Questão de Fé

Confesso que andava desconfiada dessa história de pré-sal, achava as estimativas do volume das reservas pra lá de exageradas e os valores correspondentes estratosféricos demais para jazidas tão profundas. Foi quando li nos jornais que o presidente da república teme uma investida dos Estados Unidos sobre o nosso recém-descoberto tesouro submerso. Lula se preocupa com a Quarta Frota da Marinha americana que, segundo ele, “está aí, quase em cima do pré-sal”, e promete reforçar as Forças Armadas para fiscalizar o nosso patrimônio.

Então comecei a acreditar que o negócio é sério e o dinheiro é muito, e resolvi repassar os números divulgados para saber exatamente o que nos renderia em volume de recursos o suposto butim dos ianques. São reservas que nos levariam a um total de 27 bilhões de barris de petróleo, e o país já poderia exportar, em 2015, o equivalente a 400 mil barris, gerando uma receita de 16 bilhões de dólares anuais. As previsões nos transformam num país cada vez mais rico, até a exportação de petróleo render ao Brasil, em 2030, 182 bilhões de dólares por ano.

Você vai dizer que viabilizar a produção desta reserva gigante, localizada a 6 mil metros da superfície marinha, com uma camada de sal de até 2 mil metros de espessura no meio do caminho, iria nos custar um caminhão de dinheiro, coisa difícil de conseguir em tempos de colapso de sistemas financeiros, de crise de crédito e patati-patatá... Eu ponderei da mesma forma, até saber que o Lula vai, pessoalmente, buscar crédito para que a “gente possa antecipar ao máximo a retirada do petróleo do Pré-sal”. E aí, meu amigo, se isso não é garantia de poder contar com o ovo dentro da galinha, eu naõ sei o que mais pode ser.

Desta forma, decidi embarcar na canoa do Pré-sal, e fui pro aniversário da Carminha vislumbrando um futuro abonado para todos nós. Chegando na festa, botei logo o assunto na roda, que foi ficando animada na medida em que cada convidado expunha a sua teoria sobre qual a melhor maneira de se gastar a dinheirama que vem por aí.

A dona da casa falou primeiro e, politicamente correta, alegou que a renda do Pré-sal é das gerações futuras e em nome delas deveria ser feita uma super poupança para recuperar nossas florestas, nossos mares, nossos rios, a qualidade da terra, a fixação do homem no campo e etc e tal..., e afirmou, inclusive, que naquele instante tomava a decisão de se tornar vegetariana para sempre e assim nunca mais seria responsável pelo sofrimento de um ser vivo.

O Máximo, marido da Carminha, declarou apoio incondicional à esposa depois de virar o copo de cerveja de um gole só e pedir-lhe que trouxesse mais um pratinho de presunto cru, que estava uma delícia. Nisso, o Zé Edgar tomou a palavra para discordar da parcimônia da aniversariante e declarar que, ao contrário, quer começar a gastar por conta, pois a sua geração foi a mais sacrificada com sucessivos planos econômicos. Ele mesmo um exemplo, pois teve a grana da venda do apartamento de dois quartos em Laranjeiras (presente do sogro) confiscada pela “louca” da Zélia, enquanto procuravam um imóvel maior para a chegada da Heleninha, a segunda filha do casal.

Esse papo comoveu a todos, menos ao Maurício, o cunhado. Já calibrado no uísque, ele replicou que sua irmã foi morar num quarto e sala no Catete porque o pai da Heleninha votou no Collor, igual a uma porção de otários que se encantou com o Caçador de Marajás e depois ficou chorando pelo leite derramado, além de continuar dirigindo uma "carroça". Nessa hora, quase que a vaca foi pro brejo, ali, no meio da sala. Salvou-nos o Lauro - que já foi padre, preso político, e defensor da teologia da libertação – com a sua serenidade de claustro, alegando que o dinheiro do pré-sal deveria ser usado para erradicar a pobreza do país, multiplicando-se o Bolsa Família na mesma proporção dos recursos advindos da exploração do petróleo recém-descoberto.

Nisso, o Cunha discordou. Brizolista doente, ele fez primeiro sua tradicional defesa dos CIEPS para depois anunciar que se o caudilho tivesse vivo iria lutar para transformar essa verba extra numa onda de escolas de turno integral que inundaria as periferias de todo o Brasil com atividades recreativas nos fins de semana e alimentação reforçada para atrair a garotada, além de ... Mas aí, nem deixaram o Cunha terminar, pois um sentimento de potência contaminou os ânimos e foi um turbilhão de soluções para as mazelas do país que trouxe de roldão a transposição das águas do São Francisco, a usina nuclear de Angra III, o rombo da previdência, a demarcação das terras indígenas, a saúde, a segurança..., e todos falando ao mesmo tempo até que a Luciana, dona de uma franquia de lingerie, chamando o povo à razão, declarou em alto e bom som que a sua parte, ela queria em Botox...

A gargalhada foi geral, a mãe da aniversariante aproveitou a deixa para apagar a luz e trazer o bolo espetado de velinhas faiscantes, todos relaxaram e cantaram o parabéns, felizes, como se cada um tivesse ganhado um prêmio na loteria federal. E eu, vendo aqueles olhinhos brilhantes ao redor, percebi o quanto pode render politicamente a um presidente adotar a doutrina bíblica da fé, que nada mais é do que se ter já o que ainda se espera.

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