Mergulhada em livros

Ando mergulhada em livros. É o meu trabalho atual. Devo ler uma média de quatro por semana, e mais as pesquisas sobre os respectivos autores, e ainda teses e dissertações sobre o assunto que os reuniu e que será tratado no próximo programa da série que criei e que apresento na televisão. Quando paro de ler, está na hora de escrever. Aí é o roteiro do programa ao vivo, o roteiro das entrevistas externas gravadas, os espelhos dos roteiros, e mais um arrazoado sobre o tema, relatórios e atas de reuniões, a pauta..., reportagens... Ufa, está certo que eu gosto de ler e escrever, mas o volume de textos a construir e consumir é tal que outra noite me peguei sonhando com letras que subiam e desciam, formavam caminhos que se transformavam em labirintos. E eu, distraída, acabava me enveredando pelas alamedas de fícus frondosos e compactos, quase maciços, podados em linhas retas formando paredes intransponíveis, cada folha uma letra compondo com as mais próximas, para cima ou para baixo ou ainda para os lados, as palavras que junto a outras construídas da mesma maneira e nas mais variadas direções compunham o enigma a ser decifrado, a minha linha de Ariadne, a chave para a saída daquele bosque cubista assustador, que a essa altura pareceu-me ainda mais tenebroso, pois senti alguma vibração ao meu redor, primeiro muito sutil, umas folhas-letras se movendo levemente, parecendo vibrar ao movimento da minha respiração, mas logo percebi que mais à frente outro grupo de folha-letras se movia e as palavras que eu já havia construído e selecionado para justapor a outras, de maneira a fazerem juntas algum sentido, começavam a se embaralhar. E eu perdia o fio da meada. Segui, o pé no chão frio de terra, os olhos atentos aos significados, mais um grupo de folhas-letras se moveu, separando-se da parede verde compacta, e pude ver os galhinhos se insinuando para a frente, crescendo, num movimento ainda lento, porém contínuo, um geotropismo negativo e irregular. Ora um ramo, ora outro, e mais outro, como se fossem parte de um organismo que começava a despertar. Vou em frente, tenho pressa, já não procuro letras, não há como formar palavras, tento imaginar outra maneira de tudo fazer algum sentido quando um galho mais robusto se levanta, e vem rápido em minha direção, sua extremidade em garras estaca em frente aos meus olhos, meu coração bate forte, devo me acalmar, é só o vento. Vejo as plantas que já começam a se libertar das formas rígidas, já não formam mais um muro como os de uma prisão, porém a respiração da coisa aumenta e nesse momento o céu escurece, depois torna a clarear, olho para o alto e vejo a lua fugir das nuvens numa corrida frenética, um vai-e-vem maluco, sua luz relampejando sobre os galhos que já começam a crescer mais rapidamente e as folhas se movem chacoalhando letras que se apagam de verde escuro, muito escuro, e os galhos cada vez maiores, e o labirinto vai se transformando num bosque, um emaranhado de galhos que se fecha mais à frente e eu me volto assustada, tenho muito medo, quero retornar, mas pressinto que a coisa está me observando, talvez tenha alma de fera, quem sabe se assanha com o cheiro de pavor. Paro. Tento me controlar, quero raciocinar, buscar uma saída, penso em rezar, mas não há tempo, nem palavras de oração. Nessa hora a lua se liberta e eu vislumbro adiante uma clareira, decido ir naquela direção, me agacho e passo por entre as sebes que agora se fecham atrás de mim; vou rastejando, sempre em frente... Não é possível retornar. Essa convicção me dá um certo alívio, não há mais dúvida, não há o que decifrar, é seguir, seguir por entre as árvores agora formando unidades independentes, delineadas, com tronco e copas frondosas, crispadas, a me aterrorizar. Crio coragem, quero enfrentar suas formas tenebrosas, claudico. Uma baforada de ar quente sopra em minhas costas, viro-me para trás, sinto um cheiro ácido e úmido. É hálito, é coisa viva, não sei se é ainda pior, nem sei bem o que pensei, pois nesse momento o chão começa a se mover para cima e eu sou empurrada para a frente, obrigada a apressar o passo, e corro, corro muito, sentindo a coisa se avolumar e sua sombra quase me alcançar, e reúno forças, e corro ainda mais rápido, meus pés descalços sobre a superfície lisa da luz, olho para traz e a coisa já forma um rolo compressor de escuridão, vem devorando tudo, engolindo a própria sombra, eu ganho distância, ganho chão iluminado, olho novamente para trás, vejo a coisa-escuridão se consumindo no próprio breu, mais compacta, mais densa, a se concentrar em si mesma até desaparecer em trevas.

Agora tudo é luz, meus rosto inundado de luz branca e intensa...

A luz da luminária acesa na mesa de cabeceira, o livro aberto sobre o peito, meus óculos caídos no chão... Respiro fundo, vejo as horas no relógio à minha frente, são quatro da manhã. Ajeito os travesseiros, puxo a coberta mais para cima, ponho os óculos e começo a ler a segunda parte de “A espinha dorsal da memória”, o livro de Braulio Tavares. É o melhor entre os escolhidos para o próximo programa sobre ficção científica.


