Viver a vida em paz

“ Necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais...” , canta o urso Balu, no adorável “Mogli, o menino lobo”, longa metragem de animação produzido pela Disney, em 1967. Baseado no “Livro da Selva”, de Rudyard Kipling, o filme conta as aventuras de um menino criado por lobos em sua jornada rumo à civilização. A canção, na qual o urso bonachão procura transmitir sua filosofia de vida para tentar ajudar Mogli a sobreviver na selva, reflete, de certa forma, o ideário dos movimentos alternativos do início da década de 60, que pregavam a revisão dos valores constituídos e denunciavam a existência vazia numa sociedade movida pelo desejo de consumir.

Foi o tempo das grandes transformações de comportamento, do feminismo e dos movimentos civis em favor dos negros e homossexuais, que lançaram sobre a Terra a ideologia do Paz e Amor. Pena que uma semente assim delicada não tenha encontrado terreno fértil para se desenvolver. Ao contrário, mirrou nas tormentas das crises do petróleo, no estio do individualismo crescente e na aridez humanitária da política neoliberal. Nem mesmo a prosperidade dos últimos anos pode ajudá-la a se transformar numa árvore frondosa de sombra e frutos para todos, pois acabou desperdiçada numa tremenda concentração de renda. Não fosse a luta dos movimentos ecológicos e a tenra plantinha, símbolo de um estilo de vida simples, sem desperdícios nem excesso de luxo e de lixo, sucumbiria de vez.

Mas acabou-se o que era doce e a crise global veio, entre outras coisas, proclamar uma nova era de austeridade, promover a mudança dos hábitos de consumo, dar fim à mentalidade perdulária vigente e apontar para a mais nova tendência da estação: o despojamento está na moda.

Nesta nova ordem, perde sentido tudo o que simbolize status e desperdício, como, por exemplo, esses carrões utilitários de alto consumo de combustível que, além de contribuírem para o aquecimento global, são totalmente inadequados para o tráfego nos centros urbanos. E, acima de tudo, estão associados à arrogância da lei do mais forte, à ansiedade de chegar na frente e ao desdém pelo outro.
Bacana agora é andar de bicicleta, ainda mais em cidades com engarrafamentos permanentes. Legal é descartar o supérfluo e viver com mais tempo. Supimpa é promover uma revisão dos hábitos de consumo e substituir a gastança pelo comedimento. Ninguém precisa mais mostrar que é melhor que o outro porque tem mais dinheiro. Essa mentalidade já era. E não dá para duvidar da urgência de uma mudança de comportamento quando ela já se anuncia entre os mais conceituados economistas do mundo. Na semana passada, reunidos do Fórum Econômico Mundial, em Davos, eles tentavam entender como, em apenas 36 horas, foram queimados 600 bilhões de dólares nas bolsas de valores ao redor do planeta e, em vez do caviar e lagosta costumeiros, contentaram-se com o trivial queijo com presunto nas recepções do evento.

É bom mesmo que os economistas sintam a crise na pele e tratem de queimar a mufa para resolver a equação que se lhes apresenta na atual conjuntura. Pois se continuarmos comprando nos mesmos padrões de antes, pomos em risco a sobrevivência do planeta. Por outro lado, um freio no consumo representa redução da atividade econômica, desemprego e agravamento da crise. Para mim, a saída passa pela redistribuição de renda com redução do carga de trabalho e, consequentemente, o aumento da oferta de emprego e maior inclusão no mercado consumidor. Seria apenas o começo, para que um dia a gente possa imaginar todas as pessoas compartilhando o mundo todo, como queria John Lennon. E desfrutando tempo bastante para as coisas boas da vida, como prega o urso Balu:
“...necessário, somente o necessário / Por isso é que esta vida eu vivo em paz.”

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