Método & Disciplina

Bruno Barreto mostrou confiar no seu taco de diretor ao decidir fazer o filme “Última parada 174”, depois do grande sucesso do documentário de José Padilha sobre o mesmo tema. Digo isso, porque, por mais que difiram na forma, os dois longas-metragens seriam fatalmente comparados. No entanto, Barreto partiu justamente de um dos depoimentos de “Ônibus 174” para desenvolver a história de Sandro do Nascimento, o sobrevivente da Chacina da Candelária que, sete anos depois, em junho de 2000, tomou como reféns onze passageiros do coletivo da linha Gávea- Central do Brasil, o 174.

O testemunho da doméstica que decidiu adotar Sandro, já quase adulto – e que foi a única pessoa presente ao seu enterro, inspirou o fio da trama que percorre a biografia romanceada do rapaz. O filme começa no dia em que Sandro, aos nove anos, vê sua mãe assassinada a facadas no chão do seu próprio bar, em São Gonçalo. A partir daí, ele foge da casa da tia, ganha as ruas, entra nas drogas, cai no crime, passa por instituições de menores, apaixona-se, vira assaltante e morre no desfecho trágico do seqüestro que paralisou, por cinco horas, a Zona Sul do Rio de Janeiro.

Jean-Luc Godard disse, certa vez, que, para ser bom, um documentário deve parecer um filme de ficção, e vice-versa. Aí reside a desvantagem da obra de Bruno Barreto na comparação entre as duas produções. Padilha montou imagens do seqüestro (gravadas por emissoras de televisão), depoimentos de especialistas e entrevistas com pessoas que conviveram com Sandro de forma que seu documentário seguisse a curva dramática da narrativa do gênero policial. Desta forma, ao apostar na tensão da evolução dos fatos, ele mantém o suspense do seqüestro enquanto traça o perfil do seqüestrador. Já Bruno Barreto adota o desenho da narrativa linear para contar a vida de Sandro do Nascimento. Desta forma, dilui a carga dramática de uma história que, apesar de real, não surpreende. Até mesmo porque tem um final amplamente conhecido.

Há também no filme de Barreto algumas associações desnecessárias, como um copo quebrado toda vez que Sandro vai se “dar mal” (como aconteceu no dia em que ele viu a mãe morta). É um recurso precário para alcançar a dimensão psicológica do personagem, e acaba por esvaziar o impacto da brutalidade que cerca o cotidiano de um menino de rua.

Mas esses são pecadilhos não chegam a comprometer “Última parada 174”. Pesa mais a favor do filme o olhar humano que o diretor lança sobre a questão da violência que, no Rio de Janeiro, e nesse caso específico, transborda da favela para o asfalto. Quase sempre provocando reações irracionais, quando não raivosas, do lado de cá da cidade.

Ao desprezar o preto no branco das explicações simplistas para problemas complicados, e observar nuances no enfoque de personagens marginais, Bruno Barreto mostra sensibilidade social e atenção ao mundo que o cerca, dando um belo exemplo de não-indiferença. Ao adotar um ritmo que favorece a reflexão, ele esmiúça a condição existencial de um garoto que, como tantos outros, não perdeu uma única oportunidade de fazer a coisa errada.

Contada desta forma, sem se arrogar o direito de apontar para o que é certo e o que é errado, a história de Sandro do Nascimento por Bruno Barreto focaliza a gênese de um tipo de delinqüência que, pelas circunstâncias invariavelmente adversas, grassa nas áreas mais carentes da cidade: a combinação de baixa escolaridade com alto consumo de drogas.

A título de ilustrar essa teoria, lembro a resposta de Mick Jagger para o repórter que quis saber como ele conseguiu ultrapassar, sem grandes derrapadas, a fase de excessos de sexo e drogas que costuma vir junto com o sucesso no mundo do rock’n roll. O bardo inglês respondeu que teve uma infância muito simples, beirando mesmo a pobreza, mas que recebera como herança um legado de valor inestimável. Seus pais, professores primários, deram-lhe, desde cedo, método e disciplina.

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