Aconteceu? Virou Manchete!

Acabo de receber um e-mail de um amigo querido que mora em Israel, o Salomão Azaria, comentando sobre o livro “Os Irmãos Karamabloch”, do Arnaldo Bloch, sobre a ascensão e queda da Manchete e a saga da família do seu fundador Adolfo Bloch. Mas antes de dizer que “pelo que escreveram parece um livro interessante”, Salomão faz a ressalva cuidadosa: "sei que eles ainda devem a você".

Fico agradecida pela delicadeza do amigo, mas devo dizer para o bem da verdade que quem me deve (e apenas dinheiro) é a empresa que ficou com o espólio da antiga emissora. Coisa que raramente me lembro por estar o processo caminhando na lenta justiça trabalhista brasileira. Processo que entreguei a Deus e aos meus advogados; e ponto final. Agora, quanto à Manchete, tenho as melhores lembranças dos anos em que trabalhei lá. Talvez, alguns dos melhores da minha vida.

Para começar, aprendi a escrever com o Justino Martins, grande jornalista e editor-chefe da revista Manchete na qual eu trabalhava como editora de moda. Toda semana, fechávamos juntos as cinco páginas de matéria assinadas por mim. Justino era um gentleman, corrigia meu texto com grande generosidade, dando-me ótimas dicas e incentivando minhas aspirações profissionais.

O ambiente era ótimo nos prédios gêmeos da Editora Bloch. Duas torres de mármore, assinadas por Oscar Niemeyer, de frente para a Baia de Guanabara. Os funcionários tinham livre acesso aos donos da empresa, almoçávamos todos no mesmo restaurante, num espaço deslumbrante, à beira da piscina, em mesas redondas de jacarandá e tampo de carrara, com talheres de prata e bufê do Severino. O mesmo chefe que fazia as festas da família e que supervisionava pessoalmente o serviço dos garçons, os quais, impecáveis, vinham às mesas servir água gelada em pesadas jarras de prata. E Severiano ficava por ali, o tempo todo observando se a refeição estava do nosso agrado.

Da família Bloch em geral, tenho ótimas lembranças. De alguns tenho muitas saudades. A minha maior amiga era a divertidíssima Eveline, filha do Oscar e da Inês, de quem fui madrinha de casamento, numa cerimônia digna da mais autêntica realeza. Eveline já se foi, deixando um cantinho vazio e triste no meu coração. Assim como a irmã dela, Cláudia, de quem eu gostava muito também. De Carlinhos, o irmão, guardo um terno carinho.

Além da casa do Oscar e da Inês, freqüentei o apartamento do Adolfo e da Anna Bentes, no edifício Chopin. Eles me convidavam sempre para jantares em pequenos grupos onde pontificavam mulheres bonitas e homens inteligentes. Algumas dessas noites foram memoráveis.

Já na televisão, me aproximei mais do Jaquito, pois o Adolfo não gostava nem de pisar no quarto andar, onde funcionava o jornalismo da emissora. Diziam que ele dizia que na televisão só tinha ladrão. Mas se para a maioria dos funcionários o sobrinho do dono era uma pessoa complicada, para mim era um camarada. Nossa relação era firmada na base de respeito e consideração. Lembro de ter ido um dia tomar café da manhã na casa dele, no apartamento da Avenida Atlântica. Lá, com a Dóris, sua esposa, e toda a família à mesa, inclusive o pequeno Boris, o caçula, conversamos sobre as dificuldades pelas quais já passava a Manchete, com o atraso dos nossos salários e tudo o mais. Era desta forma que os Bloch tentavam resolver as coisas.

Depois rolou muita água por baixo da ponte. A empresa fechou e eu me mudei para Curitiba. Fui trabalhar na CNT, onde estava feliz, ganhando bem e, exatamente por isso, não quis voltar quando a Manchete reabriu. No mais, guardo a melhor lembrança daqueles anos dourados e dos grandes colegas que me ajudaram a conquistar um enorme sucesso junto ao público e à crítica.

De todos, destaco a generosidade de Ronaldo Rosas, um estupendo apresentador de telejornal e uma das companhias mais agradáveis que tive na vida. Nunca flertamos, mas também, nunca nos estranhamos. Tínhamos a mesma posição político-partidária e nos intervalos das matérias nossas críticas e opiniões eram de uma coincidência impressionante. Acho até que a nossa amizade era alvo de ciúmes dos diretores de jornalismo e alguns colegas de trabalho.

Outro companheiro inestimável foi o Miele. Homem de elegância singular, tem o dom de transformar o trabalho em prazer. Foram dois anos de programa juntos e eu só vi o Miele (que também era o diretor) se zangar com a equipe uma única vez. Em seguida ele foi ao meu camarim se desculpar de algum mau modo que por ventura tivesse feito na minha presença. Ele e sua Anita formam um casal adorável que sempre me encanta rever.

Por tudo isso, só posso agradecer um dia ter conhecido a família Bloch, e desejo um grande sucesso para o livro do Arnaldo, que foi meu colega de redação na TV Manchete e que é hoje, na minha opinião, um dos melhores colunistas da imprensa brasileira.

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