Inútil paisagem

Estou tão em falta com este blog e nem sei o que fazer para me redimir da pouquíssima assiduidade com que venho escrevendo aqui. Não vou repetir a ladainha das postagens anteriores, fiquem tranqüilos. Contudo, continuo mergulhada em livros e pesquisas, porém isso só deveria servir de estímulo para conversar ainda mais com vocês e comentar as minhas descobertas, como a da semana passada. Foi no programa que fiz sobre a “Virada Russa” na literatura, aproveitando a oportunidade da exposição em cartaz no CCBB.

Seguindo a linha dos curadores da mostra de 123 obras do Museu Estatal de São Petesburgo – que faz um panorama das artes plásticas na Rússia de 1890 a 1930 –, busquei para discussão no estúdio autores que se identificassem com os movimentos literários do mesmo período. Assim, escolhi para o período pré-revolucionário Máximo Gorki, um dos maiores mestres da prosa de ficção russa que, além de ser o primeiro a dar voz ao homem comum, fez da literatura um instrumento de luta, conscientizando milhões de leitores para as injustiças sociais da política absolutista do czar.

A conversa sobre o autor de “A Mãe” teve direito a um trecho do filme do mesmo nome, de 1926, do diretor Vsevolod Pudovkin, um dos grandes nomes do cinema de vanguarda russo, já anunciando o que viria a seguir.

Para esmiuçar o movimento conhecido como vanguardas russas, que trouxe novas propostas estéticas e conceituais em pintura, poesia, teatro e cinema, constituindo um ambiente de grande efervescência ideológica e artística na Rússia do início do século XX, escolhi Maiakóviski, é claro. Ele que foi ao mesmo tempo emissário e propagandista da Revolução de 1917, crítico radical da desigualdade social e ainda, com sua poesia revolucionária, propôs novas formas para um conteúdo novo e engajado.

Essa decisão era pule de dez, pois eu bem sabia que o autor de “A Nuvem de calça” colocou-se com ardor a serviço da revolução, e em colaboração com artistas construtivistas pôs a arte a serviço da propaganda dando início à arte aplicada ao mundo moderno, inventando o que viria a ser o design.

Mais demorado foi o processo de escolher um escritor que se identificasse com o período posterior à Revolução de Outrubro, o realismo socialista. Em conversa com um colega, o pesquisador Fernando Madeu, conhecedor da língua e literatura russas, decidi-me por “Cavalaria Vermelha” de Isaac Babel.

Que formidável foi descobrir um escritor que transformou sua experiência nas batalhas contra a cavalaria polonesa, na Guerra Civil de 1920, em um livro de contos breves de extraordinário romantismo bélico, com as cores ardentes do sangue e do fogo, mas também com os suaves lilases de um pôr-do-sol de outono. Babel faz do dia a dia nos acampamentos e trincheiras um épico, transformando pessoas simples em heróis, e passagens corriqueiras e prosaicas em momentos sublimes.

Bem, nem é preciso dizer que o programa foi um sucesso, com inserções do cinema de vanguarda russo e uma visita guiada à exposição “Virada Russa” com o crítico de arte Fernando Cochiarale.

Portanto, sexta-feira, finda a jornada semanal, exausta, mas satisfeita com o reusltado do trabalho, cheguei em casa, fiz um uísque duplo e fui para a varanda aproveitar a sensação de missão cumprida. Foi quando me deparei com a enorme lua em meia-taça despejando sobre a baía de Guanabara uma faixa de luz cor de prata, larga e volúvel ao movimento das águas. Continuei a tomar meu drinque languidamente em minha poltrona preferida, mas sentindo pela primeira vez em meses a desconcertante falta de um namorado. Lembrei-me de Tom Jobim e de sua Inútil paisagem.


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