24 horas no ar

Ontem fui com amigos assistir Vau da Sarapalha, carro chefe do grupo Piollin, criado há trinta anos, na Paraíba, pelo ator Luiz Carlos Vasconcelos. O espetáculo está em cartaz há dezessete anos e volta ao Rio depois de um grande sucesso em 1993. Talvez a última oportunidade para ver a mais premiada das adaptações de Guimarães Rosa para o teatro.

Depois, fomos jantar no novo restaurante da moda, o Oui Oui, da mesma turma do charmoso Mian Mian. Eles têm uma loja de móveis de época, a Hully-Gully, no Shopping da Siqueira Campos, onde podem ser negociadas todas as peças expostas nos dois restaurantes que ficam em casas, em Botafogo. No Oui Oui, há dois salões, um decorado no estilo Art Deco, o outro bem anos 70. Os dois ambientes, no entanto, são harmônicos no conjunto. E o capricho no estilo vai até o serviço, do tipo descontraído, sem os tradicionais maitre e garçons, mas jovens profissionais do setor de alimentação vestidos, e bem-vestidos, de maneira casual. Logo na entrada, o freguês é recebido pela Mariana, uma graça de moça com um rosto lindo que parece ter saído de um filme da nouvelle-vague. Seu jeitinho esguio de manequim e modelo lembra Cleo de 5 às 7, a obra-prima de Agnes Varda.

A comida também é boa, e os pratos são servidos em pequenas porções, o que proporciona uma diversão a mais, pois são dispostos no meio da mesa para que os comensais possam se servir de tudo um pouco. Ontem éramos quatro e pedimos duas rodadas de três pratos entre costelinhas caramelizadas, vol au vent de rabada, linguicinhas com molho de maracujá, bacalhau com cebolas e tapenade, panquecas de figo seco com pato desfiado e brulé de Grana Padano. Tudo uma delícia. Mas um contraste radical com o universo de Guimarães Rosa, de escassez e simplicidade. E aí, devo fazer uma confissão: tenho a maior dificuldade com o universo de Guimarães Rosa, que é um dos nossos maiores escritores, e nisso não ponho dúvidas. Mas o negócio é que não me agrada a temática da roça, a simplicidade em demasia, a precariedade dos costumes, a falta de polidez, a sinceridade exagerada, a estética de valorização dos elementos primordiais e as fabulações meio brutais do sertanejo.

No entanto, acabei de ler Os Sertões, de Euclides da Cunha, para o programa em homenagem aos 100 anos de morte do escritor. E adorei o livro. Um ensaio científico, um tratado antropológico, um épico sobre a Guerra de Canudos, um emocionante drama da nossa história. E o autor conta essa história, na qual os heróis são, na verdade, os vencidos, com tal poder de comunicação que é impossível, mesmo ao leitor mais relapso, não se envolver ao ponto de não querer largar o livro.

Eu fiquei obcecada pela narrativa meio jornalística, meio romanesca, da luta dos jagunços de Antônio Conselheiro contra o exército republicano, armado até os dentes e em número extraordinariamente superior. E a paisagem da caatinga descrita de forma expressionista, com galhos retorcidos, ramagens espinhentas, o céu abrasador e um chão que foge aos passos.

São coisas que me agradam, principalmente na literatura. Agora, aquela “vida besta”, da qual nos fala Drummond... tô fora. Eu gosto mesmo é da vida movimentada dos grandes centros urbanos, de teatro, de cinema, de bares cheios de gente; de tomar um cafezinho com ovo colorido num botequim do centro, de traçar um sanduíche de carne assada no balcão do Lamas, de virar um chope na calçada do Belmonte, dos shows no Teatro Rival e dos cabarés da Lapa.

Dizem que isso é coisa de homem. No entanto, quase todos que eu conheço, quando começa a esquentar o namoro vêm com a conversa de que seu sonho é viver num lugar tranquilo, fugir da cidade grande, ter uma pousada no sul da Bahia e coisas ainda mais esdrúxulas, como comprar uma de terrinha na Amazônia e criar gado pro resto da vida. São veleidades, eu sei. Mas veleidades tipicamente masculinas, pois eu nunca ouvi mulher dizer que quer morar no mato. Ao contrário, as mulheres quanto mais amadurecem mais querem movimento, festas, restaurantes cheios; querem mais é consumir, de cultura a sapatos.

Eu desconfio que a intenção deles é passar a mensagem de maneira subliminar de que estão prontos para arranjar um amor e sossegar, por fim às farras, criar raízes, viver na base de um para o outro... papo de encomenda para amolecer o coração da mulherzinha romântica que há dentro de todas nós, e nos fazer ficar macias com a ilusão de que ele está pronto para um compromisso sério, e que para isso só falta encontrar a verdadeira companheira.

Da minha parte, não gosto de ser iludida. Mas como também não quero enganar ninguém, digo logo que gosto mesmo é da metrópole e, se dependesse de mim, o mundo girava acordado noite e dia. Eram 24 horas no ar.

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2 comentários:

Reinaldo Peixoto disse...

Morena.

Guimarães Rosa é muito chato.

Voce continua linda, e deve estar pagando alguma promessa para fazer este tipo de programa.

Estou chegando.
Beijos,carinhosos.
Reinaldo.

Leila Richers disse...

Rei,

Desta vez você está enganado. O progama é uma delícia de fazer e assistir. Vou insistir com Guimarães Rosa, talvez agora eu consiga entrar no barato sertanejo. Mas, acima de tudo, você é sempre bem-vindo!
Bjs, Leila