Praça XV

Às seis e meia da tarde de ontem, tive que dar três voltas na Praça XV para conseguir estacionar o carro numa área a cargo da prefeitura, embaixo de um viaduto, em cima de cascalhos de entulhos espalhados na pista, e ainda tive que escalar escombros para sair no beco ao lado do prédio da Bolsa de Valores. Meu destino era a escola de cinema Darcy Ribeiro, então, cruzei para outro beco e fui me embrenhando pelas ruelas coloniais, justamente na hora em que tudo ali passa por uma transformação frenética; nos dez ou doze minutos que leva o trajeto, acompanhei as mudanças no elenco, na cenografia, na luz e na atmosfera do lugar. E não é papo de sinestesia não, senti mesmo o fedor que escorria pelos paralelepípedos dos antigos logradouros ser contido pelo cheiro frio das bebidas saindo dos bares nas bandejas dos garçons desodorizados e gomalinados como manda o figurino do turno da noite; cheiravam bem também as meninas em fim de expediente, e as não tão meninas assim salpicavam de sorrisos e decotes as mesas de plástico que transbordavam das calçadas para o meio-fio. Vi um bando de jovens engravatados, todos muito parecidos, levantar tulipas de chope como se fossem troféus; vi grupos de gente de todas as cores bebendo na mesma garrafa; vi turistas muito brancos se encharcando de caipirinha; vi o garoto do amendoim conversar com o mendigo travesti, e até uma corcunda namorando agarradinha. Cheguei à primeiro de março e nem olhei pra trás..., vai que viro estátua de sal.

Um comentário:

Unknown disse...

Brilhante descrição, Leila! Eu, que também passo vários 12 minutos diários em trajeto semelhante, não posso deixar de admirar seu texto, que traduz muito bem, não só o colorido humano local, mas principalmente o abandono a que foi relegado nosso espaço urbano. Degradação total, sob a direção da nossa inerte prefeitura.
bjs
Elcio