Questão de estilo

Estou trabalhando todo dia o dia inteiro na MultiRio, na nova programação da produtora que vai ao ar na faixa das duas da tarde na Band Rio. Já trabalhei na empresa de multimeios da prefeitura antes, quando tive a oportunidade de desenvolver programas voltados para a construção do universo cultural dos telespectadores, com atenção especial às necessidades dos professores da rede municipal de ensino. E muito me orgulho do caráter meritório de tudo o que foi produzido naquela época, sob a batuta da doutora educadora Cleide Ramos, que volta à presidência da empresa para uma nova gestão.

Dito isto, e bem entendido que o mais importante é o que vai do lado de dentro da cabeça, vou passar para o lado de fora. Ainda bem que estou com o cabelo bem resolvido, meio caminho andado quando a gente deve cumprir uma jornada de horário integral, pois muitas vezes tenho que ir do trabalho diretamente para um compromisso, uma vernissage, por exemplo. Isso quer dizer que devo sair de casa às nove horas da manhã já arrumada para a noite. Um cabelo bem resolvido é meio caminho andado, não apenas no aspecto estético, mas no prático e, sobretudo no psicológico. Eu falo de cadeira, pois trabalhei vinte anos com o meu rosto na telinha e sei a neura que é ter que estar todos os dias com o penteado impecável. É dose, podem crer.

Mas o que é um cabelo bem resolvido?, você há de perguntar. Pra mim, é um cabelo natural, com um bom corte que combine com nosso tipo físico, com estilo definido e com o qual a gente não tenha que brigar. No meu caso, optei por usá-lo longo e naturalmente cacheado. Desta forma, posso acordar, tomar banho, lavar a cabeça e ir trabalhar que o cabelo vai secando naturalmente e fica bom. Fácil, não? Parece mas não é, pois cabelo de mulher é uma coisa complicada e eu levei anos para aceitar que o ideal não é ter o cabelo que se quer, mas melhorar ao máximo aquele que se pode ter.

Vejam o caso de Michelle Obama. Tudo nela é bacana, menos o cabelo. Ela é bonita, veste-se bem, tem um belo porte, sabe se colocar ao lado do presidente sem se anular, nem chamar demasiadamente a atenção para a sua personalidade. Ao contrário, consegue, de maneira afirmativa, preservar a individualidade valorizando sua figura feminina de mãe e esposa. Eu diria que a primeira dama americana é tudo de bom, mas o cabelo... Por que a “chapinha”? Por que negar a raça e esticar os fios a “ferro e fogo”, quando poderia valorizar o seu tipo físico com um estilo mais de acordo com a sua natureza. Que me desculpem os que idolatram o novo casal vinte da América. Eu admiro Barack Obama por tudo o que representa ter um negro na Presidência dos Estados Unidos, e pelos compromissos que ele assumiu na campanha e já começou a cumprir. Mas que o cabelo da Michelle é colonizado, ah isso é.

Entendo que pode ser o caso de um desejo recôndito e remoto, um sonho de menina não realizado. Quem me abriu os olhos para essa possibilidade foi a Daúde que, além de ser uma grande artista, é uma das minhas melhores amigas. Uma vez, conversando aqui em casa, eu comentei que ela tinha acertado quando optou por usar o cabelo bem curtinho, à la garçone, marcando bem o seu estilo que se tornou invonfundível. É claro que tem uma série de cuidados alí. Um creme relaxante, uma henna de tratamento e etc. Mas não tem forçação de barra, combina com o tipo físico dela, tem estilo, e ainda por cima é sexy à beça. Enfim, Daúde tem o cabelo bem resolvido.

Foi eu fazer esse elogio para minha amiga contar uma passagem da sua infância emblemática de tudo o que foi dito anteriormente:

“Uma vez, quando eu era pequena, aos cinco anos mais ou menos, um amigo do papai foi jantar lá em casa. Querendo agradar a todos e fazer graça comigo, a menorzinha dos irmãos, ele disse que era mágico, e começou a tirar moedas da manga da camisa e fazer adivinhações. Eu prestei bastante atenção naqueles truques manjados e assim que ele parou de se exibir eu lhe perguntei à queima roupa:

- Você é mágico mesmo, então faz o meu cabelo balançar ? ... ”

*************************************************************************************

São Sebastião

Outra noite, na última lua cheia, saí com amigos para um passeio na Urca. O bairro, exclusivamente residencial, construído ao pé do Pão de Açúcar, passou por polêmica recente por conta das transformações que, segundo muitos moradores, iriam descaracterizá-lo como um dos lugares mais tranqüilos e seguros para se morar no Rio de Janeiro. A discussão foi em torno das obras de restauração e adaptação do prédio do antigo Cassino da Urca para abrigar a filial carioca do Instituto Europeu de Design (IED), escola italiana de artes visuais que já existe em São Paulo desde 2005. Quem é contra, teme pelos transtornos que o movimento de centenas de alunos trará ao cotidiano pacato do lugar.

