Afinidades Eletivas

É cedo. Chove pela primeira vez no Rio de Janeiro em mais de dez dias de um calor senegalês. E eu volto a este blog depois de um longo e tenebroso inverno. A metáfora é um clichê pra lá de gasto, dele lanço mão apenas para que fique entendido que o contato com vocês me fez falta nesse período no qual trabalhei em dobro para tirar umas férias que já vão pela metade. O batente duplicado naturalmente me estressou, mas agora gozo o ócio remunerado e, estimulada pela chuvinha fina que cai lá fora e o café fumegante que sorvo aos golinhos ligeiros, vou direto às novas.

Foi um ano bom. Fechei uma série de trinta programas de televisão sobre literatura brasileira e universal, do qual sou editora de conteúdo, roteirista e apresentadora. Foi um ano de desafios, de muito estudo, trabalho duro e pouco tempo livre, mas também de grandes satisfações e algum contratempo. O importante é que o saldo é positivo, e prova disso foi o fato de poder romper com amarras emocionais há muito rotas e já desnecessárias. Os reflexos da rebeldia fizeram-se notar mais precisamente no último Natal. O primeiro da alforria. Livre, fiz o que bem entendi na noite de 24 de dezembro. Inteira, não vi meus mais genuínos desejos estilhaçados pela tirania familiar; que costuma recrudescer nessa época do ano, por mais paradoxal que seja
.
Sim, porque neste período é aberta a temporada de confraternização forçada, imposta por laços de família ou obrigações profissionais, que nem sempre coincidem com a admiração honesta, com a gratidão espontânea e o autêntico bem querer.

Porque o amor não precisa de data certa para dar demonstrações. Muito menos de presentes com preços superfaturados comprados no tumulto dos shoppings na véspera dos feriados. O amor prescinde das reuniões forçadas com parentes que passam o ano inteiro te derrubando e aproveitam a festa de “família” para te dar aquela última sacaneada do ano, regada a vinho quente e peru com farofa.

Pelo amor de Deus, amar é muito mais dar que receber ( outro clichê que me ocorre e do qual ando bastante convencida). Amar aos seus é deixá-los livres para curtir o que bem lhes aprouver, sem cobranças. Amar é entender que as carências são todas suas e que só há erros porque há acertos também. E se as carências são minhas vou tratá-las com o que tenho de melhor: senso prático.

Assim levei meus filhos e seus enteados, com as respectivas noras para uma noite de Natal diferente. Fomos todos ao cinema assistir a Avatar em 3D, com direito a jantar depois no Out Beck. E isso no dia 23 de dezembro. Que tal? Um programão, sem lembrancinhas e muito menos amigo oculto, essa coisa inventada não sei por quem, mas, em minha opinião, sem graça nenhuma. E no dia 24 fui cear com amigos queridos, na casa de um deles. Fui confraternizar com gente de quem gosto muito e com quem me apraz conversar. Gente escolhida reciprocamente ao longo da vida. Gente reunida por afinidades eletivas, como tão bem entendeu e escreveu Goethe no livro do mesmo nome.

(Escrevi este texto ontem, dia 15, quando até minha internet estava preguiçosa)

As outras novidades vêm a seguir. Aguarde !

2 comentários:

Julio Neves disse...

Cara Leila, também fui a Cuba neste ano, em fevereiro, também pela primeira vez. Ao ler o seu texto fiz, sem querer, uma viagem a minha infancia cheia de gibis, albuns de figurinhas e revistas "O Cruzeiro". Não recortei fotos do Che, mas tive por ele um encantamento de menino em busca de heróis. Eu que, ora sonhava na floresta de Sherwood auxiliando Robin Hood e Frei Tuck, ora estava em Bengala com o Fantasma-que-anda, ou com Tarzan nas proximidades das selvas africanas, sem me esquecer de Davy Crocket com o seu chapeu de castor no velho oeste americano, também esperava, além de meu pai, algum outro heroi de verdade. O Che acabou ocupando esse espaço lá pelos idos de 1967, quando suas aventuras nas selvas bolivianas já ocupavam, novamente, as páginas dO'Cruzeiro, além de Manchete, Realidade e outras. Fui entender melhor isso tudo, quando estava com 16 anos e fazia passeatas com outros estudantes contra a ditadura militar. Virei militante, socialista, bancário, sindicalista e sempre desejando conhecer Cuba. Quando falavam do regime imposto aos cubanos, eu rechaçava e argumentava que o povo estava feliz com o que Fidel lhes proporcionava. Gosto de fumar charutos (puros habanos) e resolvi que desta vez, não ficaria por aqui assistindo carnavais com axé e sem marchinhas. Iria a Cuba ouvir salsas e fumar charutos nacionais. Ademais, todo socialista que se preze, tanto quanto o muçulmano vai a Meca, deve ir a Cuba uma vez na vida. Fui a Havana, fiquei em hotel 5 estrelas, fumei todas as marcas de habanos, ouvi músicas tocadas por virtuoses em todos os becos da cidade. Mas voltei, com a impressão de que todos estão tristes. A melancolia no olhar do povo me deu a impressão de que em breve, algo de ruim pode acontecer.
Fosse eu o Fidel, diria no ouvido do Raul o mesmo que D.João VI disse ao jovem D. Pedro I: Proceda rápido, as mudanças que o povo pede, antes que algum aventureiro se atreva....e ele pode ser um Sargento, como o Fulgêncio que expulsamos do poder e, o pior, será lembrado como heroi, enquanto nós, não teremos nem as imagens de Che Guevara para contemplar....A não ser nas camisetas dos jovens de classe média do Leblon.!
Fiquei feliz de ler teu Blog. Onde o povo brasileiro pode te assistir?
Abraços

Leila Richers disse...

Não sei não, Julião.
Achei o semblante das pessoas em Havana bem normal, e gosto disso. Melhor do que essa alegria boba dos brasileiros que, na verdade, vivem mal, pois sofrem todo tipo de abusos dos politicos e governantes.
Se você lembrar, os cubanos não estão nem aí para os turistas, não são subservientes, porém, são respeitosos e têm uma postura bastante altiva em relação aos estrangeiros. Uma das coisas de que mais gostei foi ver as crianças saindo da escola, uniformizadas, penteadas, com cara de saúde e, aí sim, muitíssimo alegres. E os jovens, também observei o comportamento deles num domingo, porque durante a semana não se vê jovens perambulando pelas ruas. São altivos e não~se interessam pelos turista, aos quais, aliás, olham com desdém. É natural, são jovens! (Se é que me entende.)
E você pode me assistir todas as quintas-feiras, às duas da tarde, ao vivo e a cores, na Band. Tenho um programa de literatura que é muito legal. Há imagens das entrevistas gravadas no youtube, é só procurar. Breve estarão linkadas no meu site> www.leilarichers.com
É isso aí,
Abraço,
Leila