Questão de Compostura

No tempo da minha mãe, havia alguma coisa de indecente em uma mulher ir sozinha ao cinema. A razão principal era porque uma mulher desacompanhada, por mais de duas horas, numa sala escura, fatalmente sofreria assédio sexual. Então, na lógica daquele tempo, as mulheres direitas não iriam desacompanhadas ao cinema para não ser alvo de tarados, e as que contrariavam a norma o faziam porque certamente o seriam. Portanto, bastava ficar em casa esperando pelo marido para a mulher se proteger do assédio ou da maledicência.

Mas, no tempo da minha mãe, a vida era outra, a família nuclear era a âncora da sociedade e o papel da mulher era muito bem definido: ou ela andava com seu homem ou andava a procura de homem. E o sexo era para garantir a geração de filhos e não para lhe proporcionar prazer. Hoje, graças à pílula e ao movimento feminista, a mulher tem livre trânsito e pode sair em busca do seu prazer sem ser estigmatizada. Aí, se algum tarado tentar o assédio, ela chama a polícia e manda prender o meliante.

Minha mãe é uma mulher inteligente, atualizada, que acompanha e aplaude os movimentos de emancipação feminina. No entanto, sentiu-se violentamente molestada com o “relaxa e goza” de Marta Suplicy. Foi ela que levantou a questão num almoço de família, no domingo passado. E destacou o quanto estamos, homens e mulheres, desamparados atualmente, “... pois quem vai chamar o guarda para autuar em flagrante a ministra do governo Lula?”

É isso aí, o mundo melhorou para a mulher, mas o Brasil piorou para ambos os sexos. Somos todos brutalizados pelos que ocupam o poder, paguemos ou não altos impostos. É só ver o dinheirão que foi gasto para realizar um PAN, na cara de um povo carente de tudo, que nem ao espetáculo pode assistir. E, diferentemente do tempo da minha mãe, que não saia sozinha para não correr risco físico ou moral, você hoje é agredido no aconchego do lar quando recebe, logo pela manhã, o jornal com os gestos pornográficos de um assessor do presidente Lula estampados na primeira página.

Tom Zé

Grande figura o Tom Zé! Eu meio que sabia, por causa das matérias que lia sobre ele. Mesmo nunca tendo visto um show ou apresentação de Tom Zé, mantenho uma certa simpatia por ele, até mesmo pelo tipo de artista que ele representa ser. Desses que, não importa o mau tempo, mantêm-se autênticos a cada expressão, artística e pessoal. Por isso, na primeira oportunidade, fui conhecer um pouco mais sobre ele no filme Fabricando Tom Zé, de Décio Mato Jr..
Se eu meio que sabia, agora sei mais, porém não o bastante. O filme acompanha a turnê de Tom Zé pela Europa em 2005 para falar sobre a carreira, a vida e a obra do baiano radicado em São Paulo desde os anos 60. Captado em vídeo digital e película super 8mm, o documentário é correto no tratamento cinematográfico e no propósito de documentar sem, no entanto, registrar alguma relevância de expressão. E isso contrasta com a importância que se quer dar ao artista. São cantores e compositores, críticos e músicos depondo sobre a genialidade musical de Tom Zé. Só que de música mesmo, mostrada do jeito que faz a gente se aficionar pelo som do cara, nada.
Mas a personalidade do Tom Zé está ali e é admirável. Ele foi tropicalista, convidado por Caetano e Gil, fez sucesso, foi deixado de lado por Caetano e Gil, ficou no ostracismo por longos anos e foi resgatado de lá por David Byrne, que o descobriu em uma loja de discos do Rio. Tom Zé passou por tudo isso sem mexer um acorde no som que se propunha fazer. Ao contrário, ele foi fundo, no âmago da questão, como no caso do CD Estudando o Samba, trabalho afinal garimpado pelo produtor Byrne.
O documentário mostra ainda um baita desentendimento de Tom Zé com a equipe de som de Montreux que o tratou com descaso, revela assim que Tom Zé é na Suíça o mesmo que nasceu em Irará. E também assistimos à vaia que o artista levou em uma apresentação na França. Sem censura, está tudo lá. Tom Zé diz que ficaria muito chato um documentário sobre um artista falando apenas bem dele. Não é pouco desapego nesses tempos de soberba, quando o presidente da república fica transtornado com uma vaia a ponto de abandonar a cena. Enquanto Lula demonstra, mais uma vez, a maior dificuldade em lidar com a crítica, o outro lhe reconhece função. Grande figura o Tom Zé!