Sobre Jerusalém

Jerusalém é a Disneylândia dos místicos. Foi a idéia que me ocorreu quando estive pela primeira vez na capital israelense, no mês passado. Em apenas um quilômetro quadrado, cercado pelas muralhas milenares da Cidade Velha, as três religiões monoteístas disputam corações e mentes de fiéis de todo o mundo que chegam à Terra Santa para reverenciar a memória dos principais personagens ou visitar os lugares mais sagrados da Bíblia e do Alcorão.
Localizada nas montanhas da Judéia, entre o mar Mediterrâneo e o mar Morto, Jerusalém – atualmente sob a jurisdição de Israel – tem uma história que remonta a 1004 a.C., quando foi fundada pelo rei Davi – o rapaz franzino que enfrentou e venceu o gigante Golias e depois unificou e transformou em nação as 12 tribos dos hebreus. Desde então, a cidade sofreu invasões, destruições, êxodo e retorno do povo judeu. O Muro das Lamentações é uma relíquia dessa história. Foi o que restou do Templo de Salomão – incendiado pelos romanos nos primórdios da era cristã. Para os judeus ainda há que visitar o Monte Sião, onde está o túmulo de Davi; o Monte das Oliveiras, com um antigo cemitério judaico; e o Monte do Templo, lugar em que os ortodoxos se recusam a pisar para não profanar a sua santidade.
A romaria dos cristãos à antiga Jerusalém busca percorrer o caminho do Calvário que leva à igreja do Santo Sepulcro, erguida sobre o local onde Cristo ressuscitou depois de crucificado, morto e sepultado. No Monte das Oliveiras, Jesus se reunia com os apóstolos. O salão no qual foi realizada a última ceia está intato até hoje. E os devotos ainda podem rezar sobre o túmulo da Virgem.
Terceira cidade mais sagrada para os islâmicos, depois de Meca e Medina, Jerusalém é o lugar da mítica viagem noturna de Maomé e da sua ascensão ao céu. Ali está o Pátio das Mesquitas, com a mesquita de Al-Aqsa e o Templo de Omar, além da impressionante Cúpula do Rochedo – onde reina a pedra que teria dado origem ao planeta.
Com tal concentração de monumentos e sobreposição de espaços sagrados para o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, fica difícil, mesmo para o melhor guia, evitar que o turista sem muito conhecimento das três religiões acabe por fazer na cabeça um samba do crioulo doido. Melhor seria que a cidade fosse explicada por camadas históricas em ordem cronológica, sem privilegiar uma ou outra crença. Como isso não acontece, o sucesso da visita a Jerusalém vai depender da afinidade entre a religião do grupo e do guia escolhido. Se não, o passeio vira uma batalha ideológica, com cada qual puxando a brasa para a sua sardinha. Mais ou menos o que tem acontecido na Cidade Velha, no decorrer do tempo, principalmente nos campos santos para os cristãos, onde diferentes ordens da Igreja Católica, como a dos franciscanos e beneditinos, construíram templos e capelas em lugares contíguos ou quase sobrepostos e que ainda têm que disputar o espaço exíguo com católicos ortodoxos.
Para mim, talvez fosse melhor ver os lugares santos preservados, sem a intervenção da Igreja, exatamente como aparecem nos filmes bíblicos de Cecil B. DeMille. Mas para a maioria das pessoas é diferente; elas se emocionam a cada metro quadrado, dispostas a verterem lágrimas sobressalentes quando uma simples coincidência torna a experiência de estar na Terra Santa algo quase sobrenatural.
Foi o que aconteceu com o nosso grupo que, atrasado, acabou por ficar preso na Igreja do Santo Sepulcro, exatamente às seis da tarde, quando os franciscanos vêm em procissão, de vela na mão, para a missa da Ave Maria. Neste momento as portas do templo se fecham, cai uma forte penumbra, e ninguém entra nem sai. Foi quando começou a tocar um órgão magnífico... Exaustos, decidimos nos sentar no chão e ali ficamos por um longo tempo, mergulhados em misticismo, afogados de emoção.

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