Mergulho no Pacífico Sul

Um mergulho no Pacífico Sul, foi como começou a conversa que nos levou ao Chile, um país que, pela diversidade topográfica e climática, oferece uma formidável variedade de passeios, com paisagens e atrativos que justificaram as cinco horas de voo e as duas semanas que passamos lá.

A cidade de Santiago frequentava o meu imaginário há muito tempo, como contei na postagem anterior. Mesmo assim, a realidade não foi totalmente desapontadora, por conta da limpeza das ruas, da organização urbana, da educação e gentileza dos moradores, e por estar incrustada na pré-cordilheira dos Andes, o que lhe dá certa atmosfera de proteção.

Imagine uma São Paulo um pouco menor, menos barulhenta, com um trânsito mais bem resolvido, e cercada por montanhas de picos nevados que compõem um visual do tipo "Shangrilá"? Seria um sonho se o fato de estar naturalmente cercada não fizesse a cidade sofrer com a frequente alta poluição do ar. Acontece que é raro chover na região e a cordilheira impede a passagem dos ventos que levariam as partículas indesejáveis de poeira para o mar.

No pouco tempo que passamos em Santiago, quatro dias ao todo, não deu para sentir essa poluição, foi tudo muito agradável. A comida é razoável, pra quem gosta de salmão é uma festa, e tem ainda um King Crab que é uma viagem. É o mesmo Santolla que se encontra na costa atlântica de Portugal, na cadeia de restaurantes Oscar, de Nova Iorque, e em todo o Canadá. Para mim, a iguaria é um tesão de sabor e contém uma quantidade de proteína que, combinada às ostras frescas da entrada, transformou-se na refeição mais afrodisíaca que jamais provei. Ainda mais que essas delícias se comem com as mãos.

A cidade tem ainda os vinhos chilenos ao preço de “vinho nacional”. E muito próximo, o adorável balneário de Vinha Del Mar, onde ocorreu o nosso tão esperado e propalado mergulho no Pacífico Sul. Enfim, a capital do Clile tem quase tudo para fazer de uma cidade um lugar bom para viver, a não ser por um senão. E aqui eu peço licença a Clarice Lispector - e à precisão de seu comentário sobre uma cidade da Suíça - para dizer sem hesitação: falta demônio em Santiago do Chile.

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Na terra de Allende

Conversa vai, conversa vem, depois de gostosos mergulhos no Atlântico Sul – comentados aqui na última postagem –, resolvemos tomar um banho de mar no Pacífico Sul, só para comparar. Em dois dias tínhamos um roteiro organizado, com passagens marcadas e hospedagem garantida no Chile. Um país que nenhum de nós conhecia, apesar de constar da lista dos lugares que um dia iríamos com certeza visitar.

Santiago para mim era e continua sendo a terra de Salvador Allende. A cidade para onde foram nossos exilados políticos quando pela primeira vez na história da América Latina um socialista marxista era eleito presidente. A cidade mais citada nas memórias desses brasileiros que participaram da luta armada ou não, militantes de esquerda ou simplesmente defensores da democracia que depois, em tempos de anistia, contaram em livros suas aventuras e desventuras no exílio. Alguns dos quais se tornaram best sellers e eu saborosamente li.

Garota meio alienada, por força da repressão que engolfava todas as instâncias da vida social e transbordava para o seio das famílias, apavoradas com a possibilidade de ter um esquerdista entre os seus, fui despertada da modorra política por um tio que costumava nos visitar. Como notasse que eu lia na revista Manchete uma reportagem sobre o novo presidente do Chile, um socialista eleito por sufrágio universal, ele vaticinou por entre o bigode cerrado,com sua voz de trovão:

__ Esse Allende vai cair. Socialista na América Latina tem que tomar o poder, tem que fazer revolução. Eleito de forma democrática, ele não se sustenta, não governa de jeito nenhum. Vão derrubá-lo, minha filha, você vai ver!

Passaram-se três anos e a maldição se confirmou. O palácio de La Moneda foi cercado e Salvador Allende morreu resistindo à investida do seu chefe das Forças Armadas e antigo homem de confiança Augusto Pinochet.

O resto da história vocês sabem. Eu também. Pois tendo a curiosidade politica revitalizada por um analista no mínimo intuitivo, passei a preferir as rodas masculinas de conversa e as colunas de política nos jornais. Sempre com interesse meio transversal porque o assunto era proibido em casa, na escola, na praia e onde mais os jovens se encontrassem, sob pena de ser tomados por subversivos. Fama pior do que a de “galinha” para uma moça de família.

Mas agora, tantos anos depois, lembrando daquela época com uma pontinha de nostalgia, eu me encontrava em frente ao palácio no qual o primeiro presidente socialista marxista da América Latina entrara para três anos depois morrer resistindo ao famigerado golpe do general Augusto Pinochet. A emoção foi imensa. E confesso que senti correr na espinha o mesmo arrepio de tempos atrás, quando ao saber da notícia da queda de Allende, fui tomada pela angústia de, de alguma maneira, ter sido conivente com as forças da repressão.

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