A melhor solução

Em agosto do ano passado, fui ao Festival de Cinema Brasileiro em Israel com um grupo convidado pela direção do evento. Chegamos a Tel Aviv depois de uma longa viagem com escala em Paris. O receio de todos nós da delegação brasileira, formada por diretores, produtores e atores dos filmes concorrentes, era o trâmite no aeroporto Ben Gurion. Ouvíramos contar as histórias mais cabeludas sobre filas quilométricas, revistas nos mínimos detalhes, interrogatórios massacrantes, e turistas retidos na imigração por muitas horas, às vezes mais de um dia. Por sugestão de um companheiro de viagem, cheguei a tirar do meu note book e jogar no lixo do aeroporto Charles de Gaulle um DVD sobre Jerusalém. Isto porque o filme, com legendas em inglês, era falado em árabe, e poderia comprometer todos nós.

Mas nada aconteceu como esperávamos. A Embaixada do Brasil enviou um funcionário para nos recepcionar desde a saída do avião e, conversando com ele, já a caminho do hotel, soube da ação diligente da nossa representação em Israel para que não houvesse detenções e nem mesmo revistas. Naturalmente que o fator preponderante foi não haver conflito declarado na ocasião. O fato foi sendo esclarecido durante a nossa estadia, na convivência com gente que trabalha no comércio e no turismo. Desta forma, percebi que onde são comuns os interesses econômicos entre israelenses, árabes-israelenses e palestinos, as relações são mantidas no nível da camaradagem. Porém, há uma tensão latente na região, e basta um incidente que possa dar início a um conflito armado para contagiar as relações de todos os tipos.

A reação a essa situação entre os israelenses nunca é ambígua, ao contrário, eles se declaram abertamente de direita ou de esquerda e defendem seus pontos de vista com veemência, e até xingamentos racistas em determinadas circunstâncias. É o que ocorre, por exemplo, entre as torcidas rivais dos times de futebol de direita, o Beitar Jerusalém, e de esquerda, o Poel Tel Aviv. Quando os dois se enfrentam, a violência verbal nos estádios é liberada, e mesmo que a peleja aconteça em uma cidade israelense de população árabe, nem Maomé é poupado, já que há jogadores árabes-israelenses nos dois lados.


De direita e de esquerda é como a opinião pública em Israel se divide entre os que apóiam a repressão aos territórios palestinos e os que são radicalmente contra ela. Os de esquerda, em geral artistas e intelectuais de formação humanista, formaram a grande maioria nas platéias das cinematecas de Haifa, Jerusalém e Tel Aviv, onde o Festival de Cinema Brasileiro acontece há oito anos. Em 2008, o filme “Tropa de elite”, de José Padilha, inaugurou a mostra nas três cidades. Eu compareci às noites de abertura e realizei entrevistas na saída das sessões para as reportagens publicadas na GAZETA MERCANTIL e no Jornal do Brasil. A reação quase unânime do público era de associação imediata entre os territórios palestinos e as favelas do Rio de Janeiro.

A idéia era a de que, lá como cá, existe uma população oprimida pela pobreza e falta de oportunidades, com os jovens sem perspectiva de futuro e sem opções de lazer. São todos moradores de regiões que sofrem a ação de uma organização terrorista ou do crime organizado dentro da própria comunidade, e ambos subjugados pela repressão violenta por parte do aparato policial militar do Estado, que por sua vez não lhes garante as condições mínimas de cidadania. Com algumas reações indignadas quanto à indiferença do nosso governo com a corrupção policial, o público em geral que compareceu aos debates após a exibição do filme firmava posição contrária à ocupação da Cisjordânia e o bloqueio de Gaza.

Imagino como essas pessoas estão se sentindo envergonhadas com a sangrenta ofensiva militar israelense contra a Faixa de Gaza que, até o momento em que escrevo, já matou mais de 100 crianças. São homens, mulheres, jovens e idosos que condenam a violência e reconhecem as injustiças históricas causadas ao povo palestino. Judeus que se declaram a favor de um Estado palestino convivendo com Israel ou um Estado binacional. Gente que ama seu país e por isso optou por viver na terra dos seus antepassados apesar do conflito. Mas gente que acredita, acima de tudo, que o mal não é e jamais será a melhor solução.

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