Festival do Rio

A noite de abertura do Festival do Rio foi um estouro. Não que o tempo estivesse bom e o programa tenha começado na hora, evitando a já tradicional aglomeração desconfortável no exíguo e abafado saguão do Odeon. Não, quase todos os erros das vezes anteriores foram repetidos. Como, por exemplo, deixar por muito tempo a imprensa esperando do lado de fora, enquanto as estrelas e personalidades do cinema nacional e internacional chegavam e iam se acomodando no café e no restaurante anexos à sala de projeção. Pior, chovia a cântaros, e os pobres dos fotógrafos e jornalistas responsáveis pela cobertura do evento ficaram ao desabrigo, à mercê da intempérie por quase uma hora.

Até os seguranças se protegiam debaixo dos sombreiros montados na entrada, que por sinal ficava muito afastada da única possível parada dos carros. Logo, os convidados ou portavam guarda-chuvas ou chegavam ao cinema encharcados. Eu, de minha parte, enfrentei a travessia com a cabeça coberta por uma pashmina, como fazem as muçulmanas. Deu no jornal que foi para proteger o penteado, e foi mesmo.

Mas como pode ter sido um estouro uma noite que começa mal? Elementar, caro leitor. É só ir melhorando no decorrer do período. Coisa que não aconteceu com a chuva que só piorou. No entanto, passados os contratempos do começo, o evento foi indo de bom a melhor. O auge foi a projeção do filme Woodstock, de Ang Lee. Um primor de fita, uma história bem contada sob todos os pontos de vista. Bom roteiro, bons atores e a excelência da batuta do taiwanês radicado nos Estados Unidos. Mas o melhor do filme é contar como aquele festival de música, marco das transformações culturais mais profundas e contagiantes do planeta no século passado, processou tais transformações no microcosmo de uma família careta, numa cidade idem. É hilário na variedade de situações inusitadas, é sensível ao mostrar a felicidade proporcionada pelas liberdades individuais respeitadas, é humano na construção de personagens que costumam ser tratados como caricaturas (vide o travesti), é, enfim, um filme delicioso de assistir.

Mas antes do filme teve a abertura da cerimônia com um discurso rápido e eficiente do prefeito que, diga-se de passagem, foi muito aplaudido na subida ao palco e aplaudidíssimo ao final, ao dar por oficialmente aberto o festival. Christiane Torloni não gostou. Mestre de cerimônias, junto com Toni Ramos, a bela demonstrou francamente sua contrariedade com o prefeito. Coisa que ninguém na platéia entendeu.

E aí chamaram ao palco a diva da Nouvelle Vague, Jeanne Moreau. Linda, aos oitenta e seis anos, a atriz fez um discurso tão bom que dispensou tradução para o português. Pois os que não entendem francês, entenderam a entonação e, seja por conta da sintaxe semelhante entre as duas línguas, seja pela modulação da voz bem treinada de intérprete de La Moreau, a mensagem foi transmitida com sucesso.

Elegantíssima, a protagonista de Jules e Jim vestia um conjunto parecido com um jogging de malha branca com brilho, botas brancas e um redingote longo e negro, aberto na frente, com uma imensa flor branca na lapela. Divina!

Depois do filme veio a festa. Como as anteriores, teve comida e bebida à vontade, salão de dança e DJs. O ambiente estava agradável, encontrei pessoas conhecidas, outras amigas e uma queridíssima. Lá pelas tantas, estava com meu prato na mão, conversando com amigos, ao lado de uma mesa alta que servia de pouso para os drinques, quando um lindo rapaz, alto, de terno branco e camisa preta, cabelos negros gomalinados e olhos claros de cristal, se aproximou num rodopio e lançou um “Leila Richers você é linda!” Eu quase tomei um susto, mas cheguei a perguntar seu nome para agradecer o elogio. O moço não esperou, assim como veio ele se foi, com um pivô de bailarino russo, fazendo ventania atrás de si. Alguém da turma comentou: “Foi embora rápido, antes que virasse homem!”. Como vocês sabem, uma festa não é completa se faltar maldade no salão.


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