Saldo Semanal

“O ser humano é otimista por natureza”, foi uma das matérias em destaque nos jornais da semana que passou. Em estudo publicado na revista “Nature”, pesquisadores da Universidade de Nova York conseguiram através de ressonância magnética relacionar a tendência ao pensamento positivo a determinadas áreas do cérebro, responsáveis pela sensação de bem-estar. O estudo revela que grandes níveis de ativação na amígdala e no córtex cingulado anterior combinam com as tendências individuais ao otimismo. Tais mecanismos explicariam, portanto, a inclinação natural dos seres humanos a projetar eventos positivos para o futuro. Por outro lado, problemas de mau funcionamento nessas áreas do cérebro já foram relacionados, em estudos anteriores, a problemas de depressão ligados ao pessimismo.
A divulgação dessa pesquisa foi não apenas uma surpresa para mim, como talvez a oportunidade de elucidar um mistério com o qual venho há tempos matutando. Será que, por causa da alimentação ou talvez de herança genética, quem nasce no Brasil tem essas regiões cerebrais mais desenvolvidas que o normal? Ou o quê mais explicaria o fato de a maioria esmagadora dos brasileiros, de cidadãos cumpridores de seus deveres, acordar todos os dias, levantar e sair de casa para trabalhar? Convenhamos que viver neste país pode ser uma experiência de alto risco, pelo menos para os excluído do seleto grupo de privilegiados que vive amparado pela rede de proteção que o estado e o sistema garantem aos endinheirados e aos formadores de opinião.
Se não, vejamos o que dizem outras matérias em destaque na semana que passou:
“Neurocirurgiões abrem crânio a marteladas” A utilização de furadeiras de marcenaria em neurocirurgias é apenas um dos problemas dos hospitais públicos do Rio, onde se utilizam instrumentos ainda mais rudimentares como martelos e goivas para abrir a cabeça de pacientes com lesões cerebrais...
“Leite longa vida é adulterado até com soda cáustica” A fraude foi descoberta em cooperativas de Minas Gerais que, para ter mais lucro, misturavam soda cáustica, água oxigenada e citrato de sódio ao leite. Setenta e seis por cento do leite líquido consumido pelos brasileiros é longa vida. A Nestlé e a Parmalat teriam comprado o produto adulterado e agora a Polícia Federal fará coleta de amostras de leite em todo o país...
“Um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na favela da Coréia, no Alemão, é outra” diz secretário de segurança do Rio em entrevista à rádio CBN: “Buscar os traficantes na Zona Sul, no Dona Marta, no Pavão- Pavãozinho, estou muito próximo da população. É difícil a polícia entrar ali. Porque um tiro em Copacabana é uma coisa...
“Cabral defende aborto para frear fábrica de marginais na Rocinha” O governador Sérgio Cabral afirmou que as altas taxas de natalidade em localidades pobres, como a Rocinha, são verdadeiras fábricas de marginais...

Quer dizer, se a natureza do ser humano é ser otimista, o brasileiro comum é, dos seres humanos, o mais natural. E, se ser otimista é uma questão de ativação na amígdala e no córtex cingulado anterior, o carioca médio sofre de hiperatividade nessa região cerebral.

