Um dia desses eu estava pensando por que é que gosto tanto de sair para tomar um chopinho num bar. Às vezes sou convidada para o primeiro programa por um pretendente e, em vez de escolher um lugar mais sofisticado, ou um restaurante novo – pra mostrar inclusive que tenho gosto mais arrojado, ou que estou antenada com a vida chique da cidade –, acabo sugerindo um bar dos mais conhecidos e freqüentados por mim. E nem sempre é pelo chope, que ultimamente venho substituindo pela caipirinha com adoçante. É mais pelo ambiente em si; e também para saber logo se o cara é bom de papo e seria boa companhia pro meu programa favorito. Programa este que repeti no último domingo em companhia muito especial. Fui almoçar no Jobi com a Roberta, a filha da minha melhor amiga de dois anos e meio de idade. Roberta é linda! Tem os cabelos castanhos cacheados, um sorriso que irradia felicidade, uns olhinhos brilhantes com pestanas reviradas e fala de um jeito cantado que eu nunca vi igual.
Entre amigos e familiares, éramos oito pessoas. Logo atrás, num grupo também de oito, estava outra família com duas crianças e a babá. E o movimento de gente passando de um lado pro outro era intenso, e os garçons com bandejas carregadas de tulipas de chope bem gelado, e a profusão de batata frita fresquinha, e a babá com o carrinho imprensado entre a nossa mesa e a seguinte, e os amigos que passam e falam com gente das mesas que por sua vez se levanta para um abraço e acaba esbarrando em quem está atrás,e a conversa entre mães de mesas diferentes e o tumulto é geral, mas ninguém reclama porque, afinal, estamos num bar.
Foi então que me lembrei de uma passagem deliciosa da minha infância justamente na mesa de um dos mais tradicionais bares do Rio de Janeiro, o Bar Alpino, que existiu na avenida Atlântica até o final da década de 60. Diferente do Jobi, o lugar era bastante espaçoso, e tudo que me recordo é que tinha aquelas mesas e cadeiras de armar da Brahma, com tampo de madeira e pernas em forma de xis; e também que os adultos ficavam tão contentes ali que não negavam nada pras crianças, não importa quantas garrafas de grapete meu irmão pedisse e quantas porções de batata frita nós devorássemos antes do almoço.
Um dia, no meio daquela algazarra típica, alguém falou que o Ary Barroso acabara de entrar e se sentara numa mesa perto da nossa. Lembro ouvir minha mãe dizer que se tratava do maior compositor brasileiro de todos os tempos. Um dos meus tios, que tinha opinião pra tudo e de tudo discordava com o propósito louvável de manter a conversa animada, logo se manifestou: “Compositor que nada. O que ele faz é comprar samba de morador do morro”. Daí em diante, seguiu-se uma discussão que foi pela tarde adentro, e vez por outra era requentada nas reuniões de família. Mas, naquela dia, ouvi ainda coisas formidáveis sobre o homem corpulento, de cabeça grande e presença marcante com seu terno branco e óculos de aro escuro. Ouvi que Aquarela do Brasil era “o verdadeiro hino nacional”, apesar de Ary Barroso não entender de música (imagina se entendesse!) e que o único instrumento que ele tocava era a caixinha de fósforo. "Ao contrário, Ary Barroso é um exímio pianista", exagerava um amigo de papai. Fiquei fascinada com a conversa. Ainda mais quando soube que o vizinho de bar era o autor de Na Baixa do Sapateiro, já naquele tempo, uma das músicas de que eu mais gostava. E que muitos anos mais tarde ouvi numa noite especial, num momento de total sintonia entre o que diz a letra e o que o meu coração sentia. Letra que, como as de Cole Porter, tem um toque de otimismo irreverente ao final. Teria sido eu “aplicada” assim tão prematuramente?
Bem, mas isso já é outra história e o que importa aqui é a memória de um almoço de domingo num bar do Rio de Janeiro. Assim como naquele dia, milênios atrás, domingo passado também chegou alguém muito importante para a mesa seguinte à nossa. Era o avô. Magrinho, velhinho, de boné e grandes óculos de grau, ele veio de mansinho, beijou as crianças, o filho, a nora, o casal de sobrinhos e fez um afago na babá. Depois, sentou-se ao lado do carrinho de bebê e ficou brincando com a netinha. A conversa na nossa mesa continuou como antes. Ninguém comentou a presença ilustre ali no bar. E eu me lembrei com saudades daquele tio polemista que não deixaria passar em brancas nuvens um acontecimento desta ordem. Posso até imaginar, num exercício de especulação, o tio comentando que o senhorzinho recém-chegado poderia ser considerado até mesmo um ótimo escritor, mas nunca se igualar a Machado de Assis, como faz o editor na contracapa de seus livros. E a nossa mesa passaria a tarde toda discutindo se o Rubem Fonseca pode mesmo ser comparado ao Bruxo do Cosme Velho.
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Um comentário:
Oi Leila,
Não pude deixar de ler sobre seu almoço no domingo com Leila e Roberta, muito bem escrito como sempre, adorei...
Assim como você, também adoro bater um papo tomando um chopinho num barzinho gostoso.
Depois combinamos de colocar o papo em dia.
Beijos, Malu.
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