Pro Dia Nascer Feliz

No texto anterior eu falei sobre identidade cultural e suas expressões mais populares, a dança em especial. Agora vou falar da comida mexicana que se para os que nasceram e cresceram neste país é a melhor do mundo, para os outros estaria entre as melhores se pudesse ser facilmente industrializada e exportada. Acontece que a genuína comida mexicana é toda feita com produtos naturais daqui ou processados aqui, de maneira muito original e de acordo com a tradição. E bota tradição nisso... Portanto, se, para quem sabe cozinhar, não há muita dificuldade em fazer, por exemplo, um “coc au vin” no Brasil, é quase impossível fazer um “pollo en mole” numa cozinha tupiniquim, mesmo que você tenha um cheff mexicano pilotando o fogão.
Pra começar, o mole, que é uma “salsa” ou molho de consistência firme como a do molho pardo, pode ter até sete cores diferentes, de acordo com o “chile” ou a pimenta correspontente, ou ainda por conta de ervas e outros ingredientes como o chocolate, que para mim faz o melhor dos moles, o vermelho. E são tantas as especiarias contidas nas receitas, algumas tão específicas e típicas que sequer aceitam tradução. Como é quase tudo fresco, ou você as encontra na feira, ou no mercado da esquina, ou então... esqueça, segure a água na boca até aparecer a oportunidade para visitar este país.
Se eu pudesse, levava comigo na volta para o Brasil uma torta mexicana. Pois não há sanduiche mais apropriado para uma viagem de tantas horas de avião, que alimente e dê tanto prazer. O pão para o acepipe tem origem andaluz, era de segunda, feito de trigo e dado aos trabalhadores. No méxico, as “teleras” , como são chamadas aqui , são feitas de farinha branca. Elas têm o tamanho da circunferência de uma mão e altura de quatro a cinco centímetros, são abertas horizontalmente para que, retirado o miolo, recebam camadas e camadas de recheios, os mais variados. A minha preferida é a tradicional, na qual se passa, num dos lados do pão, uma pasta de feijão amassado e frito coberta de tiras de dois tipos de pequenas pimentas em molho de escabeche. Depois vem uma camada de creme ácido como o nosso creme de leite, só que mais consistente e muitíssimo mais saboroso. Sobre isso vão várias camadas de presunto, frango, carne de porco e toucinho frito, uma camada de fatias de tomate e uma fatia grossa de qualquer queijo, ao gosto do freguês. O outro lado do pão é coberto com uma camada espessa de abacate amassado, temperado com sal a gosto. Junta’se então as duas partes do pão e come’se a torta com a mão, e uma profusão de guardanapos.
No dia seguinte, já de manhã, sentiria saudade das galletas, guloseima obrigatória no desjejum mexicano. Um misto de bolo e biscoito, são mais durinhas que o financier francês e mais crocantes que a cavaquinha portuguesa, são redondas, com aproximadamente 6 cm de diâmetro e meio centímetro de espessura. Como os biscoitos são assadas no forno e feitas de massa de farinha de trigo fermentada no levedo e muita manteiga também. Podem trazer salpicadas na massa pedacinhos de nozes, passas ou chocolate.
Experimente mergulhar uma galleta até a metade numa xícara de café bem quente, depois leve’a á boca e sinta a massa amanteigada se desmanchando na língua... Hummmmm! É a minha receita predileta para o dia nascer feliz.

A mulher e a Dança no Mexico

A forte identidade cultural mexicana não me surpreendeu, uma vez que, como quase todo o mundo, aprendi na escola o grau de desenvolvimento das civilizações pré´hispanicas e o quanto a herança do desenvolvimento social de Mayas e Astecas contribuiu para a formação desta identidade. Obviamente têm importância fundamental em tal fromação a cultura do colonizador espanhol, assim como a dos resistentes indígenas mexicanos. Há, inclusive, uma pitada da indole francesa, com a vinda do imperador Maximiliano e seu exercito de trinta mil homens, em meados século XIX. Naturalmente que esse processo é vivo, dinämico e reflete ainda as consequéncias do intercambio cultural, social, politico e economico mais recente entre paises da america latina, principlamente na segunda metade do seculo passado.

Toda essa gama de crenças, costumes e tradições, impostas ou não pelo elemento dominador de turno, tomadas ou cambiadas entre as nações vizinhas revela’se, de uma forma ou de outra, nas diferentes manifestações culturais e artisticas das quais a capital mexicana é prodiga.

