Questão de auto-estima

Não me lembro de um mês de fevereiro com um clima tão agradável, dias tão bonitos e noites tão frescas como esse que acabou hoje. Não sei se foi por causa da antecipação do carnaval ou do aquecimento global - sempre há uma explicação para tais fenômenos-, só sei que foi bom à beça. Eu nem pude aproveitar a praia por conta de trabalhos com prazo para entregar. Mas também não passei horas e horas trancada no ar refrigerado. E hoje, com tempo de sobra, resolvi dar uma volta a pé pelas redondezas e aproveitar ao ar livre o último dia do último mês de férias.

Logo na primeira esquina, um homem que eu nunca vi mais gordo mandou uma piadinha ousada em minha direção. Eu costumo considerar esse tipo de coisa falta de respeito e, normalmente, fico até meio irritada. Porém, como a brisa da manhã enchia o ar de bom humor, acabei achando graça.Também porque me lembrei na hora de uma antiga teoria do meu pai, segundo a qual, uma moça vinda do interior perdia rapidamente a virgindade no Rio de Janeiro por mais feia que fosse, pois tinha sempre um cara no portão de uma obra pra chamá-la de “coisa linda”. É claro que quanto mais feia ela fosse menos resistiria a passar outra e mais outra vez pelo mesmo lugar, e aí...

O fato é que não são apenas as feias que se encantam com essa lábia barata de meio fio. Dependendo do dia e da situação, ninguém escapa. Margarida, uma amiga de longa data, não perde a feira livre por nada. Ela é pesquisadora e professora universitária, lança um livro a cada 4 anos, no entanto adora ser alvo do gracejo dos feirantes. E nisso, convenhamos, eles são experts. É o único jeito de uma balzaquiana ouvir um homem dizer “e a gatinha não vai escolher nada hoje?”, parar na barraca do cara e fazer as compras ali. Margarida reclama que o marido, um intelectual e artista consagrado, não sabe dizer um inesperado “...gostosa” no seu ouvido. Sequer um “...você me deixa louco com esse rebolado.”. E, convenhamos, toda mulher precisa ouvir isso de vez em quando, até mesmo pelo bem do casamento.

Outra amiga que vai sempre à feira, ainda que por motivo diferente, é a Maria Clara. Maria Clara tem tendência para engordar e está sempre fazendo a dieta da moda ou começando um novo regime na próxima segunda-feira. Isso quer dizer que Maria Clara oscila de peso com uma freqüência absurda. É lógico que a sua auto-estima vacilaria na mesma medida se Maria Clara não fosse uma mulher de grande sabedoria. Maria Clara resolveu a questão da seguinte maneira: quando está magra, escolhe suas roupas mais elegantes e enseja elogios no country club. Quando está gorda, lança um top decotado e uma mini mini-saia e vai arrebentar na feira livre. Tanto Maria Clara quanto Margarida são mulheres normais, sensíveis, inseguras, neuróticas e etc. Seus maridos também são homens normais, exigentes, dissimulados, egoístas e etc. O que não é normal é essa irreverência – às vezes adorável, às vezes inconveniente, mas sempre sensual – do povo carioca.

Um comentário:

Unknown disse...

leila ,
cinema puro esta matéria
shlomo