O país do desperdício

São Paulo é tudo de bom para uma visita rápida. Foi no mês de maio, do tradicional tempo bom. Independentemente da estação, seja inverno ou verão, o clima no mês das noivas costuma ser de sol e temperatura amena em quase todo o planeta. Então, não tem muito erro na hora de fazer a mala, o que já alivia bastante a má vontade do carioca em relação à capital paulista. Porque do contrário, a gente nunca sabe o tempo que pode fazer na terra da garoa. E aí é que a coisa pega, pois para não ser pego de calça curta, deve-se carregar duas vezes mais roupas, para inverno (se chover), e para verão (em dias de sol). Mas em maio não, em maio os dias são limpinhos, azulzinhos, faz friozinho, e à noite é mais frio ainda, mas sem aquela umidade enjoada no ar.

Eu fui à cidade principalmente para ver duas exposições de artes plásticas que me interessavam sobremaneira. A primeira, uma retrospectiva em homenagem ao Hélio Oiticica, um artista que cada vez mais se torna referência para a compreensão da arte contemporânea. Um intelectual que refletia sobre seu trabalho, registrando em texto suas experiências artísticas, suas intenções com cada obra. E esclarecendo, sempre que tinha a oportunidade, em entrevistas e depoimentos, seu processo criador.

A mostra põe à disposição do público o pensamento e inúmeras obras de Oiticica, entre elas o Parangolé (“Tudo começou com a formulação do Parangolé, em 1964, com toda a minha experiência com o samba, com a descoberta dos morros, com a arquitetura orgânica das favelas cariocas ...”), na sede do Itaú Cultural na Avenida Paulista. E ainda distribui, em locais de grande fluxo na cidade, obras da série Penetráveis, construídas de forma a serem penetradas pelo espectador. Não poderia ser melhor a ilustração de um dos principais conceitos elaborados por Hélio Oiticica, o de que a arte só se completa com a participação das pessoas.

A outra exposição foi Andy Warhol, Mr. América, na Estação Pinacoteca. O espaço é formidável e merece uma postagem especial, já que entre outras coisas abriga uma homenagem às vítimas do DoiCodi, na época da ditadura militar. Mas voltando à mostra de Warhol, a maior exposição do gênio da arte pop já feita no Brasil nos revela um artista enraizado no seu tempo e, por isso mesmo, capaz de traduzir em comentários perspicazes e nos trabalhos violentamente poéticos, o pathos da América da segunda metade do século XX.

Na mostra estão desde as Latas de Sopa Campbell’s aos retratos de Mohamed Ali e Pelé. Ao lado deste último um comentário do artista do dia em que fotografou o rei do futebol, em sua casa, em Nova York. Warhol diz que uma das coisas mais interessantes que viu na vida foi o fato de que no Brasil há pessoas de várias cores diferentes na mesma família.

É mesmo assim o nosso país, tão cheio de possibilidades que ainda não conseguimos entendê-lo muito bem. Quanto tempo perdido na discussão de cotas raciais! Quanto tempo perdido em disputas inócuas. Veja só, temos duas cidades como Rio e São Paulo, há menos de uma hora de avião uma da outra, as duas com aeroportos próximos ao centro, cada uma com mais atrações que a outra e em vez de promover o entrosamento cada vez maior entre elas e seus moradores, um intercâmbio comercial, cultural, artístico e turístico, que favoreceria as duas, estamos sempre a compará-las numa competição que não leva a nada.

É mesmo o país do desperdício esse Brasil.


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