Das expressões mais populares, a dança está em toda parte por aqui. Nos festejos da Independencia havia palcos com orquestra e cantores montados onde hovesse comemoração, oficial ou não. Numa tarde de sãbado, vi aulas de dança de salão ao ar livre. Eram vãrias classes espalhadas por entre as ãrvores e jardins de uma praça. Ao som de aparelhos do tipo mini’sistem portateis, professores e alunos ensaiavam coreografias bem elaboradas. Em formação, disciplinados senhores alunos esperavam a sua vez de dar a mão as mestras bailarinas. Eram vãrios grupos como esse espalhados pela praça, os sons se embricando ao ouvido do visitante flanador.

Fui a outros lugares de dança. Todos com musica ao vivo executada por ótimas bandas e orquestras, muitas de origem cubana: o que vem acrescentar ainda mais sabor e suingue ao programa. Alguns desses lugares são mais sofisticados, talvez com diferenças sutis dentro de um perfil cosmopolita. Nos mais autênticos e nos mais populares, pude perceber um traço comum no comportamento de homens e mulheres que me fez pensar ... aqui, cabe ao homem entreter a mulher. É dele o espetáculo. Sempre consiente no seu posto de conquista, ele se esmera nos passos, evolui faceiro sua coreografia, percebe o olhar de seus pares e estufa com satisfação o peito. Enquanto isso, a dama o acompanha na mais discreta performance. Náo chega a ser sisuda, mas apenas sorri levemente, aprovando, quando o espetaculo dele é excepcional. E o homem, por mais gabola que seja, estã sempre consciente da corte. Ela de ser cortejada. Confesso a vocês que, com excessão das porta’bandeiras, nunca vi mulheres com postura mais digna num salão, quase indiferentes.

A Festa em Coyoacan

A gente não parava de chegar pelos quatro cantos de Coyoacan. Muitos jovens, muita criança pequena com pais e avos ao lado, muitos casais de namorados... todos indo em direção a praça do bairro mais brejeiro da cidade para festejar o dia da independencia e dar o Grito da Liberdade. E todos, de todas as idades, de alguma forma, traziam no corpo as cores da bandeira. Fosse na roupa, no adereço ou na cara pintada, nas mascaras ou nos chapeus, o verde-branco e vermelho estava sempre aa mostra, evidente e leve, sem arrogancia, sem exagero, mas com muito bom humor. Como de resto estavam todos naquela noite, cantando distraidos os boleros que a orquestra levava com grandiloquencia no alto do coreto armado especialmente para a ocasião.
Ao redor da praça, e nas ruas de acesso ao local, perfilava’se uma autentica quermesse, com barracas de tiro ao alvo e desafios similares, os premios os mais variados pendendo do teto, inclusive os enormes sombreiros tricolores. Havia tambem um sem numero de barracas de comida, e doces de todos os tipos formavam piramides multicoloridas nos tabuleiros salpicados por entre as outras atrações.
De todas as coisas da festa, não sei dizer o que havia de mais atraente, se as cores, os aromas os sabores... so sei que tudo isso junto me inebriou ao ponto de me fazer, aos berros, dar vivas ao Mexico, aa sua independencia, aa liberdade da nação e vivas mais eu daria, ate mesmo ao diabo se o danado ali fosse invocado. E nesse transe juvenil regressivo, trepada numa mureta, estiquei o corpo o mais que pude, ate quase cair, para ver melhor os fogos de artiificio que começavam a estourar por tras da torre da igreja.

Batalha do Barulho

No dia do grito, sabado a noite, evitamos a praça da constituiçao, onde fica o Palãcio Nacional, a catedral e outros impotantes predios publicos, por conta de uma disputa politica que quase levou o local a ser palco de uma batalha campal. Acontece que ali montavam guarda, ha dias, os seguidores de Lopez Obrador, candidato derrotado nas eleiçõs do ano passado aa presidencia da republica. Tentaval impedir que o presidente Felipe Calderon cumprisse o ritual da celebração, dando ele mesmo o Grito de Independencia, ãs 23 horas, como reza o costume nacional.
Do lado de Calderon, que ganhou a eleições no tapetão, segundo leio nos jornais, estavam as forças da repressão, com fileiras de soldados vestidos de civis misturados aa multidão. Mas não foi isso que mais nos assustou porque, no fundo no fundo, acho que ninguem apostava no confronto generalizado. A verdadeira razão de buscarmos uma comemoração alternativa foi a batalha do som. Eh que para a festa do Grito, o governo madou vir um equipamento de som considerado o mais potente da America Latina. Do outro lado, a turma do ˜voto a voto˜, que acusa de ilegitimo o governo atual, levantou altos recursos e espalhou pela praça equipamentos que em conjunto superavam em muitos decibeis a parafernalia oficial. Dizem que o barulho era tanto que na noite anterior, quando os dois lados testavam o audio de suas respectivas artilharias, ninguem podia conversar num raio de cem metros de distancia do local.
Fomos, então, felizes da vida para Coyoacan, bairro tradicional com jeito de Santa Teresa e onde morou Frida Kallo, assistir a comemoração de independencia mais bacana que jã vi. Depois eu conto mais...

