Ménage à Trois

Se estivesse almoçando com minhas amigas num restaurante em Ipanema e o assunto surgisse, começaria por dizer que a-do-ro Woody Allen. Como já devo ter feito algumas vezes, ainda mais incentivada por taças e taças de Puilly-Fumé gelado, que um Sauvignon Blanc desses leva a gente ao exagero. E não estaria mentindo, mas cometendo o pecado da heresia, pois, segundo a minha avó – que a-do-ra-va cortar a minha onda –, adorar só a Deus. E graças a Deus as admoestações de vovó serviram para ajuizar minhas avaliações e me fazer levar em conta que quando a gente escreve, faz mais do que lançar palavras ao vento nas esquinas chiques da Visconde de Pirajá.

Então, voltando ao assunto, gosto muito dos filmes de Woody Allen, mas este último, Vicky Cristina Barcelona, é menos que uma bobagem. Vamos combinar que há bobagens e bobagens adoráveis, como “Bananas”, no qual Allen satiriza tanto a CIA quanto o ativismo político de esquerda. E “O Dorminhoco”, uma crítica hilária aos governos autoritários e à submissão do homem à tecnologia. E esta é justamente a grife do diretor: além de diálogos brilhantes, um olhar inusitado e crítico sobre os temas abordados em seus filmes. O meu preferido é “Noivo neurótico, noiva nervosa”, um tratado genial sobre os relacionamentos amorosos. Mas há outros ótimos disponíveis em DVD, para assistir no aconchego do lar, em boa companhia e, quem sabe, saboreando um Pinot Noir do Vale de Casablanca.

Agora, de volta ao xis da questão, menos que uma bobagem, “Vicky Cristina Barcelona” é uma chatice feita de encomenda para divulgar o turismo na região da Catalunha. Se bem que para apreciar as deslumbrantes locações da fita vale uma ida ao cinema numa quarta-feira, quando a entrada custa metade do preço. Já que o diretor colocou seu reconhecido dom de revelar fotogenias metropolitanas a serviço da cidade do título. E fez a arquitetura inspirada de Gaudí e a arte de Miró contracenar com atores bonitos que bebem vinho o tempo todo. Dá até vontade de abrir um ALTO, de Ribera Del Duero, aquele tinto com gosto de férias na Espanha.



De resto, o filme mostra uma gente que consome muito, e coisas caras. São hotéis de luxo, iates, carros conversíveis e até avião particular para contar a breve história de um triângulo amoroso pouco convincente. Pode-se dizer que Javier Barden dá conta do recado ao encarnar um pintor blasé dependente de companhia feminina. Scarlett Johansson (linda de morrer) faz o que pode para dar algum brilho à superficialidade da jovem americana em busca de aventuras mediterrâneas. Já Penélope Cruz (muito linda também), no papel da ex-esposa neurótica, consegue apenas fazer a caricatura da artista espanhola de sangue quente.

Pena que Woody Allen tenha desperdiçado a sua vez de abordar um tema que já foi tratado com maestria por alguns dos grandes cineastas. Para escolher apenas um, fico com Jules e Jim, de François Truffaut, com Jeanne Moreau na pele de Catherine, uma mulher para dois. Passado na Paris do início do século XX, o filme narra com poesia a evolução de um triângulo amoroso antes e depois da Primeira Guerra Mundial. E evoca, em menos de duas horas de projeção, desde as frivolidades da belle époque até as cicatrizes do pós-guerra. Não é só mais uma historinha de ménage à trois, como “Vicky Cristina...”. Ao contrário, é uma bela homenagem ao amor e à amizade. E os personagens de Truffaut, saídos do romance de Henri-Pierre Roché, não são feitos apenas de aparência e hedonismo. São alegres, sim, porém controvertidos, e capazes de sentimentos de renúncia e compaixão. Porque a vida é mais do que um pilequinho de Dom Pérignon num sarau ao luar.

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