Razão e Sensibilidade

Embora desconfie de que ninguém agüenta mais discutir Tropa de Elite, peço licença aos meus eventuais leitores para cometer alguma inconveniência e voltar ao assunto uma última vez. Acontece que só agora consegui assistir ao filme. Então, mesmo atrasada, sinto a necessidade de tecer considerações a respeito, caso contrário fica o blog sem razão de ser, pois blog é justamente o espaço que inventaram na internet para quem quiser dizer o que pensa, é a mídia de cada um, sem censura, sem mercado, sem patrão...
Portanto, este é o lugar para contar que tentei ver o filme em casa, no aconchego do lar, e que não consegui. Não por falta de opção, mas porque meu velho aparelho de DVD é elitista e rejeitou todas as cópias piratas que comprei ou tomei emprestadas dos amigos, os quais não vou dedurar, pois se blog tem regra é a de que cada qual faz a sua, e a minha é manter a discrição.
Então, pra encurtar assunto, sou a favor da pirataria por acreditar no princípio da livre iniciativa, pois se é economia de mercado, ele, mercado, que encontre a solução para fazer chegar um produto ao maior número de pessoas, de maneira tal que a coisa se pague por essa via e ainda agregue algum valor. E produtores e distribuidores que briguem com o governo contra o imposto de 47,5%
sobre DVDs, taxa a meu ver exorbitante para produtos culturais, ainda mais num país onde o salário mínimo não passa de 250 dólares.
Dito isso, vamos ao assunto principal: em minha opinião, Tropa de Elite é uma obra reacionária e até fascista na medida em que, no roteiro, no enquadramento e na fotografia, dá ao capitão Nascimento tratamento de herói (e não é à toa que o protagonista é galã de televisão). Tropa de Elite é também um filme muito bem feito e bem dirigido, ironicamente pelos mesmos motivos que o tornam eficiente ao reeditar a velha dicotomia entre o bem e o mal, sem nuances, sutilezas, sem razão e sensibilidade. Mas o pior é que neste caso, trata-se da luta entre o péssimo e o ruim. E, para mim, o mal nunca é a melhor solução, ainda mais quando se trata de ponto de vista numa cidade partida.
Ora, no filme, se de um lado está o tráfico,sem dúvida, fora da lei, do outro está uma patrulha violenta, arbitrária, torturadora e assassina que se arvora o direito de agir em nome da “lei”. No meio da ação, que ocorre à margem do direito formal, infiltra-se a mensagem totalitária de que ou você está do meu lado, ou está contra mim. E o filme se exime, ainda, de qualquer dimensão psicológica ou social ao condenar sumariamente, por exemplo, um adolescente morador da favela por não resistir ao desejo de possuir um tênis importado. Desta forma, defende a tese do livre arbítrio e se engaja numa estética maniqueísta que em nada contribui para aproximar os dois lados partidos desta cidade. É lamentável.

Rio Messiânico

O único detalhe negativo de uma viagem ao México, a meu ver – além de ter que voltar, claro –, é ter que ficar mofando no aeroporto de Guarulhos por mais de seis horas na ida e na volta. A tortura é conseqüência da ausência de vôo direto entre o Rio de Janeiro e a capital mexicana e da falta de ponte aérea entre Rio e São Paulo no aeroporto paulista, em horários mais próximos aos do vôo internacional. Se atentarmos para o fato de que desde os primórdios da aviação comercial no Brasil os vôos internacionais tinham início no Rio de Janeiro, dar-nos-emos conta de mais uma entre as inúmeras vantagens que a cidade perdeu por conta do vertiginoso esvaziamento econômico que sofre desde os anos 80.

Mas lá se vão quase trinta anos e o carioca continua o mesmo. Depois da praia, vai fazer hora na esquina ou na mesa de um bar. Ali, entre umas e outras, vocifera contra todos, malha governantes do presente e do passado, transita com fluência pelos assuntos mais quentes das esferas federal, estadual e municipal e, de repente, pára tudo para ver uma garota gostosa passar. Então, distraído, muda de assunto para futebol e volta pra casa, satisfeito, em estado de catarse quase total. E dessa forma, docemente, vai entregando de bandeja qualidade de vida para o sumidouro das mazelas que engolfam a sua cidade. Todas já tão nossas conhecidas que nem vale a pena listar.

É verdade que de vez em quando pinta um movimento de resistência, de indignação. Mas começa vago e acaba anêmico. Aconteceu como muitos “bastas” que já vimos por aqui. É que o carioca adora uma moda, mas tem por costume abandoná-la tão logo a novidade pegue, para estigmatizá-la em seguida como aquilo que “já era”. E como por essas bandas ninguém quer “pagar um mico”, fica tudo como está, até que um novo e dramático evento catalise as atenções para mais conversa de bar e, quem sabe, um novo esboço de reação.

