Domingo de Páscoa

O menino é de rua, como se diz. Traz a qualificação colada no corpo feito etiqueta moral, a pele escurecida de sol e sujeira, a calça curta e rota cobre só o início das pernas finas como dois gravetos enterrados nos pezinhos frios e nus. A camisa é uma tira molambenta que serve ainda para enxugar o ranho verde e continuo escorrido do nariz. Vejo-o de dentro do carro, parado em frente à farmácia. Ele se demora olhando a fotografia afixada no display da entrada lateral. Foram dez, quinze minutos, talvez mais ...

Eu o observo preguiçosamente trancada em ar-refrigerado. Foi um dia de calor nesse domingo, com almoço de família, vinho e chocolate. Os pequenos procurando ovos de páscoa nos vasos de planta e atrás das cortinas, os adultos discutindo as notícias das próximas eleições, e os ânimos se entorpecendo de fartura até a hora das despedidas encharcadas de conformismo burguês.

Na volta para a casa, uma parada na Prado Júnior para comprar comprimidos digestivos. E ali está o guri, hipnotizado com a imagem enquadrada na parede. Ele fita a cena como quem vê um filme ou um programa de televisão. É uma cena aconchegante com o menino de cabelo curto e bem penteado deitado de olhos fechados sobre o travesseiro limpo, o lençol puxado até a altura do ombro e o pijama abotoado no último botão. Ao seu lado, velando o sono bendito, o rosto sereno da mãe. Seus cabelos são sedosos e bem penteados, o olhar transborda ternura. A mão delicada, de unhas levemente esmaltadas, está pousada sobre a cabeça do filho. Mais acima, está o nome do produto anunciado em letras garrafai, um analgésico qualquer. Eu me comovo e abaixo a cabeça culpada em participar deste teatro absurdo de concentração de renda e exclusão. Tenho no colo a revista semanal com o último escândalo da Alerj - deputados contratavem pessoas pobres com prole numerosa para embolsar seus respctivos salário e auxílio-educação.
Mais do que vergonhoso, é tudo tão nojento. Volto pra casa sem graça e sem esperança. O Brasil me entristece.

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Um comentário:

Unknown disse...

leila
voce nao perdeu sua sensibilidade humana e social
shlomo