Jogando para a plateia

Fiquei Abismada quando ouvi o presidente Lula afirmar que é muito difícil para as autoridades retirar os moradores de áreas de risco porque eles voltam sempre. Pior foi Lula falar em tom de solidariedade ao governador Sérgio Cabral, ao seu lado num evento no dia seguinte às chuvas que provocaram a situação de calamidade no Rio de Janeiro no início do mês. Quando o que era de se esperar, por Lula cultivar a imagem de presidente que mais fez pelos despossuídos na história desse país, seria além da mensagem de pesar, a promessa de empenho em ajudar a dar condições para que toda a população do Rio possa morar e trabalhar com dignidade.

Mas Lula falou com naturalidade apesar de saber que ninguém mora em área de risco porque quer. O presidente tem consciência, pela própria história de militância na esquerda, que a origem e crescimento das favelas no Rio de Janeiro têm a ver com financiamento para a construção de conjuntos habitacionais para a população de baixa renda, e transporte seguro, rápido e barato para levar que essas pessoas ao trabalho a um custo que lhes caiba no orçamento.

Então, por que o comentário leviano sobre a índole dessa gente despossuída de tudo, ao ponto de ir morar sobre um lixão? Porque Lula conhece o eleitorado do Rio. Porque, com o senso de oportunidade que lhe é peculiar, o presidente sabe que, aqui, a classe média é a grande formadora de opinião. E essas pessoas não têm compaixão. Em meio ao desespero das famílias e vizinhos das vítimas soterradas em lama e chorume, o que se ouvia no trabalho, na praia, no bar da esquina e na fila dos cinemas da Zona Sul era a voz da censura e do rancor disfarçada por entre expressões não propriamente de tristeza, mas, no máximo, de chateação.

Pois a classe média carioca é reacionária, exclusivista, insensível e preguiçosa. Para falar apenas de um detalhe emblemático da situação que se criou na cidade, essa gente insensível nunca abriu mão da doméstica para lhe servir de manhã à noite, e sem hora para ir dormir no cubículo claustrofóbico chamado até hoje de quarto-de-empregada. E por isso mesmo nunca se preocupou em reivindicar transporte adequado para que pudessem morar dignamente com suas famílias nos subúrbios e periferias da cidade e vir trabalhar na Zona Sul gastando menos de três a quatro horas do seu tempo de sono e descanso e de trinta por cento do seu salário.

Assim nasceram e cresceram as favelas que tanto incomodam o morador do asfalto. Ciente desse desconforto frívolo, tipicamente carioca, Lula preferiu censurar a parte fraca, pôs-se do lado em que a corda nunca arrebenta, e se absteve de apontar a irresponsabilidade histórica da elite do Rio de Janeiro em aceitar que políticos e governantes tratem grande parte da população como criaturas de segunda classe, e não como cidadãos.


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2 comentários:

Breno Leite disse...

Leila, sua sensibilidade aliada a forma em que desvela o assunto, foge da mesmice conservadora da classe média tão apurada na relação puramente estética com a favela e tão tosca na consciência social e no que significa o outro para si. Saudade imensa de ti. BEIJOS, Breno

Alem das Gerais disse...

oi to aqui lendo vc bjs