, tirando sarro dos mais desajeitados, aqueles que pelejavam para alcançar um encosto seguro no rochedo, tombados que eram sem cessar pela força das ondas constantes. Realidade ou fantasia? Pouco me importa. Relevante mesmo foi sentir a alegria contagiante daqueles bichos. Alegria, animação, entusiasmo, sei lá, só sei que ver a persistência de um leão-marinho mais gorducho, e mais lento que os outros, para alcançar as pedras e enfim poder descansar me animou a entrar na aula de natação no mar.

Agora, frequento a academia do campeão Luis Lima, na praia de Copacabana. Todo sábado, chova ou faça sol, lá vou eu de maiô, touca e óculos de mergulho. E, quando o mar está frio ou agitado, não me intimido não. Penso no meu leão-marinho gorducho e desajeitado, e nos muitos caldos que ele levou até alcançar seu lugar ao sol. Aí, eu entro nesse Atlântico Sul de cabeça, sem medo e sem frio, e mergulho com um sorriso no rosto e um calor danado no coração.