A pele que habito

Bem garota, nos meus oito ou nove anos de idade, presencie uma cena que guardo até hoje como amostra da condição existencial do indivíduo, único, sozinho, abandonado em sua paixão pessoal e intransferível. Aconteceu em uma tarde preguiçosa de verão do Rio de Janeiro. Uma aparentada nossa foi recebida em casa com certa consternação, um ar inusitado de solidariedade permeando a habitual amabilidade com que meus pais costumavam receber.

O fato me chamou a atenção e passei a acompanhar de perto a visita. Tratava-se de uma mulher, magra e muito curvada. Não pela idade, que não devia passar dos quarenta e tantos anos, mas pela intensa aflição que lhe pesava como um fardo. E lhe ardia pelos poros, engelhava-lhe o rosto e fazia saltar-lhe as veias das mãos que alisavam mecânica e nervosamente a alça da bolsa de couro roto que trazia no colo.

Essa triste figura passava pelo desgosto de ter o marido preso por conta de uma refrega num bar, na qual atirou em um homem com uma arma que nem era sua. Era um boêmio inveterado, mas muito querido dos meus pais e alegre e carinhoso conosco, crianças, a quem costumava segredar com muita verve diabruras da infância. Seu nome era Odraude, o contrário de Eduardo, e pelo vaticínio de nascimento vê-se logo o porquê de, em toda uma família de biografias exemplares, ter sido ele o único a sair ao desvio.

Mas o que me fez mergulhar assim no profundo das minhas lembranças foi assistir ao mais recente filme de Pedro Almodóvar, A pele que habito. E aproveito para dizer que não entendo como o filme não foi um sucesso estrondoso logo na noite de abertura do Festival do Rio. Acreditando-se que o público ali era de, senão de cinéfilos, gente interessada em cinema, convidada para fruir o que a sétima arte produziu de melhor no último ano. Ou as pessoas vão a uma estréia mais para ver e serem vistas, somente para fotos e flashes?

Perderam!, pois A pele que abito é um filmaço-aço-aço. Quem saiu no meio da sessão no Odeon para esperar a festa no barzinho ao lado perdeu uma aula de cinema. Um roteiro ousado e ao mesmo tempo preciso, adaptado de uma história originalíssima, que fala de alterações nas várias camadas do sentimento humano e na delicada estrutura de identidade do indivíduo. Uma direção de arte que brinda o olhar da audiência a cada enquadramento e ao acompanhar a ação, valorizada pela atuação de um Antônio Banderas surpreendente.

Ora, essa história plausível e fantástica ao mesmo tempo, contada com excelência cinematográfica, é uma metáfora da condição existencial de todo ser humano. E me envia diretamente ao momento em que percebi pela primeira vez na vida o que seria sentir na pele a falta do marido, o desamparo dos filhos e a humilhação social. Leva-me àquela tarde e à resposta da mulher ao comentário desdenhoso de um cunhado indiferente ao seu infortúnio: “Você diz isso, fulano, porque não está na minha pele.”

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Um comentário:

Anônimo disse...

No. Brocades, chenilles, embroidery, velvet and hand-woven tweeds are just a few of the exquisite designs you will find used for these diaper bags. However, this curiosity can sometimes mean that they can tend to give up on things before they reach their logical conclusions. [URL=http://lopolikuminp.com ]beautify[/URL] No longer are we picking up the phone, writing letters or even reading the paper. It also appears that the most effective type of maca (being red, yellow and black) was the black maca, with yellow maca coming in second place.