Brasileira do Rio de Janeiro

Na noite da última sexta-feira fui com um amigo ao Teatro Municipal assistir ao concerto da OSB com apresentação da cantora Monica Salmaso e o Quinteto Pau Brasil. O programa começou com a “Suíte Vila Rica”, de Camargo Guarnieri, um convite para um agradável passeio pela cultura brasileira feito sem muita convicção pela orquestra que falhou em valorizar a espontaneidade da obra. Vieram as Bachianas Brasileiras nº 7. Com um material mais exuberante nas mãos, maestro e orquestra pareciam mais empenhados em envolver o público na brasilidade inspirada de Villa-Lobos. Deram conta do recado e a platéia saiu para o intervalo com o espírito ligeiramente mais elevado. Pena que a demora para a segunda parte da apresentação tenha sido longa o bastante para deixar o peso da semana voltar aos ombros da audiência que assistiu desanimada à cantora entrar em cena e se desculpar pela voz reduzida em conseqüência de forte crise de garganta. Anticlímax que o carisma sutil de Mônica, aliado à afinação de uma voz clara e personalíssima na interpretação das canções de Chico Buarque, conseguiu reverter levando a platéia a se deleitar com as deliciosas “Bom Tempo” e “Ciranda da Bailarina”. É justo dizer que a participação do Pau Brasil, com a qualidade de músicos como um Nelson Aires ao piano, foi fundamental para garantir o sucesso da noite. Ressalva apenas para os arranjos sinfônicos desiguais. No caso de “Construção”, por exemplo, a opção pelo virtuosismo foi exagerada. Não precisava. O efeito foi apenas barulhento.

Mas saímos, eu e meu amigo, satisfeitos com o espetáculo e já nas escadarias do teatro cismávamos com o motivo pelo qual a OSB passou a se chamar Orquestra Sinfônica Brasileira da Cidade do Rio de Janeiro. Para implicar, eu disse que era coisa de lobby paulista que, empolgado com a elevação da OSESP ao pódio de melhor orquestra sinfônica do país, resolveu arrancar também do nome a supremacia da mais antiga das sinfônicas brasileiras. Ao que meu amigo imediatamente protestou, sem nunca perder a elegância, argumentando que em todo o mundo as sinfônicas são prerrogativas das cidades, e que o fato da OSB ser agora OSB da Cidade do Rio de Janeiro só insuflaria o bairrismo dos cariocas, contribuindo para incentivá-los a apoiar ainda mais a orquestra. É claro que seu paulistismo (como diria Mário de Andrade) não deixa meu amigo ver que no imaginário da população da ex-capital da Colônia, do Reino Unido a Portugal e Algarves, do Império e da República, os conceitos de nacional e brasileiro se confundem com o Rio de Janeiro e, portanto, não seria essa uma justificativa aceitável para a trapalhada da dupla identificação. Assim, mesmo sabendo que OSESP quer dizer Orquestra Sinfônica do Estado (e não da cidade) de São Paulo, mudei de assunto e perguntei onde iríamos jantar. Meu amigo passou a se preocupar com a qualidade das cartas de vinhos dos restaurantes cariocas e deixou a polêmica sinfônica pra lá. Daí em diante tudo correu muito bem.

No dia seguinte acordei com a questão da véspera pingando dúvidas, como se tivesse uma torneira mal fechada na cabeça. E antes de ir aproveitar o Sábado de Portas Abertas em Santa Teresa, resolvi ligar para um ex-diretor do Teatro Municipal, grande fonte para assuntos de cultura. Generoso com os menos esclarecidos, ele logo se dispôs a aplacar minha curiosidade. Contou-me que a impropriedade do novo nome da OSB, rejeitado inclusive no meio artístico e cultural, decorre de condição imposta pela prefeitura do Rio de Janeiro para pagar os salários dos músicos na ocasião da última crise da orquestra, na virada do milênio.

Nascida há 66 anos como uma empresa particular, que vivia de concertos, a OSB conheceu sua primeira grande crise em 1968. Foi quando o ministro da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões pediu e o presidente Castelo Branco autorizou a doação de 10 milhões de cruzeiros à OSB que deveria se transformar em Fundação. O dinheiro, convertido em Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional, renderia juros que financiariam as atividades da orquestra daí por diante. Assim foi que se reuniu um Conselho, entre as personalidades mais importantes da vida financeira, política e cultural do país, presidido pelo próprio Gouveia de Bulhões, incansável em conseguir doações para a Fundação OSB, até o seu falecimento. Mário Henrique Simonsen o substituiu e manteve a independência financeira da OSB em relação ao governo com o objetivo de evitar interferência artística. O Milagre Econômico foi também uma época de progresso para a OSB:
– A primeira orquestra brasileira a excursionar no exterior obtendo um êxito extraordinário em Londres, Paris, Madri e Hamburgo, entre outras cidades do Antigo Continente - disse-me o ex-diretor já empolgado.
As apresentações da OSB nos Estados Unidos e Canadá, três anos depois, também foram um grande sucesso, sempre sob a batuta do maestro Isaac Karabtchevsky - por vinte anos diretor musical da orquestra. Mas a danada da inflação foi voraz também com o caixa da OSB que sofreu ainda o golpe da morte de Simonsen. O novo presidente do conselho, Roberto Paulo Cesar da Andrade, apesar de presidente da Braskan, não tinha nem de longe o prestigio de seus antecessores e a OSB iniciou novo período de dificuldade que acabou por obrigá-la à parceria com a Prefeitura do Rio em 2002.

Há três anos, o maestro Roberto Minczuk assumiu a direção artística de uma orquestra com salários em dia e nova sede anunciada para este ano, na Cidade da Música. Estão dadas, portanto, as condições para que a OSB dê a volta por cima e um dia possa se livrar desse penduricalho atrelado ao seu nome que, de fato e de direito, ainda é Orquestra Sinfônica Brasileira. Nada mais justo para uma instituição com sua tradição e história de sucesso.

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