O Rio de Verdade no Cinema

Sábado passado encontrei Cristina Prochaska, no centro da cidade, no comando da produção executiva do novo filme de Bruno Barreto "174". Dona de um dos rostos mais bonitos do Brasil e de um corpo bem proporcionado que se movimenta com porte altivo de princesa croata, Cristina ficou mais conhecida por ter tido o nome envolvido numa anedota televisiva. O episódio, que todo mundo já conhece, é mesmo engraçado, ela leva na esportiva, mas há aí uma injustiça com o seu talento. Coisa que pode ser corrigida agora com a nova oportunidade de fazer um papel neste mesmo filme. Foi o próprio diretor quem me contou sobre a participação especialíssima que reservou para sua produtora doublé de atriz.

Esse papo aconteceu no set de filmagens, entre uma e outra tomada, no meio de gente muito jovem que compõe o staff de Bruno. A começar das duas assistentes de direção e da fotógrafa de still, parece uma turma saída do colegial. Isso resulta num clima alto-astral e o diretor parece extremamente contente com o andar da carruagem. Disse–me ainda, Bruno, que o elenco (na maioria, amadores moradores de comunidades carentes) estava revelando talento excepcional com a preparação de atores ministrada por Ricardo e Rogério Blat.

Quando decidi voltar às minhas obrigações de estudante, a bela Cristina me convidou para assistir às filmagens das cenas do massacre na Candelária, importantes no filme porque o sequestrador do ônibus 174 fora sobrevivente da chacina nos arredores daquela igreja. Aceitei de pronto. Trata-se de um episódio dramático da história do Rio de Janeiro e degradante para a imagem, há muito corroída, de cidade maravilhosa que insistimos em manter. É, na verdade, uma seqüência tão importante que deveria ser requerido no set o uso de tarja preta para todos, em memória das sete crianças ali executadas, em julho de 1993. Aliás, todo carioca que se preza deveria reverenciar memória tão dolorosa.

Digo isso porque penso que já é hora dos moradores desta cidade começarem a desvalorizar a tão propagada, e na mesma medida perniciosa, irreverência carioca que vem se transformando em criminosa indiferença. Já toquei nesse assunto aqui, em publicações anteriores, e repito: a flagrante indiferença de quem vive em situação privilegiada para com os que vivem em situação de risco acaba por garantir a manutenção dessa polícia corrupta e violenta, que perpetrou barbaridades como essa da Candelária, a de Vigário Geral e outras tão terríveis quanto, e agora estende seu braço paramilitar sobre 98 favelas, acossando cruelmente essas populações.

A insensibilidade moral é mais evidente nos bairros mais ricos da cidade, como o Leblon. Com o agravante de serem esses lugares divulgados, enganosamente, como exemplos do estilo de vida tipicamente carioca. E assim é exportado como padrão de bacanice o que não passa de canalhice. É ilustrativo o comentário da atriz Camilla Amado, hoje no Jornal do Brasil. Ela conta que na primeira temporada da peça O Homem Vivo, em Copacabana, 60 pessoas voltaram para casa sem ingresso numa única sessão. Já no Leblon, ela chegou a apresentar a montagem da reunião de textos de Bertold Brecht para apenas dois pagantes. É a própria Camila quem conta:
- No Leblon, pusemos uma foto bem grande dos dois trabalhadores escravizados. O pessoal passava e dizia: “Pobre eu já vejo na rua. Vou ao teatro ver pobre?”

2 comentários:

Breno Leite disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Breno Leite disse...

Leila,

Apropriando-me da frase do saudoso Plínio Marcos párabéns "pela coragem de assumir risco com a palavra". Chegou a hora de cada um mostrar quem é.