Na terra de Allende

Conversa vai, conversa vem, depois de gostosos mergulhos no Atlântico Sul – comentados aqui na última postagem –, resolvemos tomar um banho de mar no Pacífico Sul, só para comparar. Em dois dias tínhamos um roteiro organizado, com passagens marcadas e hospedagem garantida no Chile. Um país que nenhum de nós conhecia, apesar de constar da lista dos lugares que um dia iríamos com certeza visitar.

Santiago para mim era e continua sendo a terra de Salvador Allende. A cidade para onde foram nossos exilados políticos quando pela primeira vez na história da América Latina um socialista marxista era eleito presidente. A cidade mais citada nas memórias desses brasileiros que participaram da luta armada ou não, militantes de esquerda ou simplesmente defensores da democracia que depois, em tempos de anistia, contaram em livros suas aventuras e desventuras no exílio. Alguns dos quais se tornaram best sellers e eu saborosamente li.

Garota meio alienada, por força da repressão que engolfava todas as instâncias da vida social e transbordava para o seio das famílias, apavoradas com a possibilidade de ter um esquerdista entre os seus, fui despertada da modorra política por um tio que costumava nos visitar. Como notasse que eu lia na revista Manchete uma reportagem sobre o novo presidente do Chile, um socialista eleito por sufrágio universal, ele vaticinou por entre o bigode cerrado,com sua voz de trovão:

__ Esse Allende vai cair. Socialista na América Latina tem que tomar o poder, tem que fazer revolução. Eleito de forma democrática, ele não se sustenta, não governa de jeito nenhum. Vão derrubá-lo, minha filha, você vai ver!

Passaram-se três anos e a maldição se confirmou. O palácio de La Moneda foi cercado e Salvador Allende morreu resistindo à investida do seu chefe das Forças Armadas e antigo homem de confiança Augusto Pinochet.

O resto da história vocês sabem. Eu também. Pois tendo a curiosidade politica revitalizada por um analista no mínimo intuitivo, passei a preferir as rodas masculinas de conversa e as colunas de política nos jornais. Sempre com interesse meio transversal porque o assunto era proibido em casa, na escola, na praia e onde mais os jovens se encontrassem, sob pena de ser tomados por subversivos. Fama pior do que a de “galinha” para uma moça de família.

Mas agora, tantos anos depois, lembrando daquela época com uma pontinha de nostalgia, eu me encontrava em frente ao palácio no qual o primeiro presidente socialista marxista da América Latina entrara para três anos depois morrer resistindo ao famigerado golpe do general Augusto Pinochet. A emoção foi imensa. E confesso que senti correr na espinha o mesmo arrepio de tempos atrás, quando ao saber da notícia da queda de Allende, fui tomada pela angústia de, de alguma maneira, ter sido conivente com as forças da repressão.

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3 comentários:

thiago disse...

As freqüentes publicações de best-sellers acabam fazendo da partícula tiago algo fabuloso... Bota reparo... Santiago no Chile, Santiago de Compostela na Galiza... quiçá surja um São Thiago Ramos em São Paulo... né? Enfim, somos demais mesmo...

Além disso... é impressionante, como nossa juventude nos marca com os melhores episódios das nossas vidas... nos dá o poder de interagir sobre o que não podemos participar, exceto como espectadores... ou (provavelmente, praticando um neologismo) como expectadores... mesmo depois de amadurecer com as oportunidades de frustrar-se, paulatinamente, com a necessidade tediosa de superar o orgulho alheio...

Por fim, esta postagem trouxe um grande mistério... qual a diferença entre os mares do Atlântico Sul e do Pacífico Sul?

thiago disse...

As freqüentes publicações de best-sellers acabam fazendo da partícula tiago algo fabuloso... Bota reparo... Santiago no Chile, Santiago de Compostela na Galiza... quiçá surja um São Thiago Ramos em São Paulo... né? Enfim, somos demais mesmo...

Além disso... é impressionante, como nossa juventude nos marca com os melhores episódios das nossas vidas... nos dá o poder de interagir sobre o que não podemos participar, exceto como espectadores... ou (provavelmente, praticando um neologismo) como expectadores... mesmo depois de amadurecer com as oportunidades de frustrar-se, paulatinamente, com a necessidade tediosa de superar o orgulho alheio...

Por fim, esta postagem trouxe um grande mistério... qual a diferença entre os mares do Atlântico Sul e do Pacífico Sul?

Leila Richers disse...

Oi, Thiago

O banho de mar no Pacífico Sul é o assunto do próximo blog.
Aguarde!
Abraço,
Leila