A História de uma saudade




Sylvia Nemer é historiadora, especialista em Jornalismo Cultural, doutora em Comunicação e autoridade em literatura de cordel. Em 2007, lançou, pela Edições Casa de Rui Barbosa, o livro Glauber Rocha e a Literatura de Cordel, no qual esmiúça a “estética da fome” e relaciona com a tradição oral popular do Nordeste as imagens de duas das obras do cineasta baiano: Deus e o diabo na terra do sol, de 1964 e O dragão da maldade contra o santo guerreiro, de 1969.

Agora, em Feira de São Cristóvão – A história de uma saudade, a autora retorna à poética do cordel, dos desafios repentistas e dos folhetos de feira para contar, desde a origem, a trajetória do maior e mais conhecido ponto de encontro da cultura nordestina fora do Nordeste.

São 120 páginas, entre textos e fotografias que mostram a feira desde as décadas de 1940 e 1950, quando centenas de retirantes nordestinos chegavam ao Rio de Janeiro fugindo da seca. Vinham de ônibus, navio, trem e caminhão, e se juntavam no campo de São Cristóvão para reencontrar cheiros, gostos, danças e sons da terra que ficou para trás.

Para contar a história dessa saudade, a autora recorre às narrativas dos folhetos de cordel, relatos dos que participaram da trajetória da feira e que constituem a memória viva do drama das secas e do êxodo rural. Narrativas que retratam a dor do exílio e a saudade da terra natal, conhecidas do Sul Maravilha na voz de Luiz Gonzaga.

E foi em homenagem ao Rei do Baião que a Feira ganhou o nome pomposo de Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, ao ser transferida, em 2003, para o Pavilhão de São Cristóvão, projetado pelo arquiteto Sérgio Bernardes, e uma das maiores áreas cobertas sem viga do mundo.

No local, a Feira ganhou em conforto e organização, além de ficar mais atraente para outros grupos de frequentadores que não os nordestinos. Mas entre uma e outra época, teve seus momentos de rejeição e aprovação. Assim como foi considerada ilegal e clandestina, sofrendo ações movidas contra sua permanência no local original, a partir dos anos 90 virou point badalado da classe média carioca, como contam os versos de Azulão:

Devido á grande riqueza


Folclórica que o Brasil tem


Turistas de toda parte


Que pra nossa terra vem


Fazem grandes reportagens


Levando em suas bagagens


Nosso folclore também


Um dos fundadores da Feira, Azulão é protagonista do DVD que integra o livro. Com direção e roteiro de Maria de Andrade, o curta-metragem é uma experiência estética para lá de audiovisual, pois atiça todos os sentidos do espectador, convidado pelo cantador e repentista a passar “horas saudosas, comendo coisas gostosas e ouvindo um bom violão.”

Para que costuamava frequentar a Feira de São Cristóvão, o livro de Sylvia Nemer é uma lembrança saborosa dos comes e bebes típicos ao som de um forró danado de bom dançado ao ar livre.
Para quem nunca foi ao Centro de Tradições, o livro é um guia cultural que vai ajudar o visitante a aproveitar ainda mais a cultura nordestina, hoje, indissociável da identidade carioca e brasileira.

 
 
 
 
Feira de São Cristóvão - A História de uma Saudade
Casa da Palavra

Um comentário:

thiago disse...

É uma pena por aqui essas publicações servirem, apenas, tardiamente de muletas... Exceto para pouquíssimas pessoas.

Infelizmente, nossa educação prepara iconoclastas, egoístas, imediatistas, ufanistas, hipócritas...

Pensei nisso e lembrei desta sua publicação durante uma palestra cedida por alguns dos organizadores desta 30ª Bienal a professores da rede pública, com objetivo de prepará-los para introduzir seus alunos ao fabuloso mundo das artes, seus movimentos, suas técnicas... Aliás, com um roteiro igualmente fabuloso... repleto de referências a todas as demais “bienais” e uma penca de “extras” que muito raramente chega àqueles que sequer tenham ligação com seus organizadores.

Tudo caminhava pelo melhor dos mundos até a primeira pergunta... O que é arte? Logo pensei... “Show! Vamos começar uma caminhada pelo primeiro passo... Lógico que alguém vai responder, pura e simplesmente, habilidade... então uma brecha será aberta para todas as demais introduções e considerações... disto, todos estarão inspirados a experimentar outras perspectivas em suas salas de aula...”

“O que é arte?” foi a principal resposta entre estes professores... Houve quem “caetaneasse” e então me peguei a pensar... Puxa! Porque São Jorge teima em não emprestar o dragão... Isto quando o silêncio a todas as outras questões ou a razão de muitos cochilarem durante o evento não vinham à tona, pelo espanto da tutora...

Enfim, acredito que muitas das nossas coisas “morrem” por esta costumeira má vontade, seja para aprender ou para ensinar, fortemente aliada a assombrosa, desafiadora e frustrante instantaneidade que compramos.