E assim caminha a humanidade...

No Aurélio, xodó quer dizer envolvimento amoroso, namoro, paixão. Ou ainda, por metonímia, indivíduo por quem se estabelece um vínculo de afeto, estima, apreço, afeição. Desta forma, alguém pode dizer que fulano ou fulana é seu xodó. Só que eu não vou tratar de gente aqui. Tampouco é para falar sobre animais de estimação que eu volto a esse blog, depois de longo inverno. Até porque eles são considerados gente para muitos de seus donos e eu, que nunca entendi direito isso de achar que bicho é gente, prefiro não entrar nessa seara.

Portanto, eu quero mesmo é falar de coisas que são ou foram um xodó para mim, coisas das quais eu tive que me desfazer, não sem sofrimento, quando as contingências me obrigaram. Como quando mudei de um casarão em Santa Teresa, onde vivi por muito tempo. Além de perder o convívio em um dos bairros mais adoráveis do Rio, com suas ruas de paralelepípedo, a legião de inofensivos bichos-grilos e a alegria do sobe e desce do bondinho, deixei para trás alguns objetos que foram meus verdadeiros xodós. Desta forma, lá ficou um lindo anjo de madeira rústica que, postado à entrada de casa, parecia proteger bravamente nossa existência.

Li recentemente que o Deepak Chopra acredita ser o amor uma constante que permeia o Universo. Meu cunhado, o Bi, costuma dizer que o amor é a costura do mundo, é ele que nos une a tudo que prezamos, e seria ele ainda o responsável por nossa longa convivência com, por exemplo, uma certa cadeira que nos acompanha para onde quer que nos mudemos, ou aquela jaqueta de jeans que usamos raramente mas da qual nunca conseguimos nos desfazer, ou mesmo um copo de cristal que está na família desde o tempo da bisavó. Amor, apego, carinho ou xodó? Chame como quiser, o fato é que há mesmo uma liga, um tanto misteriosa, entre nós e alguns objetos.

Mas há que deixam saudades por motivos diferentes, como o meu antigo aparelho de televisão, de muitas polegadas, comprado e inaugurado no dia da morte de Airton Senna, vejam só há quanto tempo. Pois dele me desfiz há pouco. Troquei-o por um moderníssimo monitor de mais algumas polegadas, alta definição, visão lateral e outras modernidades aproveitadas apenas em conexão com outros aparelhos, porque para assistir à programação da nossa rede aberta não dá. Para ver a novela da Globo, por exemplo, é preciso fazer um ajuste na tela, já que a produção global é captada em medida diferente. E com o ajuste necessário, a tela fica reduzida ao padrão do antigo aparelho. Resumo da ópera: o arrependimento de ter perdido sem grandes motivos uma TV tão querida e familiar, ao ponto do meu filho cumprimentá-la solenemente quando vinha me visitar.

Além disso, eu desconfio que existe o xodó inverso, ainda mais misterioso, pois se trata do amor que alguns objetos demonstram por nós. Falo daqueles artefatos que nos acompanham desde sempre, e quase que independentemente da nossa vontade. Algo sem muito valor, beleza ou serventia, mas que, sabe-se lá porque, não quebra apesar de ser de vidro e não some apesar da dimensão reduzida e das muitas mudanças da vida.

É o caso de uma tigela de vidro verde escuro, da qual eu nunca me lembro, e que entrou em minha vida como um presente de casamento. Ela fica lá, quietinha, no fundo de um armário e raramente é utilizada. Mas gosto dela mesmo assim. Não porque seja especial, bonita ou de valor, mas simplesmente porque há anos está lá e, mesmo esporadicamente, tem ajudado a servir gostosas saladas aos filhos e amigos e, o mais interessante, só agora me dou conta do quanto conto com ela para servir receitas ainda mais saborosas aos netos que terei um dia.


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