Do frevo ao manguebeat

Meu primeiro carnaval inesquecível foi em Recife, na casa de meus tios, junto com cinco primas adolescentes. Ainda havia corso naquela época, uma tradição portuguesa com certeza que nos levava todas as tardes, durante os quatro dias de folia, à linda Avenida Guararapes em jipes sem capota alugados, como fazia toda a sociedade local.

Ressalto o caráter português da brincadeira que misturava azaração com certa brutalidade que em muito lembra uma passagem de O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, na qual ao se conhecerem no navio, vindo de Portugal para o Brasil, Jerônimo e Piedade começam o namoro de pisões e beliscões que os levaria ao altar.

Pois assim era o corso em Recife. Quando um rapaz estava interessado numa garota, vinha em sua direção e empapuçava-a toda com punhados de farinha de trigo, aproveitando a oportunidade para esfregar-lhe os braços e assanhar-lhe os cabelos. E as meninas por sua vez mostravam suas preferências esguichando contra eles jatos de bisnagas cheias de água e óleo de cozinha. Uma porcaria só, mas gostosa como o quê.

E assim se preparava o clima para os bailes da noite, depois de horas e horas de banho, até que se conseguisse limpar toda a gororoba. Lindas, então, íamos dançar e continuar a paquera nas festas do Country Club, do Náutico, e do Internacional. Ali, o frevo corria solto e eu, carioca de primeira viagem, ficava fascinada vendo os homens de smoking e as mulheres de longos ou fantasias de luxo, tanto jovens como velhos, afluírem ao salão em passos frenéticos ao som contagiante dos naipes de sopro tocando Capiba.

Tais lembranças me ocorreram com vivacidade não apenas por estarmos já em clima de carnaval, mas principalmente por conta do livro Do frevo ao manguebeat, que acabo de ler. Nele, o jornalista e crítico musical José Teles faz um passeio pela história da música pernambucana, passando pelos gêneros historicamente reconhecidos, como o frevo e o forró, pelo erudito e instrumental, até a música urbana contemporânea que, na versão de Chico Science e Nação Zumbi, estourou na Europa e Estados Unidos, influenciando todo o pop brasileiro dos anos 90.

Paraibano de Campina Grande, José Teles cresceu no Recife onde escreve para o Jornal do Commercio desde os anos 80. Com cerca de 20 livros publicados, é autor da biografia do Quinteto Violado, lançada agora em comemoração aos 40 anos do grupo, numa exposição no Centro Cultural dos Correios.

Fã da qualidade e diversidade da música pernambucana, que considero das mais criativas e instigantes do mundo, aproveitei a chance e fui entrevistar Marcelo Melo, remanescente da formação original do Quinteto Violado. De quebra, assisti ao espetáculo do grupo que desfila frevos, forrós e baiões numa concepção musical de interação entre o erudito e o popular que faz a gente sair do chão, de corpo e alma.

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Um comentário:

Jefferson Braga disse...

Como morei em Olinda durante minha juventude, ler seu texto me fez relembrar ótimos e saudosos momentos dos mais de 20 Carnavais que passei em Pernambuco, inclusive ouvindo os Frevos de Capiba durante essas festas.
Bons tempos!!