Viagem

Uma das coisas que gosto de fazer é navegar no Google Earth. Passo horas descobrindo os lugares mais distantes e interessantes. Quando leio nos jornais ou em algum livro o nome de uma cidade ou país desconhecido, ou ainda se alguma informação renova em mim o interesse por um lugar já visitado, vou ao programa que permite ao internauta um passeio instantâneo mundo afora. Faço isso à noite, com as luzes apagadas, tendo apenas a tela do computador como janela de onde parto para a misteriosa viagem pelo espaço sideral. Dali, mergulho em direção ao planeta Terra. Detenho-me a certa distância, de onde posso admirar o recorte dos continentes pousados sobre a superfície imóvel dos oceanos. Aos poucos vou me aproximando enquanto giro o globo terrestre para localizar meu destino; encontro o país desejado e vou descendo mais, devagarzinho, no intuito de conhecer a divisão política, divisar os estados ou províncias, observar os acidentes geográficos, as montanhas e os rios, alguma escarpa, o litoral, se houver. Desço mais um pouco até que apareçam os nomes das cidades, parto para a escolhida e me ponho a flanar por entre ruas, alamedas e praças. Procuro tenazmente os chafarizes – meus monumentos preferidos por alegres e generosos que são. Se encontro um espelho d'água me encanto com a imagem das nuvens duplicada, um pedaço do céu no chão.

Há ainda as estações de trens; prédios largos com dois ou três andares e frontispício imponente. Fico cismando com tudo o que pode acontecer ali; as tramas de alegrias e tristezas trançadas em chegadas e partidas, a desolação de quem fica e a angústia da espera – a dor da separação; a atmosfera de humores diversos, fusão de medo e cansaço, e o cheiro perturbador de ansiedade no ar. Mas sempre haverá mais encontros do que desencontros numa estação de trens. Essa convicção me anima a seguir as grandes avenidas para ver onde vão dar. Nos bairros suburbanos há os parques e florestas, os campos de futebol, os terrenos baldios e as casas com quintal. Diviso a única com uma árvore frondosa nos fundos. Dentro dela mora um homem solitário de hábitos frugais e modos silenciosos. Quantos amores penou, que segredos esconde, quais memórias rumina em sua poltrona puída de saudade e solidão? Prefere os licores aos destilados; tem os olhos secos, os punhos cerrados, o coração corroído de desgostos e a boca torta de tanto negar? Se algum acesso me permitisse esgueirar-me por entre as carcomidas paredes desse mundo, entraria solene em sua fortaleza de indiferenças e o tiraria pra dançar.

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3 comentários:

Henrique Faria disse...

Ah, quero meus créditos, fui eu quem te ensinou a usar.
Beijo

Leila Richers disse...

Foi sim, Henrique. E de uma maneira tão encantadora que eu, além de aprender, fiquei com a mania de google earth. Agradeço a você as aulas de internet e saiba que recordo com carinho os momentos deliciosos que passamos juntos. um beijo, leila

Pinguim Gelado disse...

Rs... Eu também já usei essa ferramenta, Leila... Até nos meus devaneios e anseios mais profundos: "Cego? Não... Míope? Também não... Mas falta a nitidez que só se consegue com a distância física de 30 centímetros... Cam? Skype com "tela cheia"? MSN? Interurbanos e torpedos SMS? Já usei todas essas "ferramentas", mas ainda não é o suficiente... Sessões de incorporação e comunicação mediúnica? Projeção da consciência? Pensar 24 horas por dia? Sonhos noturnos? Os tenho com frequência rotineira. Fotos? Já recebi algumas...

Nada pode substituir a sua presença física... Todo resto são engodos, paliativos para tentar acalmar esse desejo ardente de sentir você nos meus braços, aperitivos que têm por intenção tapear a imensa fome de você... Quantas vezes eu já entrei no Google Earth para medir a quantos quilômetros a minha rua está distante da rua onde você mora? Quantos passos eu teria que dar, quantas caronas eu teria que arrumar para conseguir ficar aos tais 30 centímetros de você...
Quantas vezes eu me imaginei colocando uma mochila com algumas roupas, uns pacotes de biscoito Goiabinha, umas barras de chocolate meio amargo, meu pato de pelúcia que eu prometi lhe dar de presente, meu antidepressivo e meu calmante, pois, como você sabe, não posso ficar sem tomá-los, e mais alguns objetos e colocá-la por sobre minhas costas, dar um beijo na testa da minha mãe e dizer que daqui a pouco eu estaria de volta e sair atrás de você... Uns trocados no bolso, um lenço, meu CPF e RG que foi expedido em 1993, um endereço desenhado em uma folha de papel não pautada, como se fosse o mapa do tesouro, um amor no coração, um medo na alma misturado com uma coragem de cavaleiros templários que marchavam pela fé, pelo amor, em direção a uma terra desejada, mas desconhecida na "real"... Com valentia eles se atiravam nessas aventuras, buscavam ganhar a Terra Santa como eu tenho vontade de me arrojar pelo mundo, não para conquistar uma pedaço de terra, uma gleba, mas somente pra olhar o que já me pertence, o que já é meu, por honra, glória, competência (?) e juramento da minha amada Princesa... Poder, enfim, ficar a 30 centímetros do portão do prédio onde ela mora... Olhar para a MINHA "Terra Santa", rosnar para os que a cobiçam...
Não sei se prefiro, quando sonho isso, que seja noite ou dia... Não sei se a luz do Sol ou a luz da Lua a deixariam mais bonita do que já é... Talvez eu nem queira luz... Já olhei tanto suas fotos, já decorei tanto seus traços que eu sou capaz de, mesmo na mais compacta escuridão, identificar cada detalhe da minha Princesa... Imagino-me tocando o interfone, dizendo que sou o cara que veio fazer a manutenção da conexão da Internet... Ela me deixando entrar, ouço o "clique" do portão se abrindo... Adentro a portaria... Ando como um bêbado... Meu coração está batendo como se fosse explodir dentro do meu peito... Não sei se dou meia volta e retorno pra casa... A emoção me faz trêmulo... Eu tenho vontade de fugir... Eu invoco à memória os cavaleiros... Penso se eles também sentiram o mesmo nervosismo que eu sinto naquele momento quando estiveram a 30 centímetros da Terra Santa... 30 centímetros dos invasores que a dominavam... Eles não recuaram, pois eram homens de fibra... Então, eu, um Pinguim Gelado, também não recuarei... Quero os meus 30 centímetros, pois anseio enxergar a cor dos olhos dela... E mais: quero vencer essa distância "imensa" para provar seus lábios, abraçar seu corpo e sussurrar nos seus ouvidos "Amo você e estou aqui...”