Sem dó, nem piedade.

É caminhanhando pelas ruas de uma cidade que se descobrem suas peculiaridades e as características mais aparentes de sua gente. Mesmo na cosmopolita Nova Yorque pode-se perceber a vocação da cidade para fazer com que todos sintam-se cidadãos do mundo sem precisar abrir mão de tradições e costumes originais. Assim é no Rio de Janeiro, onde Mick Jagger observou que as pessoas mais dançam do que propriamente andam nas calçadas. Assim é em todo o mundo, acredito, pois conheço menos do nosso planeta do que gostaria e deveria conhecer. E na cidade do México não é diferente. Em andanças por entre ruas e praças ensolaradas, vou colhendo as impressões mais genuínas, colecionando as lembranças mais duradouras.
Apesar de saber que passeio a pé pelas ruas da maior capital da América Latina, tenho quase sempre a sensação de estar numa cidade menor, com menos gente e menos poluída do que indicam os números oficiais. Aqui, há muito céu à vista, há sempre uma brisa no ar mechendo de leve com as folhas das árvores e a sensação do pedestre não é de calor sufocante, apesar do sol forte dessas manhãs de outono.

Observando melhor percebi que a sensação agradável de amplitude e frescor deve-se à grande maioria dos prédios da capital mexicana ser de no máximo seis andares, enquanto em qualquer outra metrópole o mesmo terreno abrigaria um edifício muito maior. É que além de contar com um amplo território para crescer ao seu próprio redor, a cidade do México está sujeita à terremotos e em 1985 sofeu um de mais de 9 graus na escala Richter, o qual destruiu grande parte da cidade, levando abaixo casas, edifícios e prédios públicos, matando milhares de moradores. Com um solo instável, os prédios altos têm construção caríssima, pois precisam estar estruturados em engrenagens hidráulicas de engenharia sofisticada com compensação inversa no mesmo tamanho de sua altura exterior. É claro que se trata de um triste episódio na história da cidade. No entanto, é natural reconhecer as vantagens de ter no céu mais estrelas pra contar.
Outro detalhe importante para o bem estar dos moradores é a quantidade de parques no perímetro urbano. Para cada bairro há no mínimo dois, com muitas árvores, alamedas e jardins. Todos bem cuidados, limpos e desfrutáveis, com bancos confortáveis e sensação de segurança que a própria ocupação dos moradores garante. Andei em muitos deles e não vi população de rua, pedintes, menor abandonado ou menino explorado vendendo chiclete. Vi gente de todas as idades curtindo o espaço público com tranquilidade e postura cidadã, respeito ao próximo e cordialidade entre si.

Passeando por esses lugares, praticando o exercício do tempo largo, meu hobby favorito, percebi que por estas bandas há sempre um sorriso no ar... e um cheiro forte também. É o aroma das frituras, misturas e temperos das comidas feitas a granéu, e vendidas a varejo nas calçadas. São tantas as barracas e é tanta gente comendo ao ar livre, principalmente na hora do almoço, que fica difícil imaginar um meio-fio asseado em tamanha confusão. Mais é, acredite. Não há papel no chão, detritos ou restos de comida espalhados. Todos usam as cestas colocadas próximas às barracas e aproveitam os mais deliciosos quitutes comendo de pé, na mão, em pratinhos de plástico ou no próprio guardanapo. Páreo, só o tabuleiro da baiana, na querida Salvador.
Mas aqui a variedade é que faz a diferença. É um sem número de opções pra freguês nenhum botar defeito. Nos tacos, tortilhas, tortas, guisados, moles, frijoles, cremes, coberturas e recheios, chiles e etc, etc, etc as possibilidades de combinações diversas elevam a oferta a décima potência. E o povo da cidade do México se alimenta assim feliz... Sem culpa, sem dó, nem piedade.

Um comentário:

Bruno e Monica vão se casar disse...

Oi Leila ! Desde quando vc tá aí ? A descrição que vc faz da Cidade do México,é muito parecida da que eu faço de Pequim. A única diferença é que o chinês come tudo que voa, menos avião ... e tudo que anda, menos cadeira.
Bjs