PLAGAS TIJUCANAS

A crônica surgiu na Idade Média com a função de registrar fatos reais ao longo do tempo. E ao longo do tempo foi perdendo o caráter de documento oficial, na medida em que se aproximava do leitor. Entre nós, a crônica apareceu vinculada à imprensa e ao compromisso romântico de fundação de uma literatura nacional, para se consolidar, ao passar dos anos, como gênero literário mais apreciado pelos brasileiros.

E foi no Rio de Janeiro que a crônica caiu no gosto do povo. Pois além de se ver muitas vezes retratado em textos da mais fina tradição, o carioca reconheceu em bairros, ruas, bulevares e recantos da cidade cenários reveladores da mentalidade da época e das vivências das diferentes classes sociais.

Porém, comentar cenas do cotidiano, lançando um olhar poético sobre personagens, hábitos e costumes em determinado tempo e espaço não é privilégio da literatura. O cinema tem dado demonstração de grande vocação para a crônica, e Amarcord, de Fellini, é o exemplo mais corriqueiro e universal.

E foi justamente buscando exemplos nacionais de crônicas cinematográficas para levar aos meus telespectadores que fui parar na Praça Xavier de Brito, numa manhã gelada de sol. Foi o dia mais frio de outubro desde 96, segundo o jornal O Globo. Talvez pelo inusitado do clima, talvez pelo azul puríssimo do céu, a experiência tenha me parecido mágica; e boa de contar.

O lugar fica na Tijuca, um dos bairros do Rio mais mencionados nas páginas literárias e tão esquecido do cinema nacional. É a praça dos cavalinhos. Não sei se você já a conhece ou se dela já ouviu falar. Se tiver a oportunidade de visitá-la, não perca. Vai encontrar um espaço com tudo o que há de bom num grande centro urbano: lazer e diversão ao ar livre ou ao rés do chão para todos os gostos e idades.

E o chão de areia rústica das pistas que se cruzam na arquitetura da praça guardava ainda os arabescos de piaçava do pessoal da COMLURB que acabara de passar; para minha grata recepção. Olhando para o alto, vi as árvores frondosas que sombreiam o lugar. E me pareceu serem elas os mimos e cuidados do departamento de parques e jardins, tal a variedade de adornos vegetais pendendo de seus galhos generosos.

A praça ainda tem coreto, monumento e chafariz. Tem também área coberta com mesinhas para o carteado da turma da terceira idade. Mulheres jovens e nem tão jovens, mas charmosas, praticando o jogging diário; e a mãe empurrando o carrinho do bebê e papeando no celular.

Se você gosta de chope gelado, no entorno da praça é o que não falta. Experimente o do Bar do Pavão. Tome quantos copos agüentar e depois vá almoçar no Rei do Bacalhau, ali do lado. Mas, cuidado, não faça muito barulho que o lugar é tranqüilo por demais. Não há muito trânsito, ninguém corre, nem buzina. Leve a sua namorada e vá sentar-se com ela num dos bancos da praça dos cavalinhos. Espere desafobado o anoitecer, e faça um pedido à primeira estrela que aparecer. Você pode até não voltar lá. Mas mesmo que o seu desejo não se realize, você nunca vai esquecer a tarde que passou ligeira nas doces plagas tijucanas.


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