Matéria da Gazeta Mercantil

A pedido dos que não conseguiram acessar as páginas do Caderno de Cultura da Gazeta Mercantil da última sexta-feira, vai aí a matéria publicada:


Haifa - A abertura da oitava edição do Festival de Cinema Brasileiro em Israel foi animada por um conjunto de bossa nova. O público que compareceu à Cinemateca de Tel Aviv comprou ingressos com antecedência e teve direito ao coquetel de abertura do evento, regado a caipirinha e guaraná de exportação gelado. Cinéfilos mais desinibidos chegaram a tentar alguns passos desengonçados de samba, minutos antes de ocupar os 700 lugares da sala de projeção para assistir ao filme “Tropa de Elite”. Muitos já tinham visto o trailer que apresenta o Rio de Janeiro como “a cidade mais violenta do mundo”, mas isso não diminuiu o impacto da estréia do longa-metragem de José Padilha que aqui, como em outros países onde foi exibido, dividiu opiniões. Ao final da sessão, metade da platéia aplaudia com entusiasmo a produção sobre a violenta atuação do BOPE no combate ao tráfico de drogas nas favelas cariocas, enquanto a outra parte demonstrava certa contrariedade. Yael Goren, de 22 anos, que acaba de dar baixa do serviço militar, foi à sessão com a mãe, Nimra Goren, advogada de 55 anos. Elas sabiam que o filme era violento, mas não esperavam que fosse tanto e disseram ter tido dificuldade de ficar até o final da projeção. Na saída da cinemateca, Yael declarava uma antiga vontade de conhecer o Brasil, porém, ao contrário de Israel, não acredita que se sentiria segura num lugar onde a polícia atua com tamanha truculência:
_ Aqui é diferente. Muitas vezes eu ando de ônibus ao lado de um soldado com a metralhadora encostada na minha perna, mas sei que ele é muito bem treinado e só usaria a arma para me defender.
Já Heror Cohen, estudante de cinema na Universidade de Tel Aviv, gostou do filme e fez um paralelo entre a situação do Rio de Janeiro atual e o holocausto dos judeus na Segunda Guerra Mundial:
_ Ainda é muito forte entre nós a memória de uma época, como a dos meus avós que morreram na Alemanha entre 1944 e 1945, em que a vida humana não valia nada, assim como acontece hoje com vocês.
“Tropa de Elite” também foi selecionado para abrir o festival na Cinemateca de Jerusalém, um belo prédio com quatro salas de projeção e um acervo de mais de 35 mil títulos, que vão desde as raridades dos primeiros registros de imagens em movimento do final do século XIX até os dias de hoje, cobrindo inclusive toda a história do jornalismo no século XX. O coquetel de abertura aconteceu nos jardins da cinemateca, de frente para a muralha da cidade velha, para um público mais formal que o de Tel Aviv, com menos jovens na platéia. Mesmo assim, muitos permaneceram em seus lugares depois da projeção, decididos a participar do debate com o ator André Ramiro, o tenente Matias do filme.
De tudo o que viram na tela, o que mais impressionou aos israelenses parece ter sido o fato de policiais envolvidos em corrupção e abuso de poder não ser devidamente punidos. Outros quiseram saber se no Rio de Janeiro existe um monumento para as vítimas da violência. Os brasileiros, em maioria na platéia do debate, mostravam-se indignados com a divulgação negativa que filmes com mesma temática de “Tropa de Elite” fazem do Brasil no exterior. Muitos chegaram a criticaram o apoio da embaixada brasileira ao festival.
Ao final do debate, na saída da cinemateca, ainda havia gente disposta a continuar discutindo o filme. Numa roda de amigos, Netanel, empresário de 28 anos, que não quis revelar o sobrenome, dizia ver os traficantes como terroristas que precisam ser eliminados da sociedade. Para ele, é inevitável que haja vítimas inocentes nesse tipo de guerra:
__Quando eu atuava no Exército de Israel, no combate ao terrorismo, ficava muito impressionado. Algumas vezes via o rosto de um jovem inocente morto no conflito por dois meses. Mas, você acha que podemos deixar os terroristas agirem livremente?
A pergunta pairou por alguns segundos no ar, até que o próprio Netanel continuou, desta vez contando que a coisa que mais lhe impressiona é saber que, apesar de tudo, o Brasil é um lugar de pessoas felizes. Ele disse se lembrar da dança de Ronaldinho Gaúcho para comemorar os gols no Barcelona e terminou levantando outra questão difícil de responder:
_ Como essas pessoas podem viver tão contentes rodeadas de tanta pobreza e violência? Como essas duas coisas podem vir juntas?
Em Haifa, a reação ao longa-metragem de José Padilha não foi muito diferente das outras cidades israelenses que abrigam o festival. Aqui, a platéia também ficou dividida e as questões discutidas ao final da projeção refletiam a oposição ideológica entre conservadores e progressistas na associação direta que fazem entre a luta contra os terroristas em Israel e os traficantes de drogas no Brasil. Enquanto os primeiros reiteravam o apoio à ferocidade das forças de segurança israelenses como fato inevitável do conflito com os palestinos, os outros criticavam a violência e os excessos cometidos em nome do combate ao terrorismo. Mas houve quem propusesse uma reflexão diferente. O filósofo Alon Ronit, de 60 anos, criticou o filme por supervalorizar as cenas de ação e negligenciar a condição existencial dos protagonistas:
_ O filme fica muito voltado para as coisas que acontecem do lado de fora e deixa de contar as transformações internas dos personagens, muito mais importantes para o bem-estar do homem a evolução do sentimento de humanidad

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