Cinema Verdade e Paixão

A TV Brasil está de parabéns pela exibição da série Sertão Glauber. São documentários de uma hora, assinados pela filha de Glauber, Paloma Rocha e seu marido, Joel Pizzini; e vão ao ar à meia noite de terça à quinta feira. Só ontem (infelizmente) comecei a assistir ao programa que entrou na segunda semana em cartaz e que traz depoimentos de gente que trabalhou com o diretor e comenta seu processo de criação e realização, revelando inclusive as intenções de Glauber ao construir planos e seqüências considerados como momentos mágicos da história do cinema. O episódio dessa terça-feira foi sobre encenação, cenários e figurinos de O Dragão da Maldade, comentados por Hélio Eichbauer, Paulo Lima, Jânio de Freitas e José Celso Martinez Correa, entre outros. Eles contam como e porque cores, materiais, objetos de cena foram escolhidos e falam da conjuntura política que engendrou essas escolhas e que fazem do filme uma obra tropicalista por excelência.

A segunda parte do programa traz trechos de uma entrevista exclusiva com Martin Scorsese, que em 1991 comprou os diretos para recuperação e produção de cópias em 35 mm de Deus e o Diabo, Terra em Transe e O Dragão da Maldade. Nela, o diretor ítalo-americano conta que assistir a “Antônio das Mortes”, título internacional de O Dragão, foi uma experiência importantíssima para ele que nunca tinha visto uma combinação tão poderosa de estilos numa obra que consegue sobrepujar a política com verdade e paixão. Scorcese conta também que projetou o filme para o elenco e diretores de fotografia de Gangues de Nova York e Os Infiltrados como exemplo de integração de todos os elementos do filme em favor do desejo do realizador. Para ele, um cinema como o de Glauber deve ser mostrado aos atores que têm o desejo de fazer algo mais do que tomar parte do “star system” – um famigerado devorador de talentos –, como forma de forçá-los a desenvolver sua intuição. Reiteradas vezes na entrevista Marin Scorcese declara que a obra de Glauber Rocha é uma referência para ele.

Bem, por tudo isso, Sertão Glauber nos possibilita um mergulho ainda mais profundo e saboroso no universo glauberiano, além de constituir informação e entretenimento de qualidade para quem gosta, não só de cinema, mas de arte e cultura em geral. Mas a grande relevância do programa é oferecer parâmetros para que o espectador rejeite as tentativas de fazer do cinema brasileiro um arremedo de cinematografias forasteiras, que podem ser muito boas no original, porém não devem se impor num país que tem uma tradição de cinema como esse nível de poesia, invenção e vigor estético.


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