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Fatos e Fotos

Aí em baixo são fotos da entrevista que fiz com Moacyr Luz sobre os sambistas que fizeram a crônica da cidade. Gravamos em Santa Teresa, numa linda tarde de verão. As locações são (na ordem) o Bar do Mineiro e a Casa de Cultura Laurinda Santos Lobo. O programa vai ao ar na próxima quinta-feira, na Band Rio, e eu espero que vocês gostem.
Outra coisa que eu quero contar é que só volto a escrever neste blog daqui a uma semana, pelo menos. Peço desculpas, mas o fato é que estou com um probleminha de LER, vocês sabem, quando isso acontece é preciso evitar usar o computador por um período de tempo, fazer acupuntura e exercícios de alongamento. Prometo que vou me esforçar para ficar logo boa. Abraços.



São fotos da entrevista que fiz com Moacyr Luz sobre os sambistas do Rio. Vai ao ar no programa desta semana. Quinta-feira, às 14.00hs, na band.

Copacabana engana

Copacabana engana quem acredita que vida noturna bacana no Rio só a da Lapa ou do Leblon, para ficar nos dois extremos de gosto que fazem desses pólos de lazer e gastronomia os preferidos da mídia e, por conseguinte, os mais visitados por turistas dos outros estados do Brasil.

Ipanema há muito que anda desanimada. Quando acaba o verão, depois das seis da tarde, o bairro, facilmente comparável ao paraíso durante o dia – a praia deslumbrante com as pessoas mais bonitas, alegres e charmosas ao redor – , cai numa escuridão de dar medo. Com exceção da Farme de Amoedo, a única a enfileirar bares e restaurantes, as ruas ficam desertas e alguém em seu juízo perfeito não se arriscaria a cruzar seus quarteirões com os pertences à vista.

Botafogo conta com um bom número de bares e restaurantes. Tem cinema e teatro também. Porém distantes entre si. Não dá para ir de um lugar a outro sem ouvir soar o alerta de “perigo, perigo, perigo...”, como diria o simpático robô de Perdidos no espaço.

Já Copacabana, desprezada como opção noturna nas últimas décadas, entre outras coisas por causa da onda dos “baixos”, celebrizados em outros bairros pela juventude boêmia decidida a esticar até o dia seguinte a féerie da noite anterior, está batendo um bolão em relação aos seus congêneres da Zona Sul. Vou aqui reproduzir meu programa de ontem à noite pra você avaliar se há exagero na premissa desta crônica.

Fomos ao Espaço Sesc, um prédio moderno e confortável, na rua Domingos Ferreira, assistir à peça Espia uma mulher que se mata. Para assegurar dois lugares na récita das 21:30hs chegamos uma hora antes ao local. Estacionamos o carro bem pertinho e rapidamente compramos os ingressos ao preço módico de dezesseis reais a inteira. Fomos então fazer a horinha que faltava no Cafeína da Constante Ramos, a poucos metros dali. Lá, tudo é gostoso. Eu escolhi um capucino médio, servido com financier. Meu amigo pediu um rocambole de morango com suco de laranja (não há nada como malhar duas horas por dia para liberar o apetite). Um lanche perfeito para cada qual segurar a fome até depois da sessão.

Gostamos da peça, uma releitura de Tio Vânia, de Tchekhov. O texto do argentino Daniel Veronese mantém o sentido original de crítica à decadência de uma família da aristocracia rural, na Rússia do final do século XIX, no momento em que questiona o esforço para garantir a inútil pompa intelectual de um dos seus membros, que vive na cidade às custas do trabalho árduo dos que administram a propriedade no campo.

Roberto Bomtempo, na pele de Tio Vânia, mostra um belo amadurecimento como homem e ator. O resto do elenco me pareceu apenas correto. Com exceção de Mirian Freeland que faz Sônia, a sobrinha. Papel sempre cobiçado por jovens atrizes estreantes, representa uma garota romântica, ingênua e resignada, mas que tem na força de caráter um grande apelo junto ao público. A atriz desperdiça as possibilidades do personagem com uma interpretação caricata. É um detalhe que incomoda mas não chega a comprometer a direção do também argentino Marcelo Subiotto. E o melhor foi conferir a quantas anda o teatro dos “hermanos”. Vai bem, obrigado.

Às onze da noite saímos do teatro e fomos a pé escolher na redondeza um lugar para beber, comer e conversar sobre a peça. Foi quando nos surpreendemos com a quantidade de opções num mesmo quadrilátero. Logo na primeira esquina tem a pizzaria Caprichosa. Já na Avenida Atlântica, há o bar do Hotel Pestana, aberto para o mar e com uma iluminação muito bonita. Indo mais à frente tem o tradicional Dom Camilo, com a parte fechada e mesas no calçadão. Juntinho, o Copa Café, mais escurinho e bem mais sofisticado. Ao lado, o novo Devassa com o seu público jovem habitual. Aí já estávamos na esquina com a Bolivar... Então, é só voltar em direção à Avenida Copacabana para encontrar o Belmonte que, além de um chope pra ninguém botar defeito e um caldo verde dos legítimos, tem sempre lugar pra mais dois. Como se vê, boas opções para todos os gostos, propósitos e poder aquisitivo. E ainda há os restaurantes tradicionais de Copa, como o Caravelle. Tudo em dois quarteirões com os botequins repletos de gente bebendo e conversando nas calçadas. Quando Voltamos para o carro, já passava de meia-noite, foi aí que lembramos que andando na direção contrária ao mar, há na Constante Ramos a mais autêntica crêperie da cidade. Deixamos para a próxima, que sempre haverá uma oportunidade para curtir, numa boa, a princesinha do mar.


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