O Grito de Dolores

os mexicanos também tem seu grito de independencia, o Grito de Dolores, que como o nosso do Ipiranga faz referencia ao lugar onde ocorreu o ato. onde foi tomada a decisao de náo se submeter jamais aos designinos do colonizador. um símbolo nacional de soberania e autodeterminacáo que aqui tem identidade popular. Diferentemente do brado retumbante do portuguës, filho do rei --- äs margens de um rio palulista que ninguém sabe onde fica, e que teve como testemunha uma dúzia de soldados e seu tutor político e marqueteiro mor José bonifácio –––, o Grito de Dolores saiu da boca do povo e por ele foi ouvido. Mobilizado, é claro, por membros da elite religiosa e política da colonia, mas engajado de corpo e alma na luta pela liberdade, o mexicano fez sua independencia, e isso faz a diferenca.

Mexico Urgente

cheguei a cidade do mexico ontem de madrugada, depois de quinze horas de viagem, contando rio-são paulo e sp-mexico. ontem mesmo, a noite, levaram-me para ver o movimento no centro, onde serão realizados os festejos do dia da independencia. muita gente, a maioria familia com pais, filhos e avõs, acorria ao local das comemorações para ver a decoracção dos predios publicos, espetáculos musicais e de fogos de artificio e, principlamente, a mim pareceu, para dar expressao a um forte sentimento de patriotismo. nao impota tanto se sabem ou náo a história da independëncia e o papel de cada um dos heróis retratados em formas gigantes desenhadas por milhares de lampadas suspensas em fios presos nos vaos entre os predios em torno da praca do palácio do governo federal. mais interessante é que tenham gana em comemorar uma data que representa a conquista de sua soberania. ...

InfraErro

Aceitei um convite muito especial para assistir à festa da Independência do México. É no dia 16 de setembro, e para chegar com um mínimo de antecedência tenho que embarcar dois dias antes. Quando estava tudo certo para a partida, dei-me conta de que meu passaporte havia vencido há um mês. Tanto faz um mês ou um ano, é claro, mas nossa tendência é ser indulgente com a imprevidência de curto prazo. Então, sem muita culpa, arregacei as mangas e tratei de providenciar o documento. Com dois telefonemas descobri uma coisa boa outra ruim. Primeiro a má notícia; emissão de passaporte agora só no Galeão ou Barra da Tijuca. Como a Barra, para mim, é outra cidade, preferi ser torturada na ilha do governador. A boa nova é que todas as informações e o formulário de requerimento estão no site da Polícia Federal: http://www.dpf.gov.br/. Outra boa dica é o site da justiça eleitoral http://www.tre-rj.gov.br/. Isso porque um dos documentos necessários para renovar o passaporte é o comprovante de voto nas duas últimas eleições. Então, basta digitar nome completo e nº do título de eleitor que a declaração aparece na tela, como num passe de mágica, e já autenticada para impressão. "Show!, agora é arranjar uma boa companhia para a via crucis", pensei. Veio na hora a lembrança do melhor amigo, Noílton Nunes. Apelei para o "em caso contrário eu jamais recusaria seu pedido!". Chantagem é coisa feia, mas quase sempre funciona.
E lá fomos nós para o aeroporto internacional que continua a ser chamado de Galeão, a despeito da mudança de nome – sim, porque o saudoso Tom Jobim deu certo em tudo na vida, mas na morte, não emplacou uma. O caso da Vieira Souto foi uma desfeita e o do aeroporto é uma piada. Vinícius teve mais sorte com as homenagens, mas essa é outra história.
Continuando, o galeão é longe demais e grande demais para ser repartição pública. Anda-se muito lá dentro, e nós andamos um bocado. Primeiro foi a taxa para pagar ( tem sempre uma facadinha do governo) no banco do Brasil que fica na ponta direita do Terminal I. Dali fomos para a polícia federal que fica do lado oposto, ponta esquerda do mesmo terminal. Uma vez lá, foi a senha, a espera, a briga do fura-fila, criança chorando, perua aos gritos no celular e o etc que você imaginar... Uma hora depois, chegou a minha vez. Confiante, tirei os documentos do envelope, mostrei meu passaporte antigo e olhei orgulhosa para o agente federal. Ele examinou a papelada, me olhou friamente e me disse que a foto não prestava. Argumentei que foto de máquina é assim mesmo e que, além do mais, mulher está sempre mudando de visula, e coisa e tal... Sério, o agente Sérgio apontou a data na foto. “ Pois é, foi do carnaval deste ano, fotografia 5 por 7 recente, como indica o site da polícia federal", comentei simpática. Impassível, o agente Sérgio me disse que a norma era de no máximo seis meses, e ponto final.
Lá fomos nós atrás de uma foto na hora, para não perder a viagem. Ninguém sabia informar onde. Na própria PF disseram que tinha uma máquina no Terminal 2, quase dois quilômetros a pé por dentro do aeroporto. Fomos para o Terminal 2 e lá, no balcão de informações da Infraero, um sujeito mal encarado, com tatuagens escorrendo pelos braços em mangas de camisa, recostado debochadamente na cadeira giratória, disse-nos que fotografia só em Cocotá, um bairro da Ilha do Governador. Resultado: foi a foto mais cara da minha vida; trinta e sete reais de táxi e mais nove do instantâneo.
De volta à PF, com tudo em cima, e sem nenhuma paciência, passei a frente do próximo e entrei no reservado do agente Sérgio. Por um triz não comecei a história do zero, ele já estava em pé para ir embora, mas me atendeu. Passou de novo o olho nos papéis e me entregou o protocolo: dentro de 30 dias teria o meu novo passaporte. Nervosa, cansada, quase desmontada implorei dizendo que minha viagem era dali a quinze dias e que ainda precisava de um visto para o México. Ele foi implacável; acho que sendo hora do almoço, a fome falou mais alto... Arrasados e mortos de fome também, Noílton e eu fomos almoçar a caríssima e horrível comida do aeroporto.
O resto da história é parte da velha história que começou com Pedro Álvares Cabral: sem falso pudor, apelei para o jeitinho brasileiro. Vou para o México na próxima quinta-feira.