Já ouvi dizer que se a capital federal ainda fosse no Rio, ninguém segurava um governo assolado pelo mensalão, muito menos um presidente do Congresso Nacional afundado em escândalo de corrupção. Com perdão da rima, não sei não...
Vejo o carioca de hoje ainda mais contaminado pelo vírus do messianismo do que sempre foi o conformado nordestino. Percebi isso nas conversas sobre o filme Tropa de Elite que, segundo o entendimento de um bom número de pessoas, e para a euforia geral da cidade, oferece ao público a hipótese de um salvador, um Herói Nacional, espécie de D. Sebastião tupiniquim que, se replicado em série, devolveria ao Rio os anos dourados que não voltam mais. É mais um assunto animado pra morrer afogado nos copos de um bar.

Sem dó, nem piedade.

É caminhanhando pelas ruas de uma cidade que se descobrem suas peculiaridades e as características mais aparentes de sua gente. Mesmo na cosmopolita Nova Yorque pode-se perceber a vocação da cidade para fazer com que todos sintam-se cidadãos do mundo sem precisar abrir mão de tradições e costumes originais. Assim é no Rio de Janeiro, onde Mick Jagger observou que as pessoas mais dançam do que propriamente andam nas calçadas. Assim é em todo o mundo, acredito, pois conheço menos do nosso planeta do que gostaria e deveria conhecer. E na cidade do México não é diferente. Em andanças por entre ruas e praças ensolaradas, vou colhendo as impressões mais genuínas, colecionando as lembranças mais duradouras.
Apesar de saber que passeio a pé pelas ruas da maior capital da América Latina, tenho quase sempre a sensação de estar numa cidade menor, com menos gente e menos poluída do que indicam os números oficiais. Aqui, há muito céu à vista, há sempre uma brisa no ar mechendo de leve com as folhas das árvores e a sensação do pedestre não é de calor sufocante, apesar do sol forte dessas manhãs de outono.

Observando melhor percebi que a sensação agradável de amplitude e frescor deve-se à grande maioria dos prédios da capital mexicana ser de no máximo seis andares, enquanto em qualquer outra metrópole o mesmo terreno abrigaria um edifício muito maior. É que além de contar com um amplo território para crescer ao seu próprio redor, a cidade do México está sujeita à terremotos e em 1985 sofeu um de mais de 9 graus na escala Richter, o qual destruiu grande parte da cidade, levando abaixo casas, edifícios e prédios públicos, matando milhares de moradores. Com um solo instável, os prédios altos têm construção caríssima, pois precisam estar estruturados em engrenagens hidráulicas de engenharia sofisticada com compensação inversa no mesmo tamanho de sua altura exterior. É claro que se trata de um triste episódio na história da cidade. No entanto, é natural reconhecer as vantagens de ter no céu mais estrelas pra contar.
Outro detalhe importante para o bem estar dos moradores é a quantidade de parques no perímetro urbano. Para cada bairro há no mínimo dois, com muitas árvores, alamedas e jardins. Todos bem cuidados, limpos e desfrutáveis, com bancos confortáveis e sensação de segurança que a própria ocupação dos moradores garante. Andei em muitos deles e não vi população de rua, pedintes, menor abandonado ou menino explorado vendendo chiclete. Vi gente de todas as idades curtindo o espaço público com tranquilidade e postura cidadã, respeito ao próximo e cordialidade entre si.

Passeando por esses lugares, praticando o exercício do tempo largo, meu hobby favorito, percebi que por estas bandas há sempre um sorriso no ar... e um cheiro forte também. É o aroma das frituras, misturas e temperos das comidas feitas a granéu, e vendidas a varejo nas calçadas. São tantas as barracas e é tanta gente comendo ao ar livre, principalmente na hora do almoço, que fica difícil imaginar um meio-fio asseado em tamanha confusão. Mais é, acredite. Não há papel no chão, detritos ou restos de comida espalhados. Todos usam as cestas colocadas próximas às barracas e aproveitam os mais deliciosos quitutes comendo de pé, na mão, em pratinhos de plástico ou no próprio guardanapo. Páreo, só o tabuleiro da baiana, na querida Salvador.
Mas aqui a variedade é que faz a diferença. É um sem número de opções pra freguês nenhum botar defeito. Nos tacos, tortilhas, tortas, guisados, moles, frijoles, cremes, coberturas e recheios, chiles e etc, etc, etc as possibilidades de combinações diversas elevam a oferta a décima potência. E o povo da cidade do México se alimenta assim feliz... Sem culpa, sem dó, nem piedade.