Governo ou desgoverno?

Não sou chegada a uma sessão nostalgia, nem acredito muito nessa história de que recordar é viver. Mas quando vi no jornal, na semana passada, a fotografia de uma dona-de-casa lavando roupa na laje, no topo do Dona Marta, tendo ao fundo o corcovado redentor, senti uma tremenda saudade da cidade que o Rio de Janeiro foi um dia. Nem tanto o Rio que eu vivi, mas o Rio do meu imaginário, o “Rio, 40 Graus”, o Rio de “Orfeu do Carnaval”, o Rio dos anos dourados... da época do lotação... quando os porteiros mais antigos eram verdadeiras instituições na redondeza, e os mendigos eram poucos e folclóricos, cada bairro tinha o seu. Uma cidade na qual menino de rua era um status desconhecido da população. Tanto na Zona Sul quanto na Zona Norte, porque a Zona Oeste nem tinha propriamente população. Enfim, um Rio que não existe mais.

Saí do devaneio saudosista por um lampejo de otimismo trazido por outras notícias tão auspiciosas quanto a da ocupação que livrou o Dona Marta do tráfico de drogas. Uma foi o lançamento no Complexo do Alemão do projeto Território da Paz, com o objetivo de afastar os jovens da criminalidade e aproximar a polícia do dia-a-dia da comunidade. Outra é o esforço da Secretaria de Segurança para acabar com o crime organizado na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, e devolver a comunidade aos moradores de bem. Segundo dados da própria Secretaria, a operação, com início em 11 de novembro, já mostra uma diminuição pela metade, em média, dos crimes cometidos no bairro da Zona Oeste em relação ao mesmo período do ano passado.

Seria muito bom que esse estado de coisas se efetivasse, tanto para os moradores das favelas quanto para os dos bairros adjacentes. Porém há fatores a serem examinados, porque a ocupação social que deve substituir a policial só está prevista para o morro de botafogo, bem menor do que as outras comunidades supracitadas. Ora, o sucesso da operação no Dona Marta, com população de 4.500 pessoas, é resultado de um trabalho de inteligência que reuniu agentes das Polícias Federal e Militar combinado com patrulhamento ostensivo. No entanto, para ocupar as 700 favelas do Rio e Região Metropolitana seriam necessários 70.000 policiais, segundo Milton Corrêa da Costa, um especialista na área de segurança.

Não sei qual é o efetivo a PM hoje, mas com certeza é consideravelmente menor do que o indispensável para vencer a luta contra a violência na cidade. Logo, para dar prosseguimento à política de enfrentamento, o governo do estado já teria que estar concursando e treinando policiais a toque de caixa e em número expressivo. Além de promover programas de capacitação e implementar um plano habitacional para garantir aos policiais o acesso à casa própria - como forma de valorizar a profissão. Porém, nada vai funcionar sem que seja costurado um pacto entre executivo e judiciário no sentido de promover uma limpeza em regra nas forças policiais civis e militares do Rio de Janeiro, afastando os elementos corruptos e punindo-os de forma exemplar. Pois o que há de mais preocupante agora – e seria desolador para o carioca - é a possibilidade do governo tirar o tráfico das comunidades para entregá-las de mão beijada às milícias.

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