Cariocas X Paulistas

Não sei se foi contra ou a favor dos paulistas o comentário que ouvi ontem depois de assistir à peça Um dia, no verão, do norueguês Jon Fosse. No grupo informal, reunido no foyer do teatro Nelson Rodrigues para cumprimentar os atores, correu a opinião de que a peça, que não vai bem no Rio, terá sucesso garantido em São Paulo. E por quê? Tirem suas conclusãoes. Para mim trata-se de um bom texto a serviço de efeitos especiais duvidosos.
Para começar a trilha sonora, que deveria ter a função de sublinhar a ação e contribuir para maior percepção da subjetividade em cena, apenas distrai o espectador, roubando atenção do texto, que tem o seu maior trunfo justamente na musicalidade. Jon fosse escreve com poucas palavras e muitas repetições, “variações e silêncios” com diz o programa da peça. Ora, a música de lounge, escolhida pela diretora (que também assina a trilha sonora) tem caráter aleatório característico desse estilo, feito para “distrair”.

É também equivocada é a profusão de efeitos especiais tais como chuva, ventania, tempestade, relâmpagos e trovões. A ação se passa em dois tempos cronológicos e o tempo climático permeia a ação, deveria estar a seu serviço, não fora e competindo com ela como nesta montagem de Monique Gardenberg .

No presente, a mulher madura está presa às lembranças do dia em que, no passado, seu marido foi para o mar no pequeno barco de madeira e nunca mais voltou. A reconstrução da memória tem nas alterações da natureza, a chuva fina que no passar das horas se transforma em tempestade, a metáfora contundente do estado de espírito da mulher jovem que vive a angústia da espera.

Simples, sutil e delicada, a escrita dramática de fosse exige um alto grau de parceria do ator, chamado a usar a emoção mais para construir a ação do que para interpretá-la.
Renata Sorrah, como a mulher madura, interpreta acima de tudo. Silvia Buarque se esforça, se esforça e fica no mesmo lugar, no meio do caminho. Tem atuação insossa e por isso acaba atropelada em cena. Bia Junqueira dá à personagem da amiga a energia necessária para dinamizar a ação. Fernando Eiras tende desnecessariamente ao caricato. Dadá Maia não diz a que veio. Só Gabriel Braga Nunes demonstra, pela sua atuação precisa e minimalista, que leu e entendeu o texto em toda a sua subjetividade.

Agora, porque os paulistas, ao contrário dos cariocas, acolheriam melhor um espetáculo pretensioso como Um dia, no verão, eu não saberia dizer. Mas uma coisa é certa: quem viver, verá.