Na cola do IED, que será inaugurado em março, veio a filial de um dos botequins mais freqüentados da cidade, dando início a outra cisão ente os moradores. Dizem que metade da Urca era contra, argumentando que sua tranqüilidade estaria irremediavelmente comprometida se a associação de moradores permitisse tamanha sandice. A outra metade abriu os braços para o despertar da vida boêmia no bairro, adormecida desde 1947, com a proibição pelo presidente Dutra dos jogos de azar no país. Dizem ainda que as solteironas foram as que mais apoiaram a idéia do chope gelado transbordando, junto com os fregueses, das mesas para as calçadas do bar. Ao que a turma conservadora desdenhava, acusando “as velhas assanhadas” de quererem ambiente para arrumar namorado.

Já a nossa intenção era conferir in loco as novidades. A noite estava fresca. O bairro, de casas suntuosas e prédios baixos, mantinha-se mergulhado em silencio de cidade do interior. Só na orla havia movimento, em muito aumentado pela freguesia do novo botequim que veio se juntar aos dois já existentes. Cercada por uma murada de pedras debruçada sobre a Baía de Guanabara, a Urca tem uma paisagem deslumbrante. Mas naquela noite, com a lua imensa despejando luz dourada sobre o mar, estava de perder o fôlego. Depois de jantar, fomos nos sentar na murada. Estávamos embevecidos com a beleza da cidade quando nos demos conta de que fora ali que tudo começou.


Pela entrada da barra, no encontro do oceano com as águas plácidas da Baía de Guanabara, Estácio de Sá chegou há 444 anos para expulsar os franceses. Junto com seus homens, o sobrinho de Mem de Sá acabou de vez com a malograda tentativa de Villegagnon criar a França Antártica no Brasil. E decidiu ele mesmo fundar, onde hoje é a Urca, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. No local, foi erguida uma capela de sapê para abrigar a imagem do santo padroeiro.

Hoje, a estátua do mártir fica na Igreja dos Capuchinhos, na Tijuca, de onde sai todos os anos, no dia 20 de janeiro, em procissão pelas ruas do Centro. O feriado – que não é concedido nem ao 1º de março, dia da fundação da cidade – leva milhares de pessoas a seguir o andor com a imagem do belo jovem seminu amarrado a uma árvore, com o corpo flechado. Por ter escapado com vida da tortura dos romanos, São Sebastião, que era da Guarda Pretoriana e foi acusado de traição por ser cristão, é cultuado em quase toda a América Latina como o santo protetor contra a pestilência, simbolizada pelas flechas.

Na terça-feira passada, foram mais de trinta mil pessoas acompanhar a procissão. Este ano, mais do que nunca, o carioca teve motivos para reunir todo o seu fervor numa prece a São Sebastião. Com certeza foi pedir que o santo iluminasse a nova gestão da administração municipal, fazendo com que o prefeito que acaba de tomar posse não meça esforços para evitar mais uma epidemia de dengue na cidade. No ano passado, a doença matou 106 pessoas no Rio de Janeiro, a maioria crianças.

Que o ex-prefeito leve um tanto desse peso nas costas, e que o novo prefeito traga a esperança de erradicar o mosquito transmissor como um estandarte de seu governo. Para que o verão na cidade volte a ser apenas a época dos chopes gelados à beira mar, e se apague para sempre da nossa memória a cena macabra de pais fechando pequenos caixões infantis.

A melhor solução

Em agosto do ano passado, fui ao Festival de Cinema Brasileiro em Israel com um grupo convidado pela direção do evento. Chegamos a Tel Aviv depois de uma longa viagem com escala em Paris. O receio de todos nós da delegação brasileira, formada por diretores, produtores e atores dos filmes concorrentes, era o trâmite no aeroporto Ben Gurion. Ouvíramos contar as histórias mais cabeludas sobre filas quilométricas, revistas nos mínimos detalhes, interrogatórios massacrantes, e turistas retidos na imigração por muitas horas, às vezes mais de um dia. Por sugestão de um companheiro de viagem, cheguei a tirar do meu note book e jogar no lixo do aeroporto Charles de Gaulle um DVD sobre Jerusalém. Isto porque o filme, com legendas em inglês, era falado em árabe, e poderia comprometer todos nós.

Mas nada aconteceu como esperávamos. A Embaixada do Brasil enviou um funcionário para nos recepcionar desde a saída do avião e, conversando com ele, já a caminho do hotel, soube da ação diligente da nossa representação em Israel para que não houvesse detenções e nem mesmo revistas. Naturalmente que o fator preponderante foi não haver conflito declarado na ocasião. O fato foi sendo esclarecido durante a nossa estadia, na convivência com gente que trabalha no comércio e no turismo. Desta forma, percebi que onde são comuns os interesses econômicos entre israelenses, árabes-israelenses e palestinos, as relações são mantidas no nível da camaradagem. Porém, há uma tensão latente na região, e basta um incidente que possa dar início a um conflito armado para contagiar as relações de todos os tipos.

A reação a essa situação entre os israelenses nunca é ambígua, ao contrário, eles se declaram abertamente de direita ou de esquerda e defendem seus pontos de vista com veemência, e até xingamentos racistas em determinadas circunstâncias. É o que ocorre, por exemplo, entre as torcidas rivais dos times de futebol de direita, o Beitar Jerusalém, e de esquerda, o Poel Tel Aviv. Quando os dois se enfrentam, a violência verbal nos estádios é liberada, e mesmo que a peleja aconteça em uma cidade israelense de população árabe, nem Maomé é poupado, já que há jogadores árabes-israelenses nos dois lados.


De direita e de esquerda é como a opinião pública em Israel se divide entre os que apóiam a repressão aos territórios palestinos e os que são radicalmente contra ela. Os de esquerda, em geral artistas e intelectuais de formação humanista, formaram a grande maioria nas platéias das cinematecas de Haifa, Jerusalém e Tel Aviv, onde o Festival de Cinema Brasileiro acontece há oito anos. Em 2008, o filme “Tropa de elite”, de José Padilha, inaugurou a mostra nas três cidades. Eu compareci às noites de abertura e realizei entrevistas na saída das sessões para as reportagens publicadas na GAZETA MERCANTIL e no Jornal do Brasil. A reação quase unânime do público era de associação imediata entre os territórios palestinos e as favelas do Rio de Janeiro.

A idéia era a de que, lá como cá, existe uma população oprimida pela pobreza e falta de oportunidades, com os jovens sem perspectiva de futuro e sem opções de lazer. São todos moradores de regiões que sofrem a ação de uma organização terrorista ou do crime organizado dentro da própria comunidade, e ambos subjugados pela repressão violenta por parte do aparato policial militar do Estado, que por sua vez não lhes garante as condições mínimas de cidadania. Com algumas reações indignadas quanto à indiferença do nosso governo com a corrupção policial, o público em geral que compareceu aos debates após a exibição do filme firmava posição contrária à ocupação da Cisjordânia e o bloqueio de Gaza.

Imagino como essas pessoas estão se sentindo envergonhadas com a sangrenta ofensiva militar israelense contra a Faixa de Gaza que, até o momento em que escrevo, já matou mais de 100 crianças. São homens, mulheres, jovens e idosos que condenam a violência e reconhecem as injustiças históricas causadas ao povo palestino. Judeus que se declaram a favor de um Estado palestino convivendo com Israel ou um Estado binacional. Gente que ama seu país e por isso optou por viver na terra dos seus antepassados apesar do conflito. Mas gente que acredita, acima de tudo, que o mal não é e jamais será a melhor solução.

******************************

De coração alforriado

Foi uma semana sem internet, justo quando mandei o laptop para uma revisão e os compromissos de fim de ano se amontoaram, com os irmãos e amigos queridos vindos de outros estados para passar as festas no Rio. Esse Rio que nunca decepciona, e recebe todo mundo com tempo bom e programação variada para atender a todos os gostos, principalmente os bons gostos, diga-se de passagem, pois falsa modéstia nunca foi o nosso forte por aqui. De forma que, impossibilitada tecnicamente, não publiquei a crônica de praxe, comentando o ano que passou e fazendo votos de Feliz Ano Novo. No entanto, quero agradecer aos meus poucos, porém fiéis, leitores pelos últimos doze meses de boa vontade, desejando contar com a sua generosidade pelos próximos 365 dias que, acreditem (e aproveitem!), passarão mais depressa do que os anteriores.

Por tudo isso, mais uma vez cumpri o ritual de passagem com tudo o que ele pode proporcionar, do fator psicológico ao emocional, para o bem e para o mal. Desta forma, compareci aos “chopinhos” com os diferentes grupos de amigos, o grupo da última viagem inclusive, fui aos almoços de confraternização de trabalho, às reuniões de família, e até a comemoração de fim de ano dos funcionários do prédio, com direito à feijoada no pratinho de papel. Fui também, como faço de uns anos para cá, à festa de Iemanjá, agora oficialmente comemorada no dia 29 de dezembro, em Copacabana. Festa que já foi a grande atração das noites de réveillon no Rio de Janeiro, mas aos poucos foi sendo empurrada para os cantos da praia, enquanto crescia a afluência para assistir à queima de fogos da meia noite do dia 31. Concentrada em minhas preces, comprei flores brancas em uma das muitas barraquinhas espalhadas ao longo da Avenida Atlântica e as ofereci à Rainha do Mar. Molhei o pé na água fria do Atlântico Sul e lancei às ondas os meus pedidos mais recônditos.

Dois dias depois, preparada para encerrar mais um ano, disposta a não olhar saudosa para trás, voltei à Avenida Atlântica para a noite de réveillon. E foi linda a noite de réveillon em Copacabana. Desta vez, com duas amigas paulistas hospedadas no Hotel Pestana, de frente para o mar, pude acompanhar a festa dede o início.


É mesmo um espetáculo sem igual. Você olha lá de cima, ainda com a luz do dia, e vê a larga faixa de areia branca, quase vazia. Em seguida vai o mar se aprofundando no azul. Parece tudo tão calmo... Aos poucos, enquanto escurece, vão chegando as pessoas vestidas de branco. Vêm também os navios transatlânticos, um a um, se enfileirar diante de nós. Com o relevo desenhado em luzezinhas decorativas, eles ficam ali parados, compondo com outros barcos, de todos os tamanhos e igualmente iluminados, um cenário que, de tão deslumbrante, parece até artificial.

Às nove horas, a praia já está lotada. Um amigo passou para me buscar para irmos juntos a um jantar. Abrimos a primeira garrafa de champanhe. Brindamos os quatro e saímos eu e ele antes da chuva rala que caía apertar. Fomos a passos largos pela Avenida Atlântica por três ou quatro quarteirões, buscando as marquises para nos proteger. Mais gente chegando. A ansiedade festiva no ar. Ambulantes vendendo de tudo na bagunça organizada que costuma ser a tônica desta celebração popular. Uma festa bem família a de Copacabana.

Chegamos sem muito nos molhar a um dos prédios mais tradicionais da beira mar. Um edifício imponente, em estilo neoclássico, batizado com o nome de Presidente Tancredo Neves. Subimos, entramos, cumprimentamos e ceamos. Fomos para a imensa varanda do apartamento assistir à queima de fogos de camarote, com outros oitenta convidados. Lá em baixo, a multidão de branco fervia. Meia noite! O show começou. Foi mais bonito do que nunca, com as balsas mais distantes da orla, permitindo uma visão melhor de qualquer ponto de vista. E havia novidades: contornando a linha da praia, os fogos saindo de dentro da água como chafarizes que desciam em cascatas luminosas se alternaram durante os vinte minutos da queima anual. Foi lindo!


Voltamos encantados. Na saída do prédio eu li outra vez o nome do ex-presidente eleito pelo Colégio Eleitoral, mas que só tomou posse no coração dos brasileiros. Estavam ali brincando e bebendo muitos dos que choraram naquele distante ano de 1985. A morte de Tancredo foi um trauma para a nação. Mas passou, com o tempo tudo passa... No caminho de volta, despedi-me das tristezas do ano que terminou. Vou guardar para sempre a saudade, porém sem traumas e sem dor. E assim, leve e solto, meu coração alforriado foi atrás de um bloco de foliões prematuros que desfilava pela avenida. Fantasiados de anjos, com túnicas brancas e auréolas prateadas, já roucos e trôpegos, eles saudavam o Tempo com a tradicional cantiga: “Adeus ano velho / Feliz Ano Novo!”


**********