Identidade Regional

Um amigo meu diz que quem não tem sotaque, não tem caráter. Concordei com ele desde que ouvi a afirmação pela primeira vez. Foi numa conversa que tivemos sobre a série de entrevistas de Fernanda Montenegro nos Estados Unidos, quando da campanha de “Central do Brasil” para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Fernanda falava um inglês fluente, porém com sotaque carregado, mas numa prosa cheia de humor. Um exemplo foi a resposta que deu a David Letterman quando perguntada se seria ela a verdadeira garota de Ipanema : “Posso, quando muito, ser a velha (old lady) de Ipanema.” Risos e aplausos da platéia...
Lembrei dessa passagem ao assistir à peça Café com Queijo, do grupo Lume. São conversas e estórias, colhidas pelos atores em suas andanças pelo interior do Brasil, entremeadas por canções e versos. Tem de tudo um pouco: amor, morte, saúde, trabalho, festa... E a prosa é temperada com um sotaque tão preciso dos personagens, na criação dos atores, que a gente chega a sentir cheiro e sabor. Mas ninguém sai dali com água na boca. Ao final do espetáculo, o público é convidado para a degustação de café com queijo ralado, bebida típica do interior do Tocantins. E aí o programa fica simpático à beça, com todo mundo confraternizando no foyer.
O Lume foi criado na Unicamp, em 1985, para ser um centro de estudo e pesquisa da arte de ator. Portanto, consegue manter há mais de 20 anos o projeto de trabalho dedicado à construção de um modo próprio de se pensar e fazer teatro. Café com Queijo, uma aposta na força da identidade regional, foi criado em 1999, e já se apresentou em diversas cidades do país. No Rio, fica só até o dia 6 de maio. Não dá pra perder.
Cai uma chuva balsâmica sobre o Rio de Janeiro... É pra lavar a alma!

A Paz é Dourada

A Paz é Dourada, documentário sobre Euclides da Cunha, levou vinte anos para chegar ao seu pré-lançamento, na semana passada no teatro da Maison de France, no Rio. Foi uma noite cheia de emoção, como uma obra por tanto tempo esperada merece; o cônsul da França saudou os convidados, o presidente da Academia Brasileira de Letras fez um ótimo discurso, e Noílton Nunes, o diretor do filme, abriu seu coração para contar em poucos minutos as aventuras e desventuras porque passou, na determinação de levar à tela a vida e a obra de um dos maiores escritores da língua portuguesa de todos os tempos.
Eu estava lá, muito orgulhosa da minha participação como co-produtora da fita nesta fase de finalização. Acompanhei também a montagem, do Noílton, e fiz a narração.
Além de querer aprender cinema, meu engajamento no esforço de terminar o filme foi por acreditar na relevância de levar ao público em geral, e às escolas em particular, as idéias de alguém que conhecia e amava o Brasil, das profundezas da terra ao nível mais elevado, do homem. E, nas palavras do autor de Os Sertões, "a idéia é a moeda do futuro”.

Amigo Curitibano

Aleluia! Cai, uma chuvinha sobre o Rio de Janeiro... e molha as ruas, faz grande poças nas avenidas, lava as árvores, rega a grama... restaura, enfim, o humor do carioca que andava meio ranzinza de tanto tempo bom. É como se diz quando começa um namoro: “Tomara que dure!”

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E por falar em ranzinza, um amigo curitibano me cobrou dar mais ênfase à violência no Rio. Disse que falta espírito crítico neste blog. Disse que eu deveria ter comentado a manifestação das mil pessoas que se deitaram, sábado, na Av. Atlântica, para protestar contra as mil mortes por violência na cidade, este ano.
Meu amigo, pode ter certeza que eu me preocupo com a segurança no Rio. Porém, minha contribuição no esforço para diminuir a violência e a desigualdade social ente nós é no sentido de juntar esta Cidade Partida. E as atividades culturais que promovem a confraternização entre os moradores apartados são, no meu entender, a melhor oportunidade para dirimir preconceitos e aproximar corações e mentes.
Eu acredito, piamente, que depois de assistir a Via Sacra da Rocinha, um morador de São Conrado não vai ficar indiferente às vítimas de bala perdida naquela favela. E então, quando eles se deram as mãos numa passeata, aí sim, eu vou acreditar que vale a pena divulgar esses atos públicos.

Feliz Páscoa!


Amanhã tem um programa imperdível para quem está na cidade neste feriado de Páscoa. Um espetáculo ao ar livre que percorre as ruas de um dos bairros mais cariocas da cidade. Bairro ou favela, ou bairro-favela, ou seja qual for o seu status oficial, o importante é constatar que quem mora lá tem a cara do Rio. Apesar de conhecer muita gente do lugar, eu só lhes percebi a carioquice assentuada quando fui assistir, há exatamente um ano, na Sexta-Feira da Paixão, a Via Sacra da Rocinha.
A Encenação acontece num cenário natural de ruas, becos, escadarias e lajes que vão do Caminho do Boiadeiro(núcleo comercial) até a Igreja de N.S. da Boa Viagem(parte central) . No percurso de quase três quilômetros, moradores, visitantes e transeuntes acompanham a vida de Cristo, do nascimento até a ressurreição. O clima do evento é de total cordialidade, muita alegria e orgulho de estar participando de uma festa criada e mantida por eles. O tempo todo moradores e atores interagem, identificam vizinhos e colegas, reconhecem personagens e se reconhecem nos personagens repletos de humanidade da história.
E o cortejo segue num movimento físico e emotivamente crescente. Pois na medida em que sobe o Caminho do Boiadeiro e vai acompanhando a vida do "Homem de Nazaré", vai também se emocionando e progressivamente se transformando num bloco, quase sólido, ligado no desejo comum e legítimo de mais conforto e oportunidades para todos.
Feliz Páscoa!

Ah..., que pena!

Leio no jornal de hoje que o segundo CD mais vendido no Brasil, em 2006, é Jovem Brasilidade, do saxofonista Caio Mesquita, de 16 anos. Além da performance prodigiosa, vejo dois fatos interessantes ali, pelo menos assim por alto, na avaliação de uma única matéria.
Caio é o primeiro representante da musica instrumental a aparecer na lista desde que a ABPD começou a divulgá-la, em 2000. E, apesar de ter vendido quase 300 mil cópias, não figura no ranking das músicas mais tocadas nas rádios.
Caio conta na entrevista que foi descoberto pelo Programa Raul Gil, de forte alcance popular, o que explica sua colocação na lista dos mais vendidos. Mas o detalhe bizarro aparece quando ele diz que agora as coisas vão melhorar porque vai participar de um CD de um “ator da Globo”: – Aí , sim, devo ir para o Faustão.
Quer dizer que um jovem e promissor instrumentista, no país da melhor música popular do mundo, que estuda saxofone desde os 5 anos, tem que se submeter a um esquema duvidoso pra conseguir seu lugar ao sol? Que pena!