Postagem pra lua

Ela saiu mansa, densa, plena. Ainda sem forma precisa, meio oval sob a bruma espessa que ofusca as luzes de Icaraí. Eu espero por esta lua há tempos, todos os meses, todos os dias marcados para serem noites de lua cheia. Mas aí nublava. E no mês seguinte chovia, e no outro um compromisso.

Agora ela aparece sobre Niterói. Deslumbrantemente laranja, suculenta e calma. A cada minuto sobe um pouco mais; aos poucos tomando forma, arredondando. Desponta uma curva meia lua, como um ombro nu. A outra metade despojada de nuvens, surge como se deixasse cair um xale diáfano a seus pés. E vem altaneira azulando o céu. E crava sua figura de luz no azul profundo e aveludado. Marca minha retina, ofusca minhas memórias. Faz do meu coração tabula rasa, pra derramar faceira um vau de ouro sobre o espelho d’água.

Ainda bem que ele ficou de vir. Vem hoje, como veio ontem e anteontem. Que venha pleno como esta lua. Que venha transbordando de beijos salgados e olhos marinhos. Que venha alegre como os golfinhos. Que dance, cante e conte piadas picantes. E no pé do ouvido me fale do Egito. Que fume, que se embriague, que queime em desejos tribais os lençois da minha cama. E depois caia no sono, em abandono largo.

Mas a noite regurgitou o bafo quente do dia, em que o sol ardeu por doze horas sem descanso. E os ânimos se exaltaram indóceis em corpos eriçados. Os copos tilintaram o cristal boêmio até pra lá da madrugada. O som do funk na varanda, as pétalas arrancadas de uma orquídea, um riso nervoso e, enfim, é dita a palavra errada.

A lua escorregou por detrás dos edifícios, e os porteiros já estão lavando os carros. Ele partiu. Não se despediu, foi desconfiado. Nunca mais um beijo amante, nem mergulhar juntos no mar. Nem vinho, nem volta, nem vontade vamos ter. Nada que possa arranjar um desnorteio como esse; que não tem conserto, nem emenda, nem soneto.

Quem sabe em outro dia de outubro... Em outra noite de luar?

*************************************************************************************