Internet, praia e empadinhas...

Caros leitores, peço desculpas pela longa ausência e ainda por não ter dado satisfação alguma do motivo que me afastou tanto tempo deste blog. Acontece que por conta de uma infiltração resultante das chuvas de meados de novembro, fiquei sem internet, e isso na véspera de uma viagem à Florianópolis onde passei uma semana em Canasvieiras, uma praia de areia branquinha e mar listado de azul e verde... E quando a vida real é sombra e água fresca, só um tarado vai pensar em realidade virtual. Agora, de volta ao mundo cruel e com o problema da rede resolvido, publico aqui um conto, torcendo para que caia no agrado de vocês:

A Empadinha

O que eu menos gosto em ser velha é andar assim curvada, com a cabeça lançada pra frente, feito esganada pra abocanhar o tanto de vida que me resta. E o corpo vindo atrás, remanchando, como que apegado demais aos escassos últimos gostos.
Um pouco de sol de manhã, o sono pesado depois do almoço, lembranças ao entardecer, e a televisão no fim do dia. No meio da novela eu cochilo e muitas vezes até durmo, e aí eu ronco que só vendo. Mas ninguém vê, eu moro só. Sozinha eu vou para a cama, sozinha durmo e acordo, sozinha passo meus dias entre os quatro cantos deste apartamento. Às vezes abro a janela, mas fecho logo depois. Tenho medo do que possa entrar por ela. Um golpe de ar, uma bala perdida, o mosquito da dengue. Um ladrão só se for voando porque é andar alto, mas se vê cada coisa hoje em dia...
A janela só fica aberta quando o meu filho vem. Se não, ele reclama, diz que está abafado, que é preciso deixar ventilar, que ar fresco é bom pra saúde, e isso e aquilo. Eu não concordo com nada disso, mas finjo que sim para não perder tempo, não o meu que tenho de sobra, mas o dele que fica menos de uma hora.
Quando vem me visitar, o meu filho traz uma empadinha de palmito, a minha preferida. Só uma, porque mais o médico proíbe. Eu não acredito que possa fazer mal uma coisa tão boa como a empadinha que o meu filho traz pra mim todas as semanas, só finjo que sim porque esse é o nosso segredo, ele nos torna cúmplices na travessura de me fazer mal à saúde. E isso me faz bem ao coração.
Quando o meu filho chega, abro a porta de casa já procurando a prenda. Ele, com o braço levantado, sacode o pulso no ar fazendo balançar o saquinho de papel lustroso que segura pela ponta da dobra comprimida entre o indicador e o polegar. Então, olhamos um para o outro, e trocamos um sorriso gêmeo.
Depois, ele me beija o rosto e entra pela casa, perfumando o ambiente com o cheiro do salgado. De vez em quando eu sonho com esse cheiro e sinto na ponta da língua o farelo da farinha desmanchar, sinto a boca encerada de gordura e o gosto quente do recheio. Os pedaços moles de palmito, eu os engulo bem devagar. A azeitona eu não como, nem mesmo quando estou acordada.
É na mesinha da sala que fazemos a partilha. Lá , quando o meu filho chega, já estão os copos, a jarra de água, o prato limpo, e a faquinha bem afiada. Primeiro eu abro o saquinho, depois, com cuidado, coloco a empadinha sobre o prato e, então, corto a guloseima em dois pedaços iguais. O pedaço com a azeitona é do meu filho, o outro é para mim. Sentados comemos, bebemos, e ficamos assim quietos, olhando um para o outro, esperando o tempo passar.

2 comentários:

Carla disse...

Empadinhas.essa matéria ficou ótima!!!Criativa mesmo! Sei bem que vc entende de empadas, pois nascida em Realengo, onde podemos comer e melhor empada do rio, vc já pode ser considerada a rainha das empadas. Só cuidado que engorda um pouquinho.....Boas empadas pra vc!

Carla disse...

Empadihas, esse texto foi o melhor de todos. Nascida em Realengo, vc deve conhecer bem empadas, uma vez que sabemos que lá pouui as melhores do rio. Viva a rainha das empadas...cuidado para não engordar muuito!!!