De coração alforriado

Foi uma semana sem internet, justo quando mandei o laptop para uma revisão e os compromissos de fim de ano se amontoaram, com os irmãos e amigos queridos vindos de outros estados para passar as festas no Rio. Esse Rio que nunca decepciona, e recebe todo mundo com tempo bom e programação variada para atender a todos os gostos, principalmente os bons gostos, diga-se de passagem, pois falsa modéstia nunca foi o nosso forte por aqui. De forma que, impossibilitada tecnicamente, não publiquei a crônica de praxe, comentando o ano que passou e fazendo votos de Feliz Ano Novo. No entanto, quero agradecer aos meus poucos, porém fiéis, leitores pelos últimos doze meses de boa vontade, desejando contar com a sua generosidade pelos próximos 365 dias que, acreditem (e aproveitem!), passarão mais depressa do que os anteriores.

Por tudo isso, mais uma vez cumpri o ritual de passagem com tudo o que ele pode proporcionar, do fator psicológico ao emocional, para o bem e para o mal. Desta forma, compareci aos “chopinhos” com os diferentes grupos de amigos, o grupo da última viagem inclusive, fui aos almoços de confraternização de trabalho, às reuniões de família, e até a comemoração de fim de ano dos funcionários do prédio, com direito à feijoada no pratinho de papel. Fui também, como faço de uns anos para cá, à festa de Iemanjá, agora oficialmente comemorada no dia 29 de dezembro, em Copacabana. Festa que já foi a grande atração das noites de réveillon no Rio de Janeiro, mas aos poucos foi sendo empurrada para os cantos da praia, enquanto crescia a afluência para assistir à queima de fogos da meia noite do dia 31. Concentrada em minhas preces, comprei flores brancas em uma das muitas barraquinhas espalhadas ao longo da Avenida Atlântica e as ofereci à Rainha do Mar. Molhei o pé na água fria do Atlântico Sul e lancei às ondas os meus pedidos mais recônditos.

Dois dias depois, preparada para encerrar mais um ano, disposta a não olhar saudosa para trás, voltei à Avenida Atlântica para a noite de réveillon. E foi linda a noite de réveillon em Copacabana. Desta vez, com duas amigas paulistas hospedadas no Hotel Pestana, de frente para o mar, pude acompanhar a festa dede o início.


É mesmo um espetáculo sem igual. Você olha lá de cima, ainda com a luz do dia, e vê a larga faixa de areia branca, quase vazia. Em seguida vai o mar se aprofundando no azul. Parece tudo tão calmo... Aos poucos, enquanto escurece, vão chegando as pessoas vestidas de branco. Vêm também os navios transatlânticos, um a um, se enfileirar diante de nós. Com o relevo desenhado em luzezinhas decorativas, eles ficam ali parados, compondo com outros barcos, de todos os tamanhos e igualmente iluminados, um cenário que, de tão deslumbrante, parece até artificial.

Às nove horas, a praia já está lotada. Um amigo passou para me buscar para irmos juntos a um jantar. Abrimos a primeira garrafa de champanhe. Brindamos os quatro e saímos eu e ele antes da chuva rala que caía apertar. Fomos a passos largos pela Avenida Atlântica por três ou quatro quarteirões, buscando as marquises para nos proteger. Mais gente chegando. A ansiedade festiva no ar. Ambulantes vendendo de tudo na bagunça organizada que costuma ser a tônica desta celebração popular. Uma festa bem família a de Copacabana.

Chegamos sem muito nos molhar a um dos prédios mais tradicionais da beira mar. Um edifício imponente, em estilo neoclássico, batizado com o nome de Presidente Tancredo Neves. Subimos, entramos, cumprimentamos e ceamos. Fomos para a imensa varanda do apartamento assistir à queima de fogos de camarote, com outros oitenta convidados. Lá em baixo, a multidão de branco fervia. Meia noite! O show começou. Foi mais bonito do que nunca, com as balsas mais distantes da orla, permitindo uma visão melhor de qualquer ponto de vista. E havia novidades: contornando a linha da praia, os fogos saindo de dentro da água como chafarizes que desciam em cascatas luminosas se alternaram durante os vinte minutos da queima anual. Foi lindo!


Voltamos encantados. Na saída do prédio eu li outra vez o nome do ex-presidente eleito pelo Colégio Eleitoral, mas que só tomou posse no coração dos brasileiros. Estavam ali brincando e bebendo muitos dos que choraram naquele distante ano de 1985. A morte de Tancredo foi um trauma para a nação. Mas passou, com o tempo tudo passa... No caminho de volta, despedi-me das tristezas do ano que terminou. Vou guardar para sempre a saudade, porém sem traumas e sem dor. E assim, leve e solto, meu coração alforriado foi atrás de um bloco de foliões prematuros que desfilava pela avenida. Fantasiados de anjos, com túnicas brancas e auréolas prateadas, já roucos e trôpegos, eles saudavam o Tempo com a tradicional cantiga: “Adeus ano velho / Feliz Ano Novo!”


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Um comentário:

Sergio Arno disse...

tao bem detalhado , que por instantes me senti no Rio na festa de reveillon . gostei do moso da narrativa !!!Bonito !!!!Sei bem , o qto vc deve ter se divertido com tuas amigas paulistanas , elas sao bem especiais mesmo. pensei em te contar minhas ultimas impressoes do ano de 2008, mas com certeza nao teria uma historia assim bonita !!!!Alem da pneumonia que me acompanhou durante tres semanas , foi meu ultimo e primeiro ano que passsei orfao da minha Mae , assim mesmo nao me lamento , apenas sonho !!!
Te desejo um ano de 2009 Maravilhoso, e que nos traga boas surpresas.
De coracao
